PRINCIPAL
voltar para página de textos
25 de Setembro de 2003
tempo marcado – casus belli
O tchau proferido em silêncio não significava um até breve. Apesar de minhas roupas, agora, vestirem meu corpo, dispo o que penso sobre ele. Pedaços de mim estão dispersos no quarto dele. Quarto no qual meus fragmentos se dissiparam, se proliferaram. Estilhaços de sensíveis gargalhadas escrevem, nesta (s) noite (s) – todas as luas testemunhas- na parede branca como a neve rara das serras gaúchas, alguma história que passou despercebida, despedida. As seqüentes horas marcam minha presença, minha ausência, minha nunca existência na vida dele, recheada de trivialidades, tradições, acomodações. Mesmo não tendo sido sempre assim. Posso prever o futuro (in) certo que carrega a falta. Nenhuma angústia, nostalgia ou arrependimento. Nenhum sinal de dor ou latrocínio. Nenhuma seqüela. Apenas alguns ciscos que arranharam a córnea, alguma poeira acústica que ardeu no coração; pretendo manter na gaveta das minhas andanças com ele. Provas irrefutáveis de uma crônica escrita com borracha. Grande vantagem em não tê-lo levado para dentro de minha vida. Ele chegou a abrir a porta, mas desistiu de entrar ao sentir o vazio que abrigo, a falta de vivências. Eu também não insisti, muito pelo contrário, fiquei aliviada em perceber que tudo não havia passado de um susto. Escasso foi o prejuízo em ter me deixado ser levada por ele para algum lugar que estava, que ficava. Já havia construído alguma arquitetura com cimento que desconhecia, que não mais se produzia. Não tive a menor cerimônia em entrar, investigar e provar cada pedaço oferecido por ele. Não invadi nenhum compartimento secreto que tenha me negado. Passeei nos caminhos que me abriu, me guiou, sem reivindicar mais espaço, novos itinerários, rotas. Fiz um tour no espaço da vida dele que me doou, como migalha. Mesmo assim, não me entristeço ou enlouqueço por saber que foi fugaz e insignificante. Até porque o inteiro também abrange as imperfeições intolerantes. A parte do todo me foi completa, primorosa. Foram e são voluptuosos e desmembrados meus caminhos. Desenhados por mim ou por outros. É uma delícia o cheiro que algumas passagens dele ainda produzem em minha tela. São da mesma espécie que, displicentemente, ele produziu em mim, quando me deixou desacordada, embriagada por uma miniatura de feliz idade.
Réplica perfeita de uma idade feliz. Seria mais mórbido escrever estas linhas quando elas se tornassem uma reprodução fiel dos fatos, um documentário. É sórdido prever desacreditando no fatalismo, descreditando o pluralismo, como me defino, me esforço. Sórdido e Mórbido é crer que uma poesia, escrita com apagador, possa vir a ser publicada um dia, lida, possa vir a existir, senão na mente de quem a criou. Destinar-me-ei como sempre fiz. Mesmo que, algumas vezes, tenha me direcionado com pitadas de vacilo delirante, não me permito, não me permitirei ser disforma sensível de algum sentimento inquietante, estranho, descontrolado, constante. Então faço as mãos dele reflexos de meus pêlos em outras mãos. Para eternizá-lo, qualificá-lo e significá-lo incorporo dedos no tecido fino de minha camisola. Sono e si: lenciando - o. As pretensiosas unhas roídas, que se misturavam a unhas convencidas e descoradas, são interpretadas pelas chamas inquietas das velas que cobrem meu quarto de fraca luminosidade. A feliz idade em miniatura é regada de fraca luz. Grandes potências elétricas são muito estúpidas, quando utilizadas sem necessidade. Chega a cegar. Minha visão não foi afetada em nenhum dos momentos que escrevi com saliva sussurros desconexos no colchão dele. O li, me escrevi, o reli, me escrevi. Ele não embaçou minha visão quando deitou meus pensamentos livres no próprio colo, já patenteado. Mesmo reunindo e acolhendo milhares deles, não me aprisionou em alguma rotina pútrida. Ao contrário de muitas delirantes histórias, que repesam nas costas já cansadas, esta me levou a flutuar e flutuou. Cantando doces notas silenciosas, encantando sem embasbacar.
p a r a   n a v e g a r
t e x t o s
r e p o r t a g e n s
l i v r o  d e  v i s i t a s
r e f r e s c o