Valor: A eleição de Bush foi essencial nessa passagem de poder hegemônico para imperial?
Conceição: Desde as eleições do atual presidente e mais particularmente de 11 de setembro, acabou o discurso da hegemonia. Agora é o discurso do império. Eles mandam: eu tenho o poder, vocês se curvam. E nem escutam os associados. O Japão que se acabe, a Europa que se vire se não quiser fazer o que eu faço, a Argentina que peça dinheiro para os europeus porque não tenho nada a ver com isso... Mas, durante muito tempo, o que houve mesmo foi hegemonia americana, em que eles fizeram o que era o interesse deles, venderam a doutrina neoliberal, a desregulamentação do mercado de capitais, a reforma financeira - tudo como se fosse um bem universal. E ganharam. Ganharam do ponto de vista de que eles estavam perdendo a hegemonia, quando o (Paul) Volcker (ex-presidente do Fed, o banco central americano) retomou o controle. E depois convenceram o mundo de que todo mundo deveria resregular, abrir as economias... E isso todo o resto do mundo fez e passou a financiar a dívida e o déficit americanos. Um país que era credor do mundo passou em cinco anos a devedor do mundo, líquido. Deve trilhões. Tem um déficit de transações correntes que é uma barbaridade. Eles podem. Nós não podemos ter déficit nem dever, eles sim.
Valor: Que reações se pode esperar dessa política americana, especialmente na Europa?
Conceição: O que se está vendo é que os europeus estão danados. Nem poderia ser de outra forma. Eles não podem mesmo gostar da política externa americana. Por acaso, os americanos consultaram os europeus sobre a política de intervenção no Médio Oriente? Nada. Usaram quanto puderam o primeiro-ministro inglês (Tony Blair), que faz parte do império anglo-saxônio, que serviu evidentemente como ministro de Relações Exteriores na questão do Afeganistão. E depois terminou. Agora mandam o (vice-presidente) Dick Cheney fazer as negociações, sem consultar os aliados. E aí fazem o querem. Na questão afegã, vale aliança com os russos, com os paquistaneses. Se o assunto for outro, vale aliança com quem for preciso. A regra é a do império: faço a política que quero e vocês se curvam. É claro que as pessoas não gostam. E mais: na crise financeira de 11 de setembro foi visível que o Fed emitiu títulos da dívida pública e obrigou o banco inglês e o Banco Central Europeu a se curvarem. Agora, querem que a Alemanha se curve também? E adote a metodologia de déficit do FMI? Evidentemente que a Alemanha não vai fazer isso. Mas para os americanos não tem metodologia do Fundo: todos os anos, um representante do Fundo atravessa aquela esplanada em Washington e vai ao secretário do Tesouro dizer que eles têm um déficit externo que é muito perigoso, uma dívida muito elevada. E eles simplesmente recebem, de pé ainda por cima, sem oferecer um cafezinho... Agora, quem manda no Fundo? Eles. Para os outros, vale a regra do Fundo. Para eles, não.
Valor: Com a retomada da hegemonia americana nos anos 80...
Conceição: Essa brincadeira começou em 80. Eles começaram a vender o peixe ideológico. No começo dos 90, essas idéias foram aceitas e universalizadas as propostas de desregulamentar o sistema, abertura das economias, de deixar os bancos em offshore, de os bancos centrais não terem mais controle de câmbio, de dolarização das contas do mercado. O que fizeram foi converter o dólar em uma moeda financeira internacional e todos pagam para ter dólar à taxa de arbitragem que os bancos querem...
Valor: A diplomacia do dólar?
Conceição: A diplomacia do dólar, sim, mas agora pesada. Porque agora pode ser com o dólar forte ou com o dólar fraco, não importa mais. O dólar forte foi para retomar o controle. Retomado o controle, o pessoal está em dólar e eles arbitram em Londres, em Nova York, aqui, tanto faz. Eles arbitram a favor do sistema financeiro internacional, que está cada vez mais rico. Com um pequeno detalhe: você inverte a equação e, em vez de se preocupar com o investimento produtivo, com o planejamento do sistema energético, de transportes, você vai para o mercado financeiro de curto prazo para isso. Resultado: há uma sobrecapacidade maluca, como ocorreu nos EUA. Você passa a década de 90 sobrepondo o ciclo especulativo com ações, o ciclo especulativo no mercado financeiro de riscos, nos derivativos, na nova economia. E, de repente, reverte. E eles seguraram o mercado. E o mundo tem de esperar que os EUA retomem o crescimento... Eles crescem na frente e os outros seguem atrás. Então, se olharmos a década de 90 - eles liquidaram o Japão ou não? Pronto. E qual é o desiderato nesta década? É liquidar a Europa, na minha opinião. A Alemanha já está com uma taxa negativa de crescimento.
Continua
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