PALESTRA



Valor: Mas a Europa não tem condições de reagir ao predomínio americano?

Conceição: Quem tem condições na Europa é a Alemanha. Mas se se parte para cima da Alemanha, obrigando-a a adotar a metodologia americana de contas bancárias, desregular os bancos, se quiserem que a Alemanha adote a metodologia de déficit do FMI, a Alemanha não tem condições de agüentar o tranco.

Valor: Os europeus não vão reagir à política agressiva dos EUA?

Conceição: Reagir vão, mas qual é a capacidade de reação deles?

Valor: E o euro?

Conceição: O euro é a moeda que está com a taxa de juros mais alta do que o dólar, mas isso não impediu o investimento direto europeu nos EUA porque os Estados Unidos é que estavam liderando o crescimento. Se os Estados Unidos voltarem a crescer antes da Europa...

Valor: Como parece que está acontecendo...

Conceição: ... como parece que vai acontecer, continua o fluxo de investimento direto europeu nos EUA, financiando a conta de capitais americana. E a pressão sobre o Banco Central Europeu continua sendo rentista - taxa de juros alta, dívida pública, déficit fiscal. Por isso, eles têm de encolher e continua sendo pressão contra a Previdência, contra a seguridade social, contra o Estado de bem-estar, aumenta o desemprego. E aí, como a Europa agüenta? Passa a ser a Europa dos rentistas, como já é, na verdade. É claro que me resta torcer pela Europa, mas isso já estou fazendo...

Valor: Então, não há nada que possa ameaçar a hegemonia ou o império americano?

Conceição: Tem uma indignação moral crescente, tem uma diplomacia crescentemente irritadiça. Mas a questão é a seguinte: se os EUA afundam, pode a Europa compensatoriamente subir? Não há evidências. Então, como é que fica a economia mundial? O Japão, afundado. A América Latina, afundada. A África, estraçalhada. Querem mudar tudo na Alemanha, querem vender a eles até o conceito de direito privado de consultorias privadas, de escritórios de advocacia americanos. Não há mais direito universal, contabilidade que se entenda também não tem. Então, os europeus ficam bravos porque esse não é o modelo deles. A Europa continental herdou o direito público romano, não o direito caso a caso anglo-saxônio, que é dos americanos e ingleses, que estão querendo propagar esse peixe urbis et orbis. No Brasil, os modelos de privatização não foram os seguidos pelas empresas de consultorias americanas, com as regras deles? Quem exigiu que a receita das privatizações fosse esterilizada com os esqueletos não foi o Fundo Monetário? Se você tem de um lado o FMI e do outro lado, as consultorias, os bancos deles, como se sai disso?

Valor: Mas a Europa...

Conceição: A Europa poderia reagir se já fosse os Estados Unidos da Europa e não é.

Valor: Mas essa indignação moral a que a sra. se referiu...

Conceição: Sim, mas o que se pode esperar? Que os presidentes dos Estados europeus mandem pau em cima do presidente americano? Fica difícil. De vez em quando, um manda. Até o Fernando manda. Eles protestam de vez em quando: vocês estão exagerando. A Unctad protesta, a Índia, a China. Mas não passa disso. Quando se reúnem, não passa de declarações e cinismo. Não estavam todos juntos em Monterrey a favor do desenvolvimento, mas deixaram a Argentina resolver seus problemas? Não vejo nenhum foro para ações. Uma coisa tão simples quanto dar um mínimo de racionalidade à situação de endividamento dos países da periferia, que a Anne Kruger (vice-diretora gerente do FMI), que é conservadora para burro, quando ela pediu um foro para arbitrar, o (secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Paul) O' Neill disse que não era disso, que o mercado resolvia. Quando chega a esse ponto, eles pensam que são os donos do mundo.

Valor: Mas, então, nós vamos ter mais 20 anos de hegemonia...

Conceição: Não vamos porque, quando chega a esse nível, não dá certo. Quando o império chega a esse nível, é capaz de eleger um cavalo para imperador - lembra-se do Calígula? Do meu ponto de vista, vai começar o questionamento interno. É o país das oportunidades, mas 60% da população não vota, a distribuição da renda piora, o analfabetismo técnico aumenta, a pobreza e a marginalidade crescem, faltam auto-estima e identidade. Qualquer intelectual americano fala isso, nem é preciso ler os radicais. Não estamos nem conseguindo a legitimidade das eleições, que era a base da sociedade americana. Isso acaba corroendo, porque hegemonia tem um mínimo de legitimidade, de coerência interna - que também não existe nesse governo, no qual um desmente o outro seja em termos de economia ou de relações internacionais. Não pode ser cada um atirando para um lado. O sistema não está legal. Depois de duas décadas brilhantes, de crescimento, não conseguiram resolver seus problemas internos. Esse negócio de império... A rainha Vitória também tinha um império onde o sol nunca se punha e o resultado não foi brilhante para os ingleses. Agora, eu também acho que não está brilhante para os Estados Unidos. E eu nunca fui daqueles economistas que ficavam dizendo que estava tudo acabado para os EUA.
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