Vingança, vingança!

(João Ubaldo Ribeiro)

Em companhia de diversos coroas da minha faixa, estava eu chorando, semana passada, no tradicional boteco Flor do Leblon, sito, como o nome indica, no bairro onde orgulhosamente resido. Era por causa do papa, rezando missa no Parque do Flamengo. Não se tratava de um evento católico, eis que a mesa estava coalhada de caipirinhas, uísques e chopes, além de maus pensamentos, provocados pelas moças que, indiferentes à nossa angústia cronológica, passavam a caminho da praia.

— Anti-semita! — bradava Carlinhos Judeu, quando elas, unanimemente, desfilavam sem olhá-lo.

— Preconceito contra nordestino, preconceito contra nordestino! — bradava eu, vitimado pelo mesmo estranho fenômeno.

— Fanática! — bradava ainda outro.

E outros brados de revolta se sucediam. Até que Popó Maciel, administrador do conceituado estabelecimento, decidiu ligar a tevê. Entre outros, estavam à mesa vários católicos, um metodista, três judeus (um dos quais ao mesmo tempo umbandista, mas eu sou um amigo leal e não entrego), dois kardecistas, três ateus e não sei quantos macumbeiros secretos, mas todo mundo começou a chorar. No começo, houve tentativas de disfarce, olhares para os lados, esfregação de olhos e assim por diante, até que se estabeleceu um reconhecimento geral.

— Depois dos 45, 46, eu comecei a chorar até em inauguração de loja.

— Eu sou judeu e choro em missa. Vou numa missa e choro.

— Eu choro quando ouço o Hino Nacional. Tocou o Hino Nacional, eu me tranco no banheiro e choro até acabarem de cantar, às vezes mais.

— Eu choro em tudo. Outro dia, minha filha mais nova saiu para uma festa com o primeiro namorado e eu só parei de chorar no dia seguinte.

Já falei sobre isto, mas me impressiona o número de chorões que se multiplica à medida que a gente vai ficando mais velha. Talvez seja uma receita de longevidade. "Devo meus 106 anos ao fato de haver começado a chorar desde os 52", explicará o macróbio. "Eu chorava desde o tempo em que o Sílvio Santos jogava dinheiro em forma de aviãozinho, para aquelas mulheres enlouquecidas ficarem disputando notas voadoras. Cada vez que uma voava e alguém pegava a nota no ar, alguma coisa acontecia em meu coração e eu caía em prantos."

Mas a idade não está aí só para isso. Disse aqui, em várias ocasiões, que Jorge Amado me falou muitas vezes que já lhe tinham narrado como é abundante a velhice em felicidade, só que ele ainda não havia experimentado nada dessa abundância, antes muitíssimo pelo contrário. E é um horror mesmo. Até para vestir-se dá vontade de dispor de um valet de chambre, para a gente conseguir enfiar um pé na cueca sem ter de se deitar. Um absurdo inominável, uma humilhação atrás da outra, tudo despencando ou rangendo, os serviços de netos e filhos indispensáveis até mesmo para pegar alguma coisa na prateleira.

Estabelecido, assim, que velhice não está com nada, acrescente-se o terrorismo. Depois da cuidadosa pesquisa, percebi que todos os meus amigos que já passaram dos 50, ou estão perto, lêem obituários com assiduidade obsessiva, dedicando especial atenção à idade do pranteado. "O quê? Só 78? Quem diria que esse menino não iria se criar?" E depois notícias sobre essa designação abominável de "terceira idade" e suas recompensas, tais como jogar truco todas as tardes numa pracinha de cidade protegida pela polícia. E as novas doenças, cada vez mais numerosas, porque hoje se vive mais e dá tempo para pegar doenças de que antigamente nem se ouvia falar, porque ninguém vivia o suficiente para que elas fossem descobertas.

Finalmente, para maior pavor dos velhos, há os planos de saúde. No Brasil, como sabemos, só pobre ou louco não tem plano de saúde. Mas, à beira dos 60 ou 70, o infeliz aposentado descobre que, não havendo sido vereador, deputado, senador, ministro ou presidente, vai ter de passar fome para poder continuar a pagar o plano de saúde. Escritor e jornalista, nem pensar. E, assim, a cada dia, à medida que o tempo passa, as já invisíveis alegrias da velhice se vão transformando em fantasmas tenebrosos, sob a ameaça de se expirar numa maca, na portaria de um hospital público.

O consolo, como quase sempre, é a desgraça alheia. Outro dia, falei aqui sobre o triste destino dos machos da espécie, cada vez mais desprezados e vistos como inúteis até em anúncios de lingerie, em que agora só costumam aparecer fotos de moças com moças, além de moça com moça, no geral, andar muito na moda e, em certas universidades americanas, estudantes se recusarem a saber qualquer coisa originada de pensamentos masculinos. Tudo bem, a marcha da História é inexorável. Mas, enquanto, antigamente, os médicos se limitavam a, no máximo, mandar-nos fazer um exame de sangue, uma abreugrafia ou sair sorrindo amarelo, empunhando latinhas em filas de laboratórios, agora qualquer unha encravada faz com que eles nos mandem examinar pela Nasa. Ou seja, ficar velho só serve para endividar ou sair no Guinness (que, por sinal, não paga nada a quem sai no Guinness).

O consolo, dizia eu, é a desgraça alheia. Se nós, machos, estamos condenados à extinção, tiremos alento do fato de que o tempo também passa para as mulheres, passa para todo mundo. E, no futuro, quando a humanidade resolver que velho só dá trabalho, aporrinhação e despesa, como já vem acontecendo, vamos todos tomar uma injeçãozinha letal decretada por um presidente de 40 anos, antes de ele compreender que, aos 80, ele também vai resistir a embarcar. O futuro é radioso.