O tritão gostosão do Leblão

(João Ubaldo Ribeiro)

Eles tentam e, felizmente (para uns certos uns, não, mas me consolo em pensar que esses uns são minoria), porém ainda não conseguiram. Eles vão me matar, embora, como já disse aqui, irei morrer em perfeita saúde. Refiro-me à operosa e digna classe médica. Estou cercado por seis deles e, em breve, a julgar pelos prognósticos, por sete ou oito. O oftalmologista eu não conto, porque sou cego como um morcego desde os 6 anos de idade e lá se vão uns bons 50 verões em que assevero que o E projetado à minha frente é um H. Já fiz mais exames do que um astronauta e continuo péssimo, consideravelmente auxiliado pelo terrorismo afável com que me tratam. Só não fui ainda a um ginecologista, mas aguardo esse dia com resignação.

— O seu fígado está uma calamidade, à beira de um ataque de nervos!

— A qualquer hora, seu coração pifa, hem? E não avisa, hem?

— Tem que ver essa próstata, tem que ver essa próstata!

— Tou suspeitando de artrite reumática, aí nesses joelhos.

— Modus in rebus, você está com o pique de uma tartaruga sedada.

— Seu psiquiatra ainda não sugeriu internação?

Mas, justiça seja feita, eles me dão algumas palavras de incentivo. Como o que me exortou eloqüentemente à prática de hidroginástica.

— Hidroginástica? Mas hidroginástica não é aquele negócio a que o pessoal comparece de cadeira de rodas, com um enfermeiro limpando a baba?

— Não é nada disso. Preconceito, preconceito. Hidroginástica é a maneira perfeita de você se exercitar.

— Não podia ser natação? Natação, pelo menos...

— Natação coisa nenhuma, com 50 metros eu já teria de deixar uma UTI móvel à beira da piscina. Hidroginástica, hidroginástica.

Hidroginástica, pois. Passei por uma certa burocracia, que envolveu atestados médicos, documentos bancários, certidão de casamento, certidões de idade dos filhos menores e outras bobagenzinhas, que só me tomaram algumas semanas. Deve ser porque, olhando minha aparência, o pessoal do clube achou por bem que eu fizesse uma espécie de condicionamento, antes da ginástica propriamente dita. Ficar em filas sem entender burocratês é também um ótimo exercício físico e psicológico. Acompanhado de um leal amigo, veterano do clube, compareci à primeira sessão. Disfarçando cavalheirescamente um sorriso irônico (trata-se de um destacado aluno de natação), ele me levou à piscina de hidroginástica, onde o instrutor, que já havia começado, perguntou meu nome.

— João — disse eu, querendo pelo menos me chamar Éverton Maurício.

— Muito bem, João! Cai dentro d'água e começa a malhar! Atenção, perna direita chutando, braços dobrando na direção oposta! Um, dois, três, vamo lá!

Simples, não é? Vá tentar você. Eu já estava assemelhado a uma sucuri com lordose, quando o instrutor me notou.

— Assim, João! Assim! Assim não, também assim não! Assim! Daqui a pouco você acerta! — falou ele, repetindo os movimentos. — Isso, vai lá, João!

— Vai lá, João! — ecoaram umas quatro colegas (só tem mulher; além de mim, há uns quatro outros coroas do meu tope para cima, todos disfarçados com bonés, chapeuzinho e óculos escuros, sempre pelos cantos da piscina; menos eu, que fico bem na frente do instrutor: quero que pensem que é porque sou macho, mas a verdade é que, de longe, não enxergo nem as pernas dele). Fui lá, da melhor maneira possível, me sentindo como o saudoso Wilson Grey encarando dez assaltos com Mike Tyson. Mas, em breve, melhorei e mereci até elogios do instrutor.

— Dá-lhe, João! Só que agora o chute é para o lado, não para a frente!

— 'Xá comigo! — respondi heroicamente.

— Vai, João! — gritaram as colegas.

Daí em diante, comecei a descobrir a extraordinária turma para a qual fora escalado e o valor do apoio da torcida. Quando eu começava a pensar que ia afundar e me afogar calamitosamente, havia sempre alguma que gritava "vai, João!" e eu reunia todo meu brio nordestino e voltava à luta como um combatente de Canudos. Minha turma, no geral, é um charmosíssimo grupo de senhoras e já até fiz algumas amizades. A senhora ao meu lado, por exemplo, reagiu maravilhosamente a uma tímida pergunta minha.

— Agora, calcanhar pra trás, que é pro bumbum! — bradou o nosso valente instrutor. — Assim! Assim! Calcanhar no bumbum, perna para a frente, calcanhar no bumbum, perna para a frente! É isso aí!

Já no limite de minhas forças, tive a certeza de que não conseguiria repetir aquele feito tão garbosa e fluidamente demonstrado pelo instrutor. Aliás, não conseguiria de jeito nenhum, pensando bem. Vencendo minha proverbial timidez, olhei para a simpaticíssima senhora a meu lado e indaguei:

— E quem não tem bumbum precisa fazer?

— De jeito nenhum! Eu também não tenho e não faço. Vamos enrolar.

Enrolamos. E então percebi que de fato havia achado uma nova tchurma, de nereidas da pesada. Netos e netas, tremei!