Tenho vários amigos famosos, em cujo rol sobressai o insuperável Zé Rubem Fonseca, que nunca dão entrevista. Antigamente, eu achava isso rabugice, até que a vida e gente como o Zé Rubem me foram ensinando o contrário. O Zé Rubem não é rabugento e, ao contrário, é uma doce, terna e solidária pessoa, que quem já esteve com ele confirmará de pronto. Ele simplesmente não tem saco para entrevistas, por motivos que hoje compreendo perfeitamente.
Que é uma entrevista? É um instrumento jornalístico para que se procure, com o entrevistado, alguma informação antes desconhecida. Mas não é o que costumeiramente ocorre. Não esqueço de uma jovem repórter, que, pautada por uma revista nacional, foi entrevistar-me, quando eu ainda morava na minha gloriosa Ilha de Itaparica. Chegou, toda bonitinha, cruzou as perninhas e a primeira pergunta que me fez foi a seguinte:
— O senhor é escritor, não é?
— Não — quis eu responder, mas não respondi. — Sou gigolô da senhora sua mãe.
Que diabo, ela não tinha lido nem a pauta, que dizia, logo no começo, "entrevistar o escritor João Ubaldo Ribeiro sobre tais e tais assuntos". Quase ninguém faz o dever de casa, antes de entabular a entrevista. Aí perguntam onde eu nasci, que livros escrevi e em que datas, onde moro (isto na minha casa), quantos filhos tenho e outras coisas de grande interesse público, das quais quem se interessa já está farto de saber e quem não se interessa não quer saber.
Ou então se vêm com a convicção de que eu, por ser uma pessoa de modesta notoriedade, sou capaz de opinar sobre qualquer assunto, como a qualidade dos charutos cubanos, a política econômica da Rússia ou o desempenho dos tenores da Ópera de Milão. Eu não sei, não finjo saber, mas o entrevistador se indigna quando lhe revelo minha ignorância sobre esses e mais uma vastidão de assuntos.
E tem o entrevistador que, mesmo gravando o que se disse, transcreve o dito "em suas próprias palavras". Não há maior contrafação que essa. Lembro que uma vez, ainda em Itaparica, usei a palavra "turista", para designar os que por lá apareciam para passar um ou dois dias, e "veranista", para falar nos que lá mantêm casas e a muitos dos quais a cidade deve muitos benefícios. Com gravador e tudo, o entrevistador entendeu as palavras como sinônimas e embananou tudo o que eu falei. Os casos desse tipo de que já fui vítima são inumeráveis.
Recordo uma certa entrevista em que, como todo mundo que me conhece sabe, disse que sou vascaíno, com muito orgulho. Mas contei ao rapaz que empunhava o gravador que já tinha saído em vários jornais que eu era Flamengo (aliás, torcida do Flamengo, aquele abraço!). Ele deu uma risada e até criticou os seus colegas desatentos. Pois bem, no dia em que saiu a entrevista, estava lá escrito, como frase minha: "Eu sempre fui Flamengo, mas costuma sair nos jornais que eu sou Vasco, veja que loucura."
Além de tudo, entrevista é trabalho, que deveria ser pago. Não consigo contar as vezes em que me pediram entrevistas e eu disse qualquer coisa como "quarta-feira, às 11 horas". Ah, nesse dia e nessa hora o entrevistador não pode. Então, sexta-feira, às 10 horas. Também não pode. Sábado então, sábado ao meio-dia? Impossível. Domingo, alors, domingo às 10. Impraticável. Quinta-feira, às 9? Vamos fazer um esforço e, na quinta, chega o entrevistador às 11, se queixando do tráfego em Botafogo e desejando ocupar o tempo do entrevistado somente até 13, 13h30.
Claro que não é sempre assim. A Glória Maria (gracinha!) já esteve aqui em casa, para glória minha e não dela — que já a tem, a começar pelo próprio nome —, na hora marcada e sabendo perfeitamente o que ia perguntar. A Marília Gabriela (paixão!) não me aporrinhou com nenhuma pergunta cretina, muito ao contrário, ficamos num grande cara a cara. O Jô tampouco, o Pedro Bial tampouco. A Daniela Name tampouco, e vários outros tampouco. Mas, no geral, o Zé Rubem tem toda a razão, não há por que ficar dando entrevistas a três por dois.
Alegarão os que se sentirem atingidos (não é meu propósito, trata-se apenas de um desabafo) que essas entrevistas muitas vezes promovem meus livros ou minha imagem. Verdade, verdade. Mas, quando isso acontece, eu estou sendo pago, ainda que indiretamente. Se, por exemplo, eu vou ao Jô Soares Onze e Meia, trabalhar com ele, mas, ao mesmo tempo, mostrar meu livro mais recente, estou ganhando um comercial gigantesco e, evidentemente, não me sinto explorado.
Da primeira vez em que fui a Berlim, já faz não sei quantos milhões de anos, uma emissora de televisão me pediu uma entrevista. Me levaram para um parque, me sentaram num banquinho cercado por um jardim e me entrevistaram sobre coisas fáceis de responder — se eu estava gostando de Berlim, se eu acreditava no incremento das relações culturais entre Brasil e Alemanha e assim por diante. Tudo durou não mais que cinco minutos e, no fim, um funcionário da emissora, quase trêmulo de embaraço,veio a mim com 700 marcos na mão, pedindo profusas desculpas por só estar fazendo aquele pagamento simbólico, estava envergonhadíssimo por dispor somente daquela verba ridícula que, para mim, naqueles tempos bicudos, era uma nota preta. Aqui, não. Aqui você vai ao estúdio, tem que deixar documento de identidade na portaria, pendurar crachá na camisa e ser submetido a uma série variada de indignidades. Todo mundo está ganhando, do contra-regra ao apresentador. Só quem não ganha é o cerne do programa, ou seja, os entrevistados. Pensei, pensei, sei que, com isto, devo estar encerrando minha carreira televisiva, mas resolvi: agora só vou se me pagarem, pelo menos na forma em que o Jô me paga. Adeus, senhores telespectadores.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 30/08/1998.