A crise financeira num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Tu tem dinheiro na bolsa, não tem?

— Eu? Nem aqui na pochete, quanto mais na bolsa. Aqui só tem o dinheiro do chope e do bolinho de bacalhau, contadinho. Minha senhora fiscaliza tudo.

— Eu pensei que tu tinha. Tu tem assim uma cara de quem tem dinheiro na bolsa.

— Eu? Tu é que tem, com esse cabelo cheio de gel e essas camisas com dizeres em inglês.

— Tudo comprado em camelô. Eu nunca tive um tostão na bolsa. Mas a situação das bolsas tá difícil, é melhor a gente se cuidar.

— Se cuidar, como? Se a gente não tem dinheiro nenhum lá, como é que a gente vai se cuidar?

— Ah, isso não tem nada a ver. Quando tem problema na bolsa, todo mundo tem que se cuidar. É a crise.

— Mas se cuidar, como? Alguém come dinheiro? A gente come carne, feijão, arroz, alface...

— Mas não come sem o dinheiro pra comprar a comida. E, quando a bolsa cai, o dinheiro vai pro espaço.

— Mas que espaço? O dinheiro some?

— Bem, sumir, não some. Eu não sei direito para onde vai, mas com certeza vai para o bolso de alguém, dinheiro não é álcool, para se evaporar. Com certeza, vai para o bolso de uns aí.

— Então esses uns aí comem dinheiro. Ficam comendo saladinha de dólar, enquanto quem trabalha come capim e, mesmo assim, enquanto eles não cobrarem imposto por pastar na beira da Lagoa. PPP — Participação Provisória na Pastagem, que depois passaria para Permanente, por uma questão de escassez de pastagens.

— Não é nada disso, é um problema complexo. É um problema muito complexo, você não compreende.

— Então me explique.

— Eu não sou especialista, também não sei explicar, só sei dizer. Se as bolsas continuarem em crise, não vai sobrar pra nós. Não vai sobrar pra ninguém, nem para os japoneses, e foi lá no Japão que começou tudo.

— Como, no Japão? Todo mundo sabe que o Japão é uma potência, todo mundo sempre disse que o Japão é uma potência.

— Mas foi lá que começou. Lá e nos tigres asiáticos.

— Como, nos tigres asiáticos? Não eram aqueles países que deviam servir de exemplo para nós, que faziam tudo certo, enquanto nós fazíamos tudo errado?

— É, mas tu tem que levar em conta a Misteriosa Sabedoria Oriental. Deve ter alguma coisa a ver com a Misteriosa Sabedoria Oriental, isso a gente só vai saber depois. O fato é que as bolsas estão despencando e temos que nos cuidar. Ainda mais que agora os russos entraram na dança.

— Os russos? O que é que os russos fizeram desta vez?

— Tu não lê jornal, não, cara? Eles só vão pagar 20 por cento de quem emprestou dinheiro a eles e, assim mesmo, só daqui a oito anos. Sentiu a porrada?

— Que é que aconteceu com o dinheiro?

— Sumiu. Quer dizer, sumiu, não, está no bolso de alguém, já muito bem embolsadinho.

— E a bolsa deles...

— Nas profundas dos infernos.

— E aí, porque os japoneses não seguraram, os tigres eram uns gatinhos e os russos... Os russos tinham de aprontar essa sujeira, eu odeio esses comunistas!

— Mas eles não são mais comunistas, agora são capitalistas.

— Mentira! Todo russo é comunista!

— Você tá maluco, não existe mais a União Soviética, agora é a Rússia e quem manda lá não são mais os comunistas.

— Aí é que você se engana. Com essa história que você está me contando, é que eu estou vendo. Os comunistas prepararam esse plano somente para embananar a economia do mundo todo e, quando tudo estiver embananado, eles voltam com a União Soviética, só que, desta vez, vão ser praticamente todos os países do mundo. A bolsa americana também caiu?

— Caiu, caiu.

— Viu você? Viu você? Eles vão pegar até os Estados Unidos, comunista é diabólico, rapaz, tá na cara que isso é um plano comunista. A economia mundial vai pra cucuia e eles abocanham tudo. Por enquanto, eles estão na moita, tática sórdida de comunista mesmo e ainda com o dinheiro que os panacas forneceram a eles. Quem viver, verá, escuta o que eu estou dizendo!

— Que nada, eles já são capitalistas à vera, até cheia de MacDonald's a Rússia está.

— Eles depois nacionalizam tudo, vai ser Macdovitch, tu vai ver.

— Tá legal, mas nós não podemos fazer nada mesmo, vamos pedir outro chope.

— Tá legal? Tá legal todo mundo aqui tendo que aprender russo, entrando em fila pra comprar cigarro e vivendo com uma merreca de 50 rublos por mês?

— Pior seria, se pior fosse. O chope podia estar ruim hoje. E, além disso, o presidente já disse que ser rico é muito chato. E todo mundo já tem dentadura, vai poder pastar numa boa. Capim é muito nutritivo.

— E eu aposto que o dele vai ser com creme de champignon. Ele é cúmplice, ele é cúmplice, abaixo os comunistas! Inocente útil, é o que você é!