Finalmente, eis-me de volta à maravilhosa cidade onde moro e ao imbatível Leblon. Sei que planejaram vários eventos especiais para celebrar minha chegada, mas, na modéstia que me caracteriza, recusei delicadamente todas as homenagens oferecidas, exceto as que viessem em dinheiro — hipótese que, infelizmente, não se concretizou. Mas a felicidade não pode ser completa e aqui estou, 10 quilos mais gordo e, como acho que já contei, com a barriga do tamanho de um zepelim. Nos dias que passei, tomando suquinhos e comendo docinhos de 15 em 15 minutos, na casa de minha irmã, em Salvador, praticando como únicos exercícios sentar-me, comparecer às refeições, dormir, falar como um condenado e escrever relutantemente minha crônica (trabalho pesadíssimo, vocês não podem imaginar), deu para pegar uns 10 quilos extras.
Mas nada disso é suficiente para empanar minha alegria. Desde que cheguei, recebi (agora leio jornais on-line, onde posso escolher com mais facilidade as notícias que não vão fazer com que peça receitas de antidepressivos ao psiquiatra) inúmeras boas novas. Incrédulo, porém ufano, sou, por exemplo, informado de que os parlamentares, pelo menos no momento em que escrevo, recusaram os aumentos que já tinham decidido conceder-se. Não querem nada disso, ninguém no governo quer aumento, são, afinal, uns patriotas, dos quais só fala mal quem é catastrofista ou a outra palavra, que sempre esqueço, usada pelo presidente para qualificar os que não estão gostando da situação do País, inclusive os funcionários públicos e os aposentados.
Leio também, com grande júbilo, que um deputado apresentou projeto para acabar com os manicômios, essa espada de Dâmocles que sem cessar paira sobre minha pobre cabeça. Sempre tive receio de, um belo dia, aparecer em minha casa um grupo convocado por amigos, ou familiares, ou outras vítimas de meu singular comportamento, para me cumprimentar, sorrir gentilmente diante de minhas alegações de que não sou maluco, me dar uma injeção sossega-leão e me meter no meio dos outros doidos, num manicômio qualquer. Já cheguei mesmo a considerar a hipótese de andar com um habeas-corpus preventivo no bolso, para enfrentar essa eventualidade desagradável. Não é pura paranóia, já falaram em me internar várias vezes, geralmente em tom de brincadeira, mas de uma forma que me deixava desconfiado de que não era tanto brincadeira assim. Grande deputado esse, cujo nome ingratamente esqueci, mas que certamente voltará aos jornais e farei campanha por ele, nas próximas eleições.
O dr. Brizola, leio também, pintou o cabelo de acaju, numa visível mudança no radicalismo das esquerdas. Afinal, ele podia ter pintado de vermelho. Seu gesto acajuano deve ser visto como sólida demonstração de boa vontade e maturidade. Aguardo com ansiedade o dia em que Lula vai dar uma de rastafári, o PT inaugurará uma ala GLS e outros progressos advirão. Já não encaro o próximo ano com tanto pessimismo quanto antes. Claro que vai ser um horror, mas do limão temos que fazer uma limonada, temos que pôr fé em que o número de dentaduras aumentará e de que todos se submeterão a um check-up anual gratuito e em outras benesses anunciadas no horizonte. E o Detran do Rio, como sempre, vai mudar para melhor, desta vez, também como sempre, à vera.
Quanto ao setor informático, devo reportar assinalados desenvolvimentos pessoais. Depois da acabrunhante experiência com o computador de meus sobrinhos, posso também botar banca e já agendei uma visita de meu conhecido rival Zé Rubem Fonseca, para ver se ele acha o que falar mal de meu novo equipamento. É uma maravilha. Dificilmente poderia descrever as emoções cibernéticas que tenho vivido, a principal das quais tem sido a constatação do elevado nível mental dos freqüentadores das sessões de bate-papo eletrônico, em que aprendo o uso da língua do futuro (vocabulário de mais de 300 palavras, podem crer) e cometo façanhas improváveis, tais como arranjar namoradas virtuais, até uma americana. Com isso, contribuí para o progresso da sociologia, pois não escondo a idade e as moças vão em frente assim mesmo, os tempos são outros. Só abri uma exceção, ainda na Bahia.
— Que é isso, menina, eu tenho idade para ser seu avô! Você só tem 17 anos!
— Preconceito de idade, é? Pois eu não tenho preconceito nenhum.
— Mas a polícia tem — disse eu, pensando em aparecer nos jornais como corruptor de menores e ela, indignada, me xingou e se desconectou.
Claro que tudo isso tem um pequeno preço, como, por exemplo, passar das 8 de uma manhã às 4 da outra diante desta geringonça, tentando descobrir como fazer as coisas. Cansa um pouco e nem sempre consigo o que quero. Aliás, a bem da verdade, nunca consigo o que quero, mas conto com a ajuda do valoroso Hermínio e da bela Isabella, funcionários da minha editora, a quem telefono de cinco em cinco minutos, inclusive para as casas deles, a qualquer hora do dia ou da noite. Se eles fossem obstetras ou cardiologistas, não poderiam aspirar a horários mais edificantes. Hermínio mesmo passou, outro dia, seis horas aqui em casa, tentando, com pouco êxito, aclarar minha burrice e convencer o provedor (se você não sabe o que é provedor, azar o seu, não escrevo para leigos) de que a culpa era dele, provedor, e não nossa, pela infortunada circunstância de que meu correio eletrônico não funcionava. Hermínio chegou a querer ligar para o Ministério das Comunicações, mas a encantadora dra. Vera, diretora do provedor, acabou quebrando o galho. Agora estas crônicas seguem para o jornal por e-mail, que sempre considerei altamente chique, além de me poupar mais tempo do que para escrever, tentando passar faxes (resolvi que o plural de "fax" é esse mesmo; não discuta comigo, sou acadêmico). Enfim, sou feliz. Só falta agora telefonar para Hermínio, para saber como é que eu passo este negócio por e-mail. Ninguém é perfeito.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 20/12/1998.