O blablablá de sempre

(João Ubaldo Ribeiro)

Estou escrevendo meio sem jeito, porque escrevo muito antes do Natal e do ano-novo (antigamente, chamado também de ano-bom, mas acho que perdemos a prática e ficamos um pouco mais realistas, agora é só ano-novo mesmo e já é suficiente). No dia em que batuco aqui as palavras que vocês estão lendo neste domingo, vai rolando lá fora a mesma confusão de sempre, em lojas e shopping centers e alguns padecentes descolam uma graninha extra, vestidos de Papai Noel, neste calor que vem fazendo, pelo menos aqui. E repetem-se as mesmas coisas de sempre.

As revistas e os jornais fazem retrospectivas e dão dicas de presentes, o sujeito telefona para a mãe pela única vez no ano, uns ficam repentinamente solidários e esperançosos, outros melancólicos e por aí vai, todo mundo já sabe o que acontece. E não se pode esperar nada de cronistas pouco inspirados, a não ser o blablablá de sempre, com a notável exceção de comentários sobre o fim do milênio, que me recuso a fazer, um pouco por falta de saco e bastante por incompetência mesmo.

Ninguém está mais trabalhando e também neste caso podemos esperar o de sempre, ou seja, o começo real de 1999, no fim da próxima Semana Santa, mais ou menos. Aí, as engrenagens adormecidas do País iniciam seu lento processo de volta e vamos encarar a realidade sem muitas possibilidades de adiamento, como terá acontecido no início do ano.

Claro que exagero, porque, mesmo durante as festas, como algum jornal invariavelmente nos lembra, tem gente que está viajando de folga ou festejando onde pode, enquanto outros — como bombeiros, telefonistas, policiais e, claro, jornalistas — trabalham. Uma das razões da pressa e da antecedência com que escrevo é que já militei muito em redação e gosto de lembrar que o pessoal de lá também é filho de Deus e merece pelo menos uma colherzinha de chá. Aí não é justo que deixe alguém esperando esta momentosa crônica chegar de última hora, para acabar de fechar o jornal.

Sim, mas como desenvolver o blablablá desta vez? Vejamos aqui, alguma novidade? Não muitas, a não ser variantes das notícias que nos deprimem e um ou outro acontecimento mais alegre. Sou do time dos melancólicos de Natal e réveillon. Já contei aqui, como, na juventude, cansei de trocar de ano ouvindo a então Rádio Relógio Federal. Você sabia que a maior noz do mundo é o coco? Toc-toc-toc. Ao terceiro sinal, zero hora. Plim-plim-PLIM! Feliz ano-novo. Entre os mamíferos terrestres o animal mais veloz é o guepardo, também conhecido como chita, que, em curtas distâncias, pode atingir velocidades acima de cem quilômetros por hora. Ainda é tempo para presentear as pessoas queridas, nas festas deste fim de ano. Visite as lojas Príncipe, o melhor em roupas para jovens. Príncipe veste hoje o homem de amanhã. Toc-toc-toc. Ao terceiro sinal...

Espero, é claro, que Papai Noel tenha aparecido esplendidamente nas casas de vocês. Na minha, a esta altura, ainda não sei, mas qualquer coisa haverá de ter pintado, da parte do bom velhinho. Por meio de minha mulher, ele certamente terá deixado uma bermuda nova, para entrar como estrela em meio à minha já de muito fanada coleção. Como árbitro da moda no Leblon, não posso descuidar-me de meus deveres. Sim, e pedi a ele umas sandálias novas, porque as que meu editor comiseradamente me deu, já faz séculos, estão, lamentavelmente, próximas do fim. As pessoas ficam muito desapontadas quando não me encontram de sandálias e bermuda e é assim trajado que imaginam que compareço a qualquer evento social. São graves responsabilidades, a que preciso estar permanentemente atento.

E espero que o réveillon venha a ser, igualmente para todos nós, uma experiência inesquecível. Eu, particularmente, já à beira da senilidade, deverei estar lutando contra o sono lá pelas 11 horas e prometendo a minha mulher, como de hábito, que no próximo ano será diferente. Haverá a festa já tradicional, no apartamento do incomparável José Aparecido, na Avenida Atlântica, perto dos fogos, para a qual já fui generosamente convidado e à qual não sei se comparecerei, não porque não goste dela e do anfitrião, mas porque dei para ficar com medo de multidão e acotovelamento, vicissitudes que necessitarei enfrentar, para chegar lá. Me sinto (cartas reclamando do emprego desse "me" aí, no começo da oração, para o editor do jornal, pelo amor de Deus) um pouco atrás do trio elétrico na Praça Castro Alves e, apesar de meus esforços de baiano, nunca consegui sair atrás do trio elétrico — devo já ter morrido, se Caetano está certo.

Há também o departamento de resoluções de ano-novo. Tenho diversas, a maior parte repetição das do ano passado, que, por isso ou por aquilo, deixei de observar. E livros (como há livros aqui para ler!), desde o de Joel Silveira, que me mandou um de presente e já deve estar me xingando por eu não tê-lo ainda lido e muito menos dado notícias, até o de Beto Hoisel, misterioso escritor que conheço vagamente, mas que, ao contrário do que possa parecer, não é só para os iniciados, pode perfeitamente ser para iniciantes também. O Zé Rubem Fonseca ainda não me deu o dele, mas deverá tê-lo feito no almoço de quarta-feira, em que nos encontraremos para ele continuar a desancar meu computador novo, como já fez por telefone, mesmo sem ter visto a bendita maquininha (já estou convencido de que é uma vergonha mesmo, o Zé é muito eloqüente, notadamente quando desanca alguma coisa). O Luis Fernando Veríssimo, a quem deverei telefonar no dia 1º — se ele não estiver em Paris —, para manifestar minha inveja disfarçada em votos de feliz ano-novo, também tem, segundo me consta, uma permanente lista de resoluções de ano-novo, que ele se limita a reler e não cumpri-las outra vez.

Bem, acho que é isso. Para vocês, tanto os que me aturam quanto os que não me suportam, sinceros votos de prosperidade, saúde, sucesso e paz de espírito. Para mim mesmo, que o Criador me dê forças para terminar o livro que me encomendaram há não sei quanto tempo e até hoje não entreguei, eis que, ao contrário do que comumente se acredita, não desfruto nem de otium nem de pecúnia, sendo cruelmente obrigado a trabalhar para sobreviver. Estou pensando seriamente em entrar, na condição de irmão leigo — e bote leigo nisso — para um mosteiro. O único problema é o mesmo de Groucho Marx em relação a clubes. Será que desejarei entrar para um mosteiro que me aceite? Respostas para mim mesmo. Boas festas, boas festas.