Como disse o famoso pensador Alfred E. Neumann, o mal da nova geração é que não pertencemos mais a ela. Grande e triste verdade, que sou obrigado, mais uma vez, a reconhecer. Sempre foi assim, informam-nos almanaques e obras de divulgação. Praticamente desde que o homem aprendeu a escrever, algum mais velho anota comentários desalentados sobre a juventude. Deste jeito não dá, reclamam invariavelmente; deste jeito o mundo vai acabar, com essa dissolução de costumes, esse desapego aos valores mais básicos, essa permanente afronta ao estabelecido e sedimentado através de longa experiência. "A juventude é valiosa demais para ser desperdiçada com os jovens", resmungou Bernard Shaw e resmungamos nós, coroas despeitados.
Às vezes é difícil crer que já fomos assim. Não, nunca fomos assim, hoje em dia é muito diferente. E, por outro lado, quase não dá para acreditar que os portadores de certas cataduras assustadoras ou repelentes, que vemos na rua ou na televisão, já foram bebês, talvez rechonchudos, fofinhos e todos os adjetivos dengosos que costumamos usar em relação a bebês. Não, não, esse canalha aí nunca foi neném, já apareceu com esse aspecto, essa cara untuosa e malévola de quem está permanentemente aplicando um golpe no semelhante.
Mas fomos, já fomos nenéns e, ai de nós, já fomos adolescentes. Penso nisto enquanto procuro conter as nênias de horror que me tumultuam o peito fatigado, ao encontrar de manhã a pia da cozinha cheia de garrafas de água e cubas de gelo vazias, portas de armários abertas, tênis e camisetas jogados pelo chão e outros vestígios que a adolescência deixa em seu rastro, como bem poderão testemunhar pais de adolescentes e de ex-adolescentes. Conheço vários pais que rogam praga — aqui se faz, aqui se paga; quando doer no bolso deles, aí é que eles vão ver; deixa ele casar com uma megera, que ele vai ver o que é bom para a tosse, e assim por diante.
Não adianta nada, é claro. As pragas podem até colar, mas não têm efeito retroativo e talvez já nem estejamos neste vale de lágrimas, quando se concretizarem. Mas quiçá encontremos algum consolo e esperança, ao contribuir para o acúmulo e intercâmbio das descobertas mais relevantes, a respeito dos adolescentes. Pai de dois e, atualmente, anfitrião de mais dois, creio que posso oferecer algumas achegas, fruto de observação científica e de experiência duramente vivenciada. Mártir da ciência e do conhecimento, menciono algumas, despretensiosamente e sem ordem de importância.
A primeira é que eles são surdos. Estou convicto de que o sentido da audição só completa seu aparato com a maturidade. Antes, precisa de considerável estímulo para funcionar. É imperioso ter compreensão para com o fato inescapável de que, para que eles possam entender o que se fala na tevê, necessitam de um volume suficiente para abafar três trios elétricos. Do contrário, não entendem nada e, muito justamente, se revoltam. Como lemos nos jornais que os adolescentes revoltados esquartejam pais e avós, entram para seitas orientais que preceituam a abstenção de banhos ou erigem Átila como modelo, cabe nos resignarmos e nos refugiarmos num quarto acusticamente isolado. Penso nisso e baixo a mira do rifle que já endereçava às caixas de som do home theater de um brioso adolescente, nosso vizinho, que no momento espalha seu som por toda a zona sul do Rio de Janeiro.
Apagar luzes e aparelhos elétricos em geral é absolutamente estrangeiro à adolescência. Quando reclamei a meu filho de 17 anos, ele me apontou uma solução óbvia, que minha obtusidade anciã não me deixava perceber.
— A luz é só pagar — disse ele. — E, os aparelhos, é só comprar novos.
Perfeitamente, como não me havia ocorrido isso antes? Nem cheguei a abordar outro problema, tornado bastante flagrante com a presença de outros jovens aqui em casa. Trata-se da circunstância de que um não come carnes (inclusive de peixe), embora se indigne, quando chamado de vegetariano. Não é vegetariano, até porque detesta verduras e sua dieta de farofa com lingüiça, feijão e arroz é absolutamente pessoal, não se enquadra em nenhum desses códigos de velho. Outra passa a sanduíches e cata meticulosamente qualquer prato de natureza diversa, enquanto se queixa da algozaria do destino que a submete a um regime inaceitável para qualquer pessoa normal — y compris coisas borrachudas, coisas meladas, coisas dessa cor, coisas daqueloutra, coisas secas, coisas branquelas e muitas outras coisas por nós imemorizáveis. Outra só come o que, a cada dia, lhe ditam entidades para nós misteriosas, cuja única coerência é rejeitar tudo o que na semana passada era uma delícia.
Isso nos preocupava, porque tornava impossível organizar uma mesa de almoço ou jantar. Éramos obrigados a conceber e preparar um menu para cada um, com os naturais transtornos acarretados para a administração do lar e a economia doméstica. Meu filho, entretanto, me abriu horizontes. Da mesma forma que deixar tudo ligado e comprar novo aparelho de som para substituir aquele em que derramaram sorvete é a solução, contratar um bufê para cada um é o caminho mais indicado.
Faz-se apenas uma pequena despesa, que não é nada diante dos ganhos de tranqüilidade e paz obtidos.
E eles pagam mico. Todos eles pagam mico por nossa causa. Em meu caso pessoal, devo evitar, por exemplo, dançar. Se eu dançar em público e na presença deles, é um mico impiedoso. Isso se estende a muitas atividades que me são vedadas e das quais tenho que manter um rol atualizado. Outro dia, à saída de um restaurante, resolvi cantarolar, de mãos dadas com minha filha mais nova. Ela deu uma corridinha, se afastando de mim em grande embaraço. Inadvertidamente, eu a tinha feito pagar um mico indelével, que até agora a traumatiza e, sem dúvida, a seguirá pela vida afora.
Não, nunca fomos assim, no nosso tempo era diferente. Faço um exame de consciência, para confirmar esta impressão. Bem, e o dia em que resolvi botar ácido sulfúrico nas verrugas que me faziam pagar os piores micos, assim esburacando por contato a casa toda, de sofás a estatuetas? E o dia em que, treinando para lançador de facas, transformei a porta do meu quarto numa peneira? E como me considerava o mais infeliz dos homens, por ser forçado a tomar sopa em jantares de cerimônia? É, melhor não mexer nessas coisas. Aqui se faz, aqui se paga, pensando bem.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 17/01/1999.