Como vão vocês? Fico curioso em saber como meus compatriotas, concidadãos e conterrâneos estão se sentindo, nestes tempos — digamos — interessantes. Não me lembro quem foi o inventor da praga demoníaca que vou citar, mas ela é realmente pavorosa e, pior, alguém no-la rogou e ela colou. "May you live in interesting times", diz a praga. "Que você viva em tempos interessantes." Pior do que esta só conheço a que me ensinou um mexicano, há muitos anos e que me faz pedir todo dia a minha padroeira, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, que me mantenha a distância dela. "Entre abogados te veas", diz esta; "Que te vejas entre advogados". Em relação à segunda, a maior parte de nós ainda consegue uma certa tranqüilidade, mas a primeira nos pegou mesmo. Creio que as conseqüências são tantas quantos são os indivíduos afetados, se bem que, talvez, uma certa tipologia possa ser estabelecida. No meu caso, encontro-me na categoria daqueles cujo abestalhamento habitual se agravou. Por alguma razão neurótica, sempre achei que o governo, qualquer governo, devia saber mais das coisas do que eu e não agia como eu, agia depois de ponderar, meditar e sopesar. Errava, mas errava de boa-fé. Claro, isso era um dado irracional em mim e, talvez por isso mesmo, muito arraigado.
Agora venho sendo seguidamente abalado nesses fundamentos em que é tão perigoso mexer, com a sensação de que a terrificante verdade é que ninguém sabe de nada, está todo mundo correndo de um lado para o outro.
É a sensação exata, pelo menos para mim (e não estou falando como porta-voz de coisa nenhuma, formador de opinião ou qualquer outra designação pomposa que não quer dizer nada; estou falando como o vizinho, o companheiro de boteco ou de barbearia, um como outro qualquer) é de atarantamento. Se o governo não sabe nada, se se conduz como se estivesse levando sustos o tempo todo e reagindo atabalhoadamente, quem é que sabe? Onde estamos, para onde vamos, que diabo está acontecendo?
É difícil, talvez, acreditar que não estou querendo propriamente fazer oposição sistemática, nem dar vazão a malquerenças. Eu sei que não estou; não basta, mas é um consolo. Que diabo, por que o homem ainda não veio falar com o povo? Por que não expõe a situação, não é franco, não diz uma palavra inspiradora, não conclama o País ao bom combate, não abre o peito? Talvez lhe desagradem os traços de nosso povo que ainda se mantêm paternalistas e clientelistas, ainda esperam d. Sebastião. Ele deve se sentir constrangido, meio Alvarenga e Ranchinho. Mas que é que se vai fazer? Somos mesmo um povo deseducado e atrasado. E ele é líder deste povo e não dos suecos ou ingleses, situações em que, tenho certeza, se daria esplendidamente bem. Não é com ele, não merecemos uma palavra que não a dos desmentidos, quem ainda o apóia fica sem munição, quem não o apóia suspeita o que bem entender, tem gente aí no leme ou não?
No Tio Sam, reputado boteco leblonino, especulou-se que ele é vaidoso e agora não quer dar o braço a torcer, vindo a público reconhecer erros e ainda ter ímpeto para conclamar apoio. Não sei se é isso, nem sei se ele é realmente vaidoso, não sei o que se passa no coração dele. Mas burro sabemos que ele não é. Estará, portanto, sendo vítima de algum tipo de insensibilidade, um embotamento, um possível traço de personalidade que o impede de agir como a situação claramente pede.
Fugir do povo e dos problemas ele não pode. Pode, sim, confiar no povo e, como eu disse, abrir o peito com ele, liderá-lo mesmo, enfim. Ainda existe muita reserva de espírito de luta entre nós. E espírito público, sim, por quê não?
Outras circunstâncias contribuem para a zonzeira. Estive pensando, por exemplo, no caso das privatizações. Pedido sincero: corrijam-me, se estou errado, espero estar. Li, e muitos de vocês também devem ter lido, que, depois da maxidesvalorização do real (ou maxivalorização do dólar, faz uma importantíssima diferença) donos de empresas privatizadas vão antecipar os pagamentos ainda a dever. Ou seja, as empresas privatizadas ficaram bem mais baratas agora. Por quê? Porque foram vendidas em reais. Agora, me digam honestamente, lembrem aí, vocês não tinham a nítida impressão de que essas empresas foram vendidas em dólar? Pode ser que nunca tenham dito à gente isso com todas as letras, mas todo mundo entendia que os pagamentos seriam em dólar. Não eram, pelo visto. Eis-nos garfados, mais uma vez.
Desmintam-me, por favor, isso não pode estar correto.
Os dois últimos anos do primeiro mandato dele foram dedicados a assegurar o segundo mandato. Foram ou não foram? Foram, sim. O começo do primeiro chegou a parecer esfaimado pelas reformas e pela ânsia de mudar o País. Todo mundo se recorda, eram as reformas para lá, as reformas para cá. Subitamente, as reformas foram negligenciadas e, com o real atamancado (sabiam eles que precariamente, julgávamos nós que firmemente, diziam eles que perenemente), cuidou-se de todo o fisiologismo necessário para assegurar a reeleição, ganhou-se a dita esplendorosamente. Aí o real despencou e tudo de repente parece tingido de cinza. Que realmente se conquistou, que passos demos? Talvez tenhamos dado alguns, ou muitos, que não percebemos. Então nos contem, nos contem!
Bem, nem tudo, afinal, é perplexidade ou desesperança. A nossa cabeça econômica já é americana há muito tempo, toda formada lá. Estive, bem ou mal, raciocinando e vou aderir à crescente tendência de opinião que nos manda pedir de vez a integração completa aos Estados Unidos. O homem de Soros já está aí no Banco Central, para entrar na harmonia dos irmãos culturais que o cercarão. A língua já é a mesma, a música, os filmes e assim por diante. Enfim, já somos mandados mesmo, soberania é uma noção arcaica, então pelo menos vamos ser mandados decentemente, dispensando intermediários. Cumpramos o sonho que nos acalenta de berço e sejamos americanos. Estou falando sério, basta manter o espírito aberto. O único problema é eles aceitarem, mas talvez a gente consiga dar um jeitinho.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 07/02/1999.