Ecos de Momo

(João Ubaldo Ribeiro)

Sim, imagino que o País vai começar a trabalhar amanhã. Não, pensando bem, ainda temos a Semana Santa. Mas não demora muito e todos deverão voltar ao batente. Todos os que ainda têm emprego, bem entendido, o que significa que muita gente vai ficar no bem-bom, enquanto os outros dão duro. Um amigo meu mesmo, mais ou menos do meu tope, com mais de 50, já está se preparando para não fazer nada durante um bom tempo, este país é abençoado. Depois de décadas na mesma empresa, anunciaram-lhe que seria chutado dentro de um mês ou dois. Repentinamente, eis que ele está de folga, podendo ir à praia à vontade e fazer o que lhe der na telha, sem compromisso nem patrão. Evidente que logo haverá alguns problemas para sustentar a família, mas também não se pode querer tudo neste mundo e com esse tipo de má vontade é que não se vai para a frente. E não duvido nada que nosso sempre atento governo crie o Disque-Economista, que nos explicará 24 horas por dia (4,98 por minuto de ligação, tem que ser um pouco mais caro do que um pornofone comum e o governo precisa de cada centavo que puder tirar da gente, o governo é muito importante, muitas bocas dependem dele) como, por exemplo, o nosso desemprego é estrutural e, portanto, melhor do que o do nosso vizinho, que é apenas conjuntural. O nosso é muito mais moderno e devemos olhar o lado positivo das coisas.

E não é hora de cuidar dessas trivialidades. Como passaram vocês o carnaval? Quis a Natureza madrasta que eu, como já devo ter contado aqui mil vezes — sou um chato assumido —, jamais tivesse conseguido gostar de carnaval. Ia aos bailes, no tempo dos bailes e do lança-perfume, ficava melancólico e, pior ainda, não arrumava nada. Uma bela noite, durante um belo baile, cheirei lança-perfume, caí de um cais em Itaparica, quase me afoguei e passei o dia seguinte com a cabeça dentro de uma torquês. Baiano sendo, tentei ir às ruas diversas vezes, em Salvador. Tampouco me dei bem. Recordo apenas uma certa feita em que, depois de propor casamento (foi o que me contaram; se é mentira, é deles) a todas as moças circunstantes, acordei debaixo de chuva junto a uma senhora desconhecida (com quem, Deus é grande, não casei) e tive uma pneumonia.

Já fui ao sambódromo, mas dormi. Todo ano querem que eu vá, mas prefiro dormir em casa mesmo. Família e amigos torcem por escolas de samba, assistem aos desfiles pela TV e discutem vivamente, mas eu não, até porque, como sabem alguns, tenho trauma. Não sou do ramo e tenho trauma. Quando a injustiçada quão gloriosa Império da Tijuca me homenageou (até hoje uso o chaveiro dela, muito orgulhosamente), um dos compositores do samba-enredo morreu na véspera do desfile, um carro quebrou, a escola atrasou e foi rebaixada. Não tenho assim muita coragem de aparecer por lá, certas coisas são incontestáveis. Torço por ela, mas sem dizer nada a ninguém nem fazer prognósticos, não posso desafiar forças arcanas. E, finalmente, o carnaval leblonino se resume à nossa briosa banda, que sai pacatamente pelas ruas do bairro e só vai lá quem tem negócio.

Este ano, confesso que me interessei pela Tiazinha. Não em sentido salaz, pelo amor de Deus, pois, em relação a ela como, ai de mim, a muitíssimas outras, me encontro na situação do cachorro que persegue o carro. Se acontecer pegá-lo, não saberá o que fazer com ele. Mas me interessei, digamos, no sentido sociológico, com perdão da má palavra.

Vejo a Tiazinha de máscara e chicote, sou informado de que ela não só chicoteia como depila com cera quente voluntários ávidos. E agora foi expressamente eleita nosso símbolo sexual, alvo das nossas fantasias, nosso ideal, por assim dizer. Meu, não. Lembro meu querido finado amigo Luiz Cuiúba, assistindo comigo aos Jogos Olímpicos, lá em Itaparica.

— É isso aí que é o ideal olímpico que nêgo fala? — perguntou ele, enquanto apareciam na tela aquelas mulheres mondrongas que praticam esportes delicados, como lançamento de peso ou martelo.

— É, é — respondi, sem querer explicar muita coisa.

— Pode ser o ideal olímpico — disse ele.

— Mas o meu não é.

— Ave-Maria, uma toreba de uma mulher dessas, o sujeito chega em casa e ela diz: "Vou precisar do senhor hoje." Já pensou?

Isso mesmo. Tiazinha é uma moça bonita, tudo de bom para ela, felizes chibatadas e depiladas pela vida afora, mas eu não comungo com este que é, pelo visto, nosso sentimento generalizado. Realmente é tão óbvio que não deve ser verdade, mas, ao mesmo tempo, será que gostamos de apanhar, a nossa é essa? Fiz um esforço sincero — nada do que é humano me é estranho, essas coisas —, mas não consegui imaginar uma situação, com Tiazinha e tudo, em que eu curtisse apanhar. Nada contra quem curte; ninguém se faz, como dizia minha avó Pequena. Mas eu não apreciaria. Nem a grande maioria entre vocês, imagino. E, no entanto, não é ela o nosso símbolo coletivo agora? Tenho grande inveja dos pensadores franceses e dos psicanalistas em geral. Como eu gostaria de escrever parecido com eles, nestas horas, era Goncourt certo. Mas Deus não dá asa a cobra, ainda mais sem veneno, e simplesmente me intrigo.

Uma máscara, um chicote, cera depilatória e uma mulher seminua. Podemos ser sumarizados assim? A máscara é a bandidagem e as transações secretas, o chicote é o que nos aplicam, a cera depilatória é para prosseguirem tirando o nosso couro e a mulher nua é para continuarmos a nos achar gostosos? Conclamo os ensaístas desta nação ao desafio. Os suplementos e segundos cadernos estão abertos, ainda mais nesta época do ano, em que ninguém quer nada.

Tudo é possível. O carnaval, sai sempre em algum artigo desta época, é uma catarse. Portanto, revelador. O que sempre nos eludiu está agora diante de nossa cara, deciframos o enigma brasileiro. Nosso ideal é apanhar, ser esfolado e tirar a lasquinha que pudermos. Está direito, é uma. Agora que já temos certeza, vamos cuidar da vida sem reclamar.