Quando eu era menino (de vez em quando me olho no espelho e não acredito nisso, vai ver que foi invenção, já apareci no mundo com esta cara, não é possível que eu já tenha sido nenenzinho), Itaparica só tinha luz depois que escurecia e até as 22 horas. Geladeira, para os ricos, era a querosene e, além de tudo, ninguém gostava muito de coisas geladas, fazia mal e podia até, em casos mais graves, causar congestão.
Nunca soube direito o que é congestão e, ao que parece, caiu da moda, mas naquela época dava muito, praticamente todo dia alguém sofria uma congestão e morria, ou ficava tortinho por um bom período. De qualquer forma, congestão ou não, não tínhamos luz elétrica a maior parte do tempo.
Tínhamos o gerador a óleo da prefeitura, mas, se não nos informassem disso, talvez nunca houvéssemos sabido, porque a luz era tão fraquinha que quem queria ler à noite acendia umas velas em torno do livro, para dar um reforço. Lâmpada de cem velas (ainda se fala assim?) não adiantava coisa nenhuma, porque o gerador não reconhecia nada acima de 40 watts e se recusava a atender a solicitações excessivas. Meu avô, que nunca chegou perto de qualquer coisa elétrica (um dia, quiseram passar um barbeador elétrico na cara dele e ele ameaçou reagir à bala), sustentava que luz à noite, saindo de buracos nas paredes e tetos, não era natural, tratava-se de uma invenção diabólica, destinada a transformar-nos em morcegos, ou coisa parecida. Na alta estação, havia uns extravagantes que faziam um pagamento extra à prefeitura, quando queriam dar festas até altas horas, coisa de onze, meia-noite, essas loucuras.
Era de se pensar, por conseguinte, que eu me tornasse um tecnófobo convicto e, talvez por culpa minha mesmo, ainda levo uma certa fama de que sou. Fama injusta. Computador mesmo, fui dos primeiros a usar e, apesar dos constantes desentendimentos com ele, não o dispenso mais.
Usei um até mesmo em Itaparica, altíssima novidade e atração turística, a cujos freqüentíssimos visitantes cheguei a pensar em cobrar ingresso, para complementar os tradicionais trocados escassos que fingem remunerar o escritor (meu pai sempre quis que eu fosse tabelião e até hoje me arrependo, pai sempre tem razão, quem não ouve "sossegue" ouve "coitado"). E sempre, da mesma maneira que meu pai, fui chegado às últimas novidades, normalmente americanas, até porque produtos japoneses eram considerados, com toda a razão, porcaria absoluta, vejam como é a vida.
Mas agora estou tendo um revertério. Vem chegando o ano 2000 e me assalta uma certa sensação de que antigamente era melhor. Claro que tenho alguns motivos pessoais, como, por exemplo, os dois vírus de computador que já andaram espalhando em meu nome. É isso mesmo, dois. O primeiro eu peguei logo, mas o segundo demorou um pouco, porque eu não sabia da existência dele, só fui descobrindo porque os amigos começaram a reclamar. "Que diabo você me mandou, que está embananando meus programas todos?", perguntavam eles e eu não conseguia responder, até que um micreiro caridoso veio aqui dar umas futucadas e descobriu o miserável. Ele mandava e-mails em meu nome e, assim que a mensagem era aberta, começava seu trabalho sujo.
Escolhia uns dois amigos por dia, os quais, por sua vez, também começavam a espalhá-lo sem saber. Hoje, ainda abro o e-mail, mas me benzo antes e sugiro à Igreja que crie urgentemente um santo padroeiro para os donos de computador, porque esse tipo de assistência está ficando cada vez mais necessário. E, por outro lado, também estou achando que geladeira a querosene, gerador a óleo e máquina de escrever Underwood eram melhores. A geladeira só exigia querosene, não dava curtos-circuitos e não alegava, gabola e falaciosamente, ser uma Brastemp. O gerador passava a funcionar assim que lhe rodavam a manivela (assim como os automóveis; todo carro tinha uma manivela, para o caso de o motor de partida não funcionar, era infalível). E a máquina Underwood agüentava surras homéricas nas redações de jornais (e cartórios e cartórios! Ai, se arrependimento matasse), sem reclamar e muito menos passar vírus para os amigos.
Agora, o que temos? Volto eu do médico (minha atividade principal, suspeito que pelo resto da vida, agora é ir ao médico) aí pelas cinco horas da tarde, entro no elevador do meu prédio, falta luz e eu, que nunca fui chegado a sauna, devo ter perdido uns oito quilos, nos 40 minutos em que passei preso. O elevador, moderníssimo, não tinha manivela, deve ser transistorizado e japonês, o desgraçado. O computador escreve, mas sempre com aquele ar sinistro de que vai aprontar alguma coisa semelhante ao que HAL, o computador de 2001 — Uma Odisséia no Espaço, fez com o pessoal do finado Stanley Kubrick, que não viveu para pegar o ano de 2001, HAL não perdoou.
E a geladeira, apesar de ser Brastemp, nunca foi nenhuma Brastemp. E as facilidades supostamente conquistadas não são facilidades coisa nenhuma, como, por exemplo, o tal home banking (não digo o nome dele porque tenho medo de bancos e nunca se sabe se eles estão criando uma taxa de queixa — se queixou, paga e, se reincidir, o mister lá do Banco Central nos cassa a conta ou a Receita Federal nos manda para a Sibéria, tudo pode acontecer).
Cansei de ficar consultando o banco pelo telefone — disque três para falar com vovó, quatro para ir tomar banho, cinco para ir se catar, seis... Aí, baixei (downloadei, em bom português) o programa do banco que me cobra para poder me cobrar mais e nunca, absolutamente nunca, consegui fazer nada por meio dele, nem mesmo falar com vovó. E ainda recebo ameaças, comunicando-me que estou me dedicando a práticas ilegais. Fiquei com saudades do telefone, se bem que também, pensando melhor, prefira os telefones de manivela, como ainda peguei na boa e velha Aracaju dos anos 40 (o nosso, se não me trai a vã memória, era 618).
Enfim, progredimos? Pode ser, mas as dúvidas cá me crescem. Alguém aí conhece uma boa cidadezinha com telefone de manivela, gerador a óleo e máquinas Underwood? Cartas pelo correio, por favor, nada de e-mail, porque um dia destes tenho um enfarte eletrônico. Para alguns tarados, ter um vírus de computador em seu nome pode ser o barato dos baratos, mas para mim não. Estou pensando seriamente em conversar com o Paulo Coelho, para ver se ele dá um jeito de transportar-me para o século 14, antes da descoberta do Brasil. Claro, tinha o problemazinho da peste negra, mas, comadres e compadres, acho que levo veneno de rato e inseticida de pulga e vou vivendo. Até mesmo sem geladeira, não quero morrer de congestão. Tem luz aí agora? Computador a querosene, não?
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 04/04/1999.