Acho que, para habitantes de cidades como o Rio e São Paulo, o título das mal traçadas de hoje já é óbvio faz muito tempo, por uma questão de sobrevivência. Há graus variáveis de paranóia e, evidentemente, os extremos não são recomendáveis. Não acredito que seria agradável (nem tão seguro assim, pensando bem), pelo menos para quem não seja o primo arredio de João Gilberto, viver dentro de uma caixa-forte, cercado de seguranças e sem jamais pôr os pés na rua. Mas uma paranoiazinha, bem temperada ao gosto e à conveniência de cada um, faz muito bem, não só aos moradores das grandes cidades, como aos brasileiros em geral. Até hoje, encaro com solidária simpatia os coroas que se recusaram a ser vacinados contra gripe, por temerem morrer, vítimas de algum erro de laboratório ou de algum bem-intencionadíssimo esforço governamental para aliviar a carga previdenciária. (Na mesma época, gente estava sendo assassinada por funcionários de hospitais públicos e até hoje não se sabe, nem no futuro se saberá, a extensão a que essa atividade de cacotanásia comercial chegou a assumir.) Mas o terreno da paranóia preventiva não se limita, nem de longe, à segurança ou à sobrevivência físicas. Estende-se muito além, agora que a informática chegou para ficar e se enraizar cada vez mais. Não estou falando a respeito de usuários de computadores e freqüentadores da Internet. Quando a maior parte das pessoas lê ou ouve falar de problemas relacionados com informática tende a achar, suspeito eu, que se trata de questão do interesse exclusivo dos malucos e meio malucos que convivem diariamente com computadores. É um vastíssimo engano, que está custando dinheiro a muita gente e vai custar mais, antes que se consiga dar jeito nas coisas.
Os sistemas informáticos estão ligados à vida de todo mundo, em maior ou menor grau. Ninguém escapa, nem mesmo o capiau que nunca viu uma cidade, não tem documentos e não sabe ler. Os urbanos, então, nem se fala. Há os cartões de banco, os de crédito, os de compras, os de planos de saúde, os de estacionamento e de tudo quanto é coisa, além dos arquivos de uma miríade de entidades públicas e privadas que, se compilados, poderiam informar sobre a vida de um sujeito até melhor do que ele. Todos os cidadãos estão presos, mesmo que não tenham consciência alguma disso, a sistemas informáticos e não adianta não querer ligar. Quem não ligar, vai se dar mal, mais cedo ou mais tarde.
Estou lendo aqui, por exemplo, uma noticiazinha interessante, a respeito de uma pesquisa feita por uma organização chamada Módulo. Segundo essa pesquisa, 30% das empresas brasileiras foram invadidas eletronicamente este ano e 50% dessas invasões aconteceram nos últimos seis meses — ou seja, o negócio vem aumentando em galope acelerado. Nem todas as empresas calcularam os prejuízos, mas 13% tiveram perdas acima de R$ 1 milhão. E, mais ainda, estima-se que há um grande número de sistemas que já foi invadido e não sabe. E, finalmente, a maior porcentagem das invasões é feita por funcionários das próprias empresas.
Isso significa que, com muita probabilidade, alguém, neste exato instante, está ou furtando você, ou preparando um esquema para isso, ou lhe surrupiando o suado dinheirinho já há bastante tempo (meu caso, mas, no caso, meu caso não vem ao caso, estou abordando um problema generalizado). Os órgãos de defesa do consumidor e os jornalistas especializados sabem que, todos os dias, aparecem episódios de gente cujo dinheiro (às vezes as economias de uma vida inteira) desapareceu e a vítima fica sem saber o que fazer. Quem alega que fizeram um saque eletrônico fraudulento em sua conta bancária recebe invariavelmente a resposta de que isso é impossível, pois o saque só pode ser realizado com o uso simultâneo do cartão, de que ninguém tem cópia, e da senha, da qual só o dono deve saber.
Intimidados por palavras tão peremptórias e pelo terror infundido pela infalibilidade mitológica dos computadores, os prejudicados tendem a resignar-se, mesmo porque os bancos e as empresas em geral não são lá muito sensíveis às queixas ("é impossível" e muitos funcionários e executivos que usam o sistema acreditam nisso, porque também são informaticamente analfabetos e só sabem mesmo digitar o que precisam e apontar um mouse para aqui ou ali). Fico imaginando quantas velhinhas solitárias e aposentadas — não sei por que penso muito em velhinhas desamparadas nessas horas — não ficaram em dificuldades irremediadas e graves, culpando-se a si mesmas ou achando que o neto podia ter pegado o cartão na carteira dela e copiado a senha da cadernetinha onde ela, com a memória cada vez mais fraca, a anotara. É, só poderia ter sido qualquer coisa assim, pois o homem do banco disse que, sem o cartão original e a senha, o saque é impossível.
Só que não é impossível coisa nenhuma, tanto assim que vem acontecendo o tempo todo (outro dia, não pegaram, no Rio mesmo, um camarada com acho que 17 cartões falsos, numa agência da Caixa Econômica?). Pelo contrário, é possibilíssimo e, para quem entende do assunto e dispõe dos contatos necessários, até bastante fácil. Qualquer máquina que leia a tarja magnética de um cartão pode ser adaptada para transmiti-la, gravá-la e copiá-la. E existem "escaneadores" pequenos e baratos que podem copiar os dados das tarjas magnéticas. Ou seja, sempre que vocês usam um cartão magnético, estão correndo algum risco.
Tudo bem, corre-se risco em muitos outros atos corriqueiros, mas, nessa área, eles são mais do que excessivos, entre nós, porque pouca gente, de fato, está preocupada com o rigor da segurança. Com o cartão copiado e a cumplicidade competente de um funcionário ou quadrilha interna, os saques fraudulentos não só são possibilíssimos, como, no meu parecer, constituem um dos campos mais promissores para a pujante e criativa criminalidade nacional.
Pronto, cumpri minha missão, estraguei o domingo de vocês. Mas não consintam, não; deixem para checar o extrato bancário, o demonstrativo do cartão de crédito, a poupança e a conta do telefone amanhã.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 01/08/1999.