O B. Piropo, de cuja coluna no Caderno de Informática de O Globo sou atento e admirado leitor, até mesmo, o que sucede com alguma freqüência, quando não entendo nada — não por culpa dele, que escreve muito bem, mas em razão de minha sólida burrice e não menos granítica ignorância —, já fez uma série de artigos com o título acima, se não me falham os rateantes neurônios. Eram, se não me traem de novo esses canalhas sem grife que habitam meu cérebro, a respeito de programas obscuros e ignorados, existentes no sistema Windows 95. (Até consegui entender um desses artigos e hoje uso um programinha ótimo descrito por ele, sobre o qual menti ao Aílton, um dos meus muitos mentores micreiros, dizendo: "Foi o B. Piropo que me falou" — e não falou nada, claro, nunca nos vimos pessoalmente e muito menos nos falamos, mas ninguém é perfeito e atire a primeira pedra quem nunca contou uma mentirinha gabola.) Em linha semelhante, às vezes me vem o impulso altruísta de partilhar com o próximo prazeres aparentemente simples, cuja existência podemos ignorar a vida inteira, cometendo grave desperdício. Por exemplo, sei que já contei aqui que assisto a máquinas de lavar roupa, mas não creio haver sido suficientemente enfático quanto ao potencial de entretenimento e enriquecimento sensorial contido nessa esplêndida atividade. Descobri-a quando morei na Alemanha e nossa máquina de lavar roupa, dona Frida, era dessas de janela redonda na frente, nossa primeira máquina desse tipo.
D. Frida me conquistou. A primeira vez nunca se esquece e lembro que esta ocorreu quando dei com ela começando a agitar as roupas das crianças. Ia passando, ouvi um marulho delicado, era ela rolando o seu cilindro oco, num pausado mas firme caleidoscópio de todos os matizes e formas. Um perfeito Miró de repente se transfigura em Manabu Mabe e, num giro subitamente mais rápido, é como se víssemos um mar de espuma e seres incomuns e vistosos, cenas de um Guerra nas Estrelas caótico.
Impossível não dar valor àquele espetáculo. Passei grande parte da manhã assistindo ao trabalho de dona Frida até o enxaguamento, embora não, claro, a centrifugação. A centrifugação já não tem graça nenhuma, é como aqueles créditos do fim do filme, a que todo mundo dá as costas, em direção à saída. E não somente os aspectos visuais recomendam esse passatempo, conquanto eles sejam mais complexos e especializados do que o leigo pode julgar. Nós, espectadores de máquinas de lavar (depois que fiz menção a esse meu hobby, descobri que tenho muitos companheiros, somos muito mais numerosos do que de início se pode imaginar), sabemos, por exemplo, que há aqueles que apreciam assistir à lavagem de lençóis brancos, pois já refinaram a sensibilidade o suficiente para entrever nuances preciosas de tonalidade e relevo, nas formas cada vez mais alvas que se revolvem lá dentro. Mas, à parte o visual, a trilha sonora não pode ser desprezada. A hora do bombeamento da água, a espera da finalização do ciclo, a renovação da água, a sutilíssima diferença de som entre a água com espuma e a sem espuma, o sotaque especial da máquina. É um universo, experimentem. Satisfação garantida, melhor do que ficar lendo bobagens no jornal, como vocês estão fazendo agora.
Outro espetáculo pouquíssimo valorizado é o dos downloads feitos na Internet, principalmente de arquivos ou programas grandes. Quem não tem computador pode perfeitamente arrumar um amigo que tenha e experimentar, é emoção garantida. Fazer o download de um programa significa "retirá-lo" da rede e instalá-lo em seu computador. Isso é geralmente realizado através de linhas telefônicas. O sujeito começa o download, aparece uma janelinha em que de um lado está uma pasta cheia de "papeizinhos" e, do lado oposto, outra pasta, que recebe os papeizinhos. Ah, não dá para descrever, só quem vivenciou é que pode saber. Há indicadores de quantos kilobytes já passaram, quantos faltam, estimativas falsas (ou verdadeiras, nunca se sabe, dá para apostar) de quanto tempo resta, qual a velocidade de transferência e por aí vai, numa riqueza estonteante de estímulos ao apreciador, é dez a zero em beisebol, para citar somente um outro esporte. Ainda mais que, a qualquer momento, quase sempre já perto do finzinho, a linha cai e o aficionado tem de começar tudo de novo, da estaca zero. Há programas que evitam essa volta, mas nem todos os downloads o aceitam e tem quem diga que macho mesmo não se vale dessas frescuras, enfrenta a possibilidade de a linha cair com o mesmo destemor com que um lobo-do-mar encara as procelas. O internauta brasileiro é um privilegiado, sob esse aspecto. Eu mesmo já me senti quase no jóquei, vendo a velocidade subir dramaticamente de vergonhosos 98 bytes por segundo para 10 kilobytes, uma recuperação dramática, com a regüinha acelerando igual a uma Ferrari e ficando perto da linha de chegada, mais perto, cada vez mais perto e — plã! — a linha cai, haja coração.
Não é esporte para espíritos delicados. Também aconselho a assistir à desfragmentação do disco rígido no Windows. No caso de um disco enorme como o meu (16 gygas, só queria que vocês, nanicos, soubessem), leva um tempo longuíssimo, mais ou menos o de um jogo de futebol mesmo. É uma maravilha, que certamente atrairá fãs de quebra-cabeças e cruzadistas, ver o computador arrumando fileirinhas de dados, em lances por vezes radicais e espetaculares. E, novamente, não dá para descrever, só assistindo. Recomendo-o também, embora seja mais fã do download, cujo elemento de suspense e torcida é insubstituível. Gostaria de ter mais tempo e espaço para continuar, mas já estou me excedendo. E sei que alguns devem estar achando que, contando isto, meu fito é curtir com a cara de vocês, mas juro que não. Faço isso mesmo, assisto à máquina de lavar, download e desfragmentação. Eu sou normal.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 22/08/1999.