Previsões para 2000

(João Ubaldo Ribeiro)

Hoje é ainda 26 (ou são 26, como me corrigem sempre os balconistas, quando quero assinar um cheque e pergunto a data) e, portanto, ainda faltam cinco dias para o mundo acabar. Apesar de todos os argumentos válidos em contrário, a verdade é que a maior parte das pessoas, inclusive eu, meteu na cabeça que o milênio novo começa agora e um bom milênio não pode começar sem que o mundo dê pelo menos uma acabadinha. Devo admitir que ando um pouco nervoso. De vez em quando, saio aqui para o terraço e confiro o Redentor, no topo do Corcovado. Alivio novamente meus receios. Situo-me, reasseguro-me mais uma vez, do lado direito d'Ele, embora atrás. Ou seja, na hora da chamada do Juízo Final, estarei no fim da fila para a entrada no Paraíso, mas com lugar garantido — a não ser que baixem uma Medida Provisória revogando a Bíblia, mas aí eu impetro um mandado de segurança e entro na base da liminar.

Devo confessar que, no momento, sinto uma certa inveja de judeus, muçulmanos, budistas e outros, que não têm esse problema. Lembro um filme de Vittorio de Sica, que assisti quando era rapazinho, intitulado O Juízo Universal, em que a chamada, por ordem alfabética, se iniciava com um beduíno cujo nome era Aaahad Ahmad, ou qualquer coisa assim.

— Mas eu? — respondeu ele à voz tonitruante que prorrompia dos céus. — Eu sou maometano!

— Oh, desculpe — respondia Deus.

Eu podia ter pensado nisso antes, mas agora é tarde, sou pelo menos nominalmente cristão e me vejo obrigado a confiar em que o lado direito do Redentor vale como ingresso e não vão mudar as regras na última hora, eis que não se trata de campeonato de futebol ou legislação tributária. E ainda, quem sabe, talvez possa contratar um bom despachante e conseguir um cartão de recomendação do governador Garotinho, que, como é do conhecimento geral, tem vasto prestígio lá em cima e seria líder da futura teocracia brasileira, se o mundo não fosse acabar.

Existe também a esperança, embora a meu ver minoritária, de que não acabe nada, como não acabou em 1000. Mas em 1000 o calendário era diferente, a terra era chata e no centro do Universo, as comunicações e meios de transporte eram precários, ninguém sabia direito se era 1000 mesmo e a impossibilidade de uma coordenação eficaz deve haver impedido o trabalho dos anjos encarregados da tarefa. Hoje não, hoje está tudo informatizado e, se o bug do milênio não atrapalhar, o fim se dará com eficiência e, espero eu, rapidez, porque fim de mundo demorado deve ser um saco, para não falar nos projetos de anistia que o pessoal destinado ao Inferno vai procurar aprovar na marra.

Na realidade, o próprio bug do milênio tem condições de ser o instrumento para a consecução do fim do mundo, porque os computadores da gente poderão pifar, mas os divinos não. É mais do que óbvio, para quem quer que utilize computadores, que o sistema de informática celeste não usa Windows. (Não acredito, por falar nisso, que Bill Gates esteja na lista dos eleitos para o céu; se está, por uma questão de justiça, eu mereço um título de arcanjo honorário, ou pelo menos o posto de oficial-de-gabinete de São Lourenço, padroeiro de Itaparica). Por conseguinte, não vai travar na hora H, ou anunciar que o programa do Apocalipse cometeu uma operação ilegal e será fechado sem maiores explicações. Acho, aliás, que a Comissão Celestial para Assuntos de Fim de Mundo ainda usa o bom e velho DOS, como qualquer pessoa sensata faria, se lhe dessem a opção. A linhazinha de comando, simples e direta (C:delete mundo), já deve estar a postos, para quando a foguetaria começar em Copacabana.

Não se pode descontar, contudo, por mais que isso desgoste muita gente, a hipótese de que a acabada seja parcial, ou não aconteça absolutamente. Não conheço o assunto em profundidade, mas, pelo menos no caso do fim do mundo do Brasil, a ação dos lobbies celestiais deve ser levada em conta. O Brasil, que não tem nenhum santo para nos representar, pode ser prejudicado pela ação, por exemplo, dos santos europeus e americanos, que talvez se sensibilizem ante os apelos do FMI e dos banqueiros internacionais (banqueiro, por mais que seja difícil acreditar nisso, também é filho de Deus) para que não acabemos antes de liquidarmos nossa dívida externa, o que pode levar coisa de mais uns oito ou dez milênios, a depender do spread, da reforma tributária e das flutuações do dólar.

Nesse caso, as previsões para 2000 são fáceis de fazer. O presidente continuará a viajar e a lamentar que o governo não funciona. A pizzaria do Congresso continuará a lançar novos sabores, com a habitual criatividade. Dr. Antônio Carlos vai continuar a mandar em tudo e a negar que manda. Morrerá um grande estadista. Um célebre artista de cinema ou tevê perecerá em grave acidente. Promover-se-ão diversos recadastramentos e aumentar-se-ão todos os impostos. Ocorrerão enchentes no Paquistão e terremotos no Japão. Inúmeros casamentos famosos serão desfeitos. O Avança-Brasil avançará, apesar de não se saber para onde. O tráfego de São Paulo entalará de vez e o problema da moradia popular será minorado, com a população passando a residir nos próprios carros. Caymmi, que agora faz hidroginástica, entrará para o Guinness como o homem que passou mais tempo dentro de uma rede numa piscina. Eu continuarei a escrever besteiras aqui mesmo. E todo mundo, ao se encontrar pela primeira vez em janeiro, dirá "mas não vejo você desde o século passado!" Enfim, vai ser um ano excitante, mal posso esperar. Feliz réveillon (ou fim do mundo) para vocês todos.