Juro a vocês que não é falsa modéstia, mas não compreendo por que querem tanto me entrevistar. Nunca tive muita coisa a dizer que não houvesse posto em livros ou jornais e agora estou absolutamente seguro de que já disse tudo. São sempre as mesmas perguntas. A moça (geralmente é uma moça e alimento a suspeita de que, no futuro, não haverá mais jornalistos, só jornalistas) senta aqui, pergunta se pode usar o gravador, eu digo que sim e ela, como todo bom repórter, procura logo desvendar um segredo guardado a sete chaves:
— Você é baiano, não é?
— Não, sou javanês — fico com vontade de responder, mas digo que sim, sou baiano.
— E mora no Rio, não é?
— Não — fico com vontade de responder. — Esta, como você sabe é minha casa, isto aqui é meu gabinete de trabalho, mas na verdade eu moro em Cochabamba.
Mas respondo que moro no Rio, sim.
— Há quanto tempo?
Respondo que há 10, 12 ou 20 anos, conforme o dia.
— E, além de escrever, você exerce alguma outra atividade?
— Exerço. Minha principal atividade, aliás, não é escrever, é dar entrevistas.
— Ha-ha, você é sempre bem-humorado assim?
— Eu não estou de bom humor.
— Ha-ha-ha, imagine se estivesse. Esta é ótima, acho que vou abrir a entrevista com ela. "Ele faz piada o tempo todo e garante que está de mau humor."
— Eu não estou fazendo piada. Eu estou de mau humor.
— Tudo bem, vou fingir que acredito. Quantos anos você tem, se incomoda em dizer?
— Me incomodo porque não tenho mais 39, mas digo. Tenho 59.
— 59? Eu pensava que era bem mais do que isso.
— Eu também penso, mas são 59 mesmo. De vez em quando eu dou uma olhada na carteira de identidade, para me certificar.
— Ha-ha-ha, ho-ho-ho! Genial, essa, você é mesmo um... um pândego.
— Eu não sou um pândego.
— Melhorou minha abertura: "Ele faz piada o tempo todo, mas diz que não é um pândego." Bem, mas vamos ao que interessa, é uma entrevista curta.
— O Senhor seja louvado.
— Ha-ha, esta foi boa também, mas vamos mesmo logo ao que interessa. Você ainda fuma?
— Não, isto aqui fumegando em minha mão é um pirulito.
— Ha-ha-ha-ha! Ho-ho-ho-ho! Um pirulito! Mas você disse que tinha deixado de fumar, não disse?
— Disse, mas voltei.
— E voltou por quê?
— Por estupidez.
— Ho-ho-ho-ho! Assim eu não vou conseguir terminar a entrevista. Um acadêmico, um imortal das letras, se dizendo estúpido!
— Sem comentários.
— Sem comentários o quê?
— Nada, é que eu sempre quis dizer isso numa entrevista, acho chique.
— Ha-ha-ha-ha-ha, você vai me matar de rir.
— Infelizmente não.
— Ho-ho-ho-ho! Ha-ha-ha-ha! Infelizmente não, não é?
— É, porque de riso você não vai morrer mesmo e não creio que conseguisse estrangulá-la com facilidade, acabava tendo um enfarte.
— Você sofre do coração, não é?
— Mais ou menos. Tenho fibrilação atrial.
— Tem o quê?
— Deixa pra lá. Não, não tenho nada no coração.
— Bem isso não estava na pauta mesmo. Você parou de beber, não parou?
— Não.
— Mas você disse que parou de beber.
— Parei de beber como bebia antes. Hoje só bebo ocasionalmente.
— Isso é um furo. Todo mundo acha que você parou de beber.
— Não sei por quê. Eu não fico escondido atrás da cortina quando bebo.
— Houve alguma vez em que você ficou atrás da cortina para beber?
— Não, só pendurado na sacada do edifício, é mais garantido.
— Ha-ha-ha-ha! Não brinque, é mesmo?
— É, é.
— Alguma palavra para os alcoólatras do Brasil?
— Nem para os alcoólatras nem para ninguém.
— Mas nada, nada mesmo?
— Talvez "evitem uísque paraguaio".
— Ho-ho-ho-ho! Esta terminou sendo a entrevista mais engraçada que eu já fiz, por causa do seu bom humor.
— Eu não estou de bom humor.
— Ha-ha-ha-ha! Eu... Chega, não agüento mais!
— Que bom, porque eu também não.
— A entrevista ficou ótima. E bem informativa, nossos leitores vão saber tudo o que têm de curiosidade sobre você.
— Tenho certeza. Me procure no próximo mês, que vou ter ainda mais novidades. Sem minhas opiniões, este país está perdido.
— Ha-ha-ha-ha! Ho-ho-ho-ho!
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 29/10/2000.