A entrevista

(João Ubaldo Ribeiro)

Juro a vocês que não é falsa modéstia, mas não compreendo por que querem tanto me entrevistar. Nunca tive muita coisa a dizer que não houvesse posto em livros ou jornais e agora estou absolutamente seguro de que já disse tudo. São sempre as mesmas perguntas. A moça (geralmente é uma moça e alimento a suspeita de que, no futuro, não haverá mais jornalistos, só jornalistas) senta aqui, pergunta se pode usar o gravador, eu digo que sim e ela, como todo bom repórter, procura logo desvendar um segredo guardado a sete chaves:

— Você é baiano, não é?

— Não, sou javanês — fico com vontade de responder, mas digo que sim, sou baiano.

— E mora no Rio, não é?

— Não — fico com vontade de responder. — Esta, como você sabe é minha casa, isto aqui é meu gabinete de trabalho, mas na verdade eu moro em Cochabamba.

Mas respondo que moro no Rio, sim.

— Há quanto tempo?

Respondo que há 10, 12 ou 20 anos, conforme o dia.

— E, além de escrever, você exerce alguma outra atividade?

— Exerço. Minha principal atividade, aliás, não é escrever, é dar entrevistas.

— Ha-ha, você é sempre bem-humorado assim?

— Eu não estou de bom humor.

— Ha-ha-ha, imagine se estivesse. Esta é ótima, acho que vou abrir a entrevista com ela. "Ele faz piada o tempo todo e garante que está de mau humor."

— Eu não estou fazendo piada. Eu estou de mau humor.

— Tudo bem, vou fingir que acredito. Quantos anos você tem, se incomoda em dizer?

— Me incomodo porque não tenho mais 39, mas digo. Tenho 59.

— 59? Eu pensava que era bem mais do que isso.

— Eu também penso, mas são 59 mesmo. De vez em quando eu dou uma olhada na carteira de identidade, para me certificar.

— Ha-ha-ha, ho-ho-ho! Genial, essa, você é mesmo um... um pândego.

— Eu não sou um pândego.

— Melhorou minha abertura: "Ele faz piada o tempo todo, mas diz que não é um pândego." Bem, mas vamos ao que interessa, é uma entrevista curta.

— O Senhor seja louvado.

— Ha-ha, esta foi boa também, mas vamos mesmo logo ao que interessa. Você ainda fuma?

— Não, isto aqui fumegando em minha mão é um pirulito.

— Ha-ha-ha-ha! Ho-ho-ho-ho! Um pirulito! Mas você disse que tinha deixado de fumar, não disse?

— Disse, mas voltei.

— E voltou por quê?

— Por estupidez.

— Ho-ho-ho-ho! Assim eu não vou conseguir terminar a entrevista. Um acadêmico, um imortal das letras, se dizendo estúpido!

— Sem comentários.

— Sem comentários o quê?

— Nada, é que eu sempre quis dizer isso numa entrevista, acho chique.

— Ha-ha-ha-ha-ha, você vai me matar de rir.

— Infelizmente não.

— Ho-ho-ho-ho! Ha-ha-ha-ha! Infelizmente não, não é?

— É, porque de riso você não vai morrer mesmo e não creio que conseguisse estrangulá-la com facilidade, acabava tendo um enfarte.

— Você sofre do coração, não é?

— Mais ou menos. Tenho fibrilação atrial.

— Tem o quê?

— Deixa pra lá. Não, não tenho nada no coração.

— Bem isso não estava na pauta mesmo. Você parou de beber, não parou?

— Não.

— Mas você disse que parou de beber.

— Parei de beber como bebia antes. Hoje só bebo ocasionalmente.

— Isso é um furo. Todo mundo acha que você parou de beber.

— Não sei por quê. Eu não fico escondido atrás da cortina quando bebo.

— Houve alguma vez em que você ficou atrás da cortina para beber?

— Não, só pendurado na sacada do edifício, é mais garantido.

— Ha-ha-ha-ha! Não brinque, é mesmo?

— É, é.

— Alguma palavra para os alcoólatras do Brasil?

— Nem para os alcoólatras nem para ninguém.

— Mas nada, nada mesmo?

— Talvez "evitem uísque paraguaio".

— Ho-ho-ho-ho! Esta terminou sendo a entrevista mais engraçada que eu já fiz, por causa do seu bom humor.

— Eu não estou de bom humor.

— Ha-ha-ha-ha! Eu... Chega, não agüento mais!

— Que bom, porque eu também não.

— A entrevista ficou ótima. E bem informativa, nossos leitores vão saber tudo o que têm de curiosidade sobre você.

— Tenho certeza. Me procure no próximo mês, que vou ter ainda mais novidades. Sem minhas opiniões, este país está perdido.

— Ha-ha-ha-ha! Ho-ho-ho-ho!