A dedada num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Cara, tu já viu a situação do País, tu tem pensado?

— Tenho, tenho. Mas...

— Não tem nada de "mas" nessa história. É tudo uma esculhambação.

— É, mas...

— Não tem nada de "mas", pára com esse negócio de querer botar panos quentes, é por causa desse tipo de mentalidade que o Brasil nunca vai para a frente. Se todo mundo tivesse vergonha na cara, nós não tínhamos chegado a este ponto!

— Não é isso, é que eu...

— Sem essa! Até Portugal, que é um país pequenininho e que neguinho aqui vive gozando, está dando o exemplo. O que foi que já aconteceu com esse negócio da plataforma da Petrobrás, a não ser a morte dos 11 trabalhadores?

— Bem, nada. Mas as investigações ainda estão sendo feitas.

— E vão acabar demitindo um boy que entregou atrasado um memorando sobre a primeira explosão. O que foi que aconteceu em Portugal? Tu viu na televisão.

Bem verdade que lá morreu mais gente, mas vida não é mercadoria, para a gente dar preço e fazer comparação, vida é vida e o acidente com a plataforma resultou num prejuízo e numa desmoralização enorme. O que foi que aconteceu em Portugal?

— Caiu uma ponte, quando um ônibus estava passando por ela, não foi?

— Não, você então só viu o acidente. Eu quero saber o que aconteceu depois.

— Não me lembro bem, eu...

— O ministro da Infra-Estrutura, com a cara passada de vergonha, foi à TV e anunciou que estava renunciando ao cargo, teve dignidade, fez um haraquiri político! E aqui, você viu alguém pensar em renunciar ou se demitir?

— É verdade. Mas eu...

— Pare com esse "mas", tu tá querendo negar que é uma esculhambação? E quer que eu acredite que a investigação, como sempre, não vai dar em nada? Até porque fizeram o serviço tão bem-feito que a plataforma afundou mais de um quilômetro e não há como fazer perícia decente?

— Não, é que eu queria...

— Queria! É isso mesmo! Todos nós queríamos! Dá para entender um país onde todo mundo sabe que o dinheiro público é roubado e se faz todo tipo de safadagem e o presidente fica bloqueando uma comissão de inquérito? Ele tinha mais era que exigir a CPI, isso não cheira bem!

— Você está certo, mas eu queria...

— Queriiia! Queriiiia!

— Deixa eu falar, pô! Depois a gente discute esses assuntos, eu queria te fazer uma consulta particular, levando em conta nossa amizade, eu estou com um grande problema pessoal.

— Ah, bom, desculpe. É que minha cabeça começa a esquentar logo depois que eu acabo de ler o jornal. Desculpe, eu não sabia que você estava com um problema sério. Não é problema de saúde, é?

— De certa forma, é. Quer dizer, eu não estou sentindo nada, mas levei um esbregue de meu médico e de minha mulher e estou num dilema horroroso. Me diz uma coisa, tu já fez o exame da dedada? Eu quero uma resposta honesta, eu sei que você vai me dar uma resposta honesta. Já fez?

— Já. Não espalhe, mas agora eu faço duas vezes por ano.

— Duas vezes por ano?

— É, depois dos sessentinha o médico diz que tem de ser de seis em seis meses. Mas só duas vezes por ano não dá para acostumar, ha-ha.

— Não brinca, eu tou meio apavorado. Mas tu faz duas vezes por ano e não sente nada?

— Bem, não dói, é só a sensação de humilhação, mas passa logo. E eu mudei de urologista. Não que o que me indicaram fosse ruim, tem até muito boa reputação, mas é um homem enorme, com o dedo da grossura de um salame, não dava pra encarar sem tomar pelo menos umas duas antes e tinha de ser muito macho. Aí eu mudei. Meu urologista atual, eu posso até lhe dar os dados dele, é baixinho e tem uns dedinhos finos, já melhora muito. Olha aqui, não é das melhores experiências que você vai ter na vida, mas tem que fazer. As mulheres têm razão. Elas passam todo ano pelos exames mais horrorosos, enfiam uma porção de coisas nelas, achatam os peitos para fazer mamografia e a gente acha tudo normal. Mas, quando é o nosso...

— Foi isso mesmo que minha mulher me disse. É, eu acho que vou querer esses dados de seu médico. Dedinho fino, você falou?

— Fininho e jeitoso, ele é jeitoso. É como eu disse, só fica a sensação de humilhação, mas passa rapidinho. E você pode tomar o calmante antes, umas duas doses de uísque, pode se preparar psicologicamente, mas vai por mim, não deixa de fazer, que é burrice.

— É, você tem razão, eu vou fazer. Me dê os dados desse seu urologista.

— Eu não tenho aqui, mas te mando por e-mail, tá tudo arquivado lá em casa.

Problema resolvido, né não?

— É... Não tem jeito mesmo, eu vou fazer.

— Pronto, problema resolvido, agora vamos voltar ao que eu estava falando. E Furnas? Você sabe que a Furnas vai ser rifada também, não sabe?

— É, tudo indica.

— E você ainda fica com medo da dedada? E a dedada que os brasileiros todos vêm tomando esses anos todos? Aliás, dedada não, dedada não! Não é nem dedada, é muito pior, sacou? Sacou a sutileza? Não é dedada! É à vera!