Hoje, gentil leitor, encantadora leitora, diz aqui o almanaque, é o Dia Nacional da Saúde. É bom que criem dias como este, que têm o efeito de nos lembrar de assuntos que talvez hajamos negligenciado o resto do tempo. Amanhã, sem falta, deixaremos de fumar e passaremos a comer exclusivamente capim selvagem, que, pelo visto, é a única dieta que os médicos não condenam, por uma razão ou por outra. E a única talvez compatível com o orçamento da maioria. Capim crescido nos matos não tem agrotóxico, como aparentemente tudo mais que é plantado atualmente, deve ser baixíssimo em colesterol, é rico em fibras e, se engorda boi, por que não engordará gente? E ainda é grátis — situação que deverá permanecer algum tempo, até o governo descobrir que estamos comendo capim e criar a Contribuição Provisória (Permanente, digo) sobre Ingestão de Capim.
Não devemos seguir o desgracioso exemplo de moradores do Irajá, no Rio de Janeiro, que, depois da destruição de um pavilhão da Ceasa por um incêndio, juntaram-se aos magotes sobre as ruínas, para, qual abutres, catar comida condenada, debaixo do lamaçal formado pelos escombros. Tudo, com certeza, noticiado pelas agências de notícias, prejudicando mais uma vez a imagem do Brasil no exterior. É por essas e outras que o Brasil não vai para a frente. Por que não vão para casa, comer os seus brioches, como faria qualquer povo decente, e insistem em projetar esse cenário de fome? Já bastam os antipatriotas, catastrofistas, neobobos, vagabundos e outros epítetos com que o Homem nos vem mimoseando há tempos, que não só fazem esse tipo de coisa, como vivem de catar lixo nos entulhos das grandes áreas metropolitanas. A não ser que tenham carteira de catador de lixo, como várias prefeituras por aí afora, preocupadas com o social e a ordem pública, distribuem criteriosamente, dando mais uma lição ao chamado Primeiro Mundo. É de esperar-se que, no futuro, o governo federal venha a regulamentar profissões como a de mendigo e catador de lixo, não só trazendo essa grande massa do mercado informal para o formal como diminuindo o escabroso rombo da Previdência.
Sim, vamos pensar positivamente, porque o baixo-astral não leva a nada. Segunda-feira, não só vamos deixar de fumar e começar dieta e exercícios, como também vamos fazer o checape anual que o presidente já recomendou a todos os brasileiros. Basta dirigir-se ao posto de saúde mais próximo, o qual tomará todas as providências cabíveis, marcando os exames para o dia seguinte e nos internando, se for o caso, em um bem-aparelhado hospital de rede pública, onde o espírito gregário e comunicativo do povo brasileiro se evidencia pela descontração, como, por exemplo, doentes de todos os tipos e seus parentes sendo atendidos, às vezes em macas e às vezes deitados no chão mesmo, na sala de espera ou na garagem, em meio à festa em que se transforma tudo o que fazemos.
E cuidemos da saúde mental também. Vamos lembrar que o Senado Federal tratará, nos próximos meses, da vasta agenda proporcionada pelas denúncias contra o dr. Jader Barbalho. Afinal, mesmo diante da torrencial catadupa de denúncias contra ele, há que se pressupor inocência até prova em contrário e a imprensa não tem nada que ficar irresponsavelmente divulgando notícias. Questões como a reforma tributária e todas as outras reformas que fazem parte do discurso de qualquer político em frente ao qual ponham um microfone terão que ser adiadas, pois o país não pode viver sob essa dúvida cruel a respeito do dr. Jader. Como o presidente já tem certeza — e ele só abre a boca quando tem certeza — de que fará seu sucessor, mais dia, menos dia essas reformas virão. Quem sabe uma medida provisória, criando o terceiro mandato, não seria agora de bom alvitre? Claro, o assunto não depende de medida provisória, depende da Constituição, mas ninguém liga para ela mesmo, e por que iremos continuar tolhidos em nossa marcha para a frente apenas por causa de alguns pormenores jurídicos ridículos?
E vamos pensar construtivamente em nossa seleção, que está aí, como todo mundo vibrando e agitando bandeiras pela gloriosa camisa dos canarinhos. Alguém vai querer culpar o governo pelo estado atual da seleção? Claro que não, e os comentários de um Pé-Frio Lá Em Cima, além de injustos, contribuem para essa broxura nacional de que somos há tanto tempo vítimas, um país carente de Viagra psicológico, por nossa própria culpa. Não nos tem faltado inspiração. Quando o presidente abre um intervalo em suas viagens e nos dirige a palavra, ele só faz exortar-nos ou repreender-nos como um tutor carinhoso, um líder carismático que tenta arrebatar o nosso espírito e fazer com que sonhemos alto e pensemos grande, que nos dá um ideal, um farol à nossa frente, um fanal que não seguimos porque não queremos. Vocês lembram do “Avança Brasil”, não lembram? Como aquilo devia nos ter inspirado, fazer com que voltasse o nosso ufanismo, fazer crescer a nossa convicção de que seremos uma grande potência em futuro próximo.
Mas não nos mexemos e, por essas e outras, temos assistido até à debacle de nossa seleção, à perda da mística de nosso estandarte e de nossos títulos, à falta de respeito que nos permite tomar olé de Honduras. Vamos lembrar a esses rapazes, nossos representantes, que a pátria merece mais do que os dez mil dólares que eles ganham cada vez que tocam na bola, os cem mil dólares que auferem quando vestem uma camisa de marca ou os milhões de dólares que recebem quando usam determinada chuteira. Que arrisquem as canelas de ouro para melhor engrandecer o Brasil, é tudo o que queremos. Tenho certeza de que, se o Felipão aproveitar o ensejo do Dia Nacional da Saúde para incutir esse espírito nos nossos rapazes, os resultados não se farão tardar. E se, mesmo assim, se, como tudo indica, eles entrarem para a história como a primeira seleção que não participou de uma Copa do Mundo, consolemo-nos, é a globalização e a maturidade para um povo que tem de aprender a não ser identificado somente pelo futebol. E pensem nos enfartes, ataques apopléticos, bebedeiras, brigas e tumultos que serão evitados, com a nossa ausência da Copa. Avança, Brasil! Sem esquecer, naturalmente, de arrecuar os harfe pra evitar a catastre.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 05/08/2001.