— Você sabe, de vez em quando eu fico grilado com esse pessoal que agora deu para passar por aqui? Principalmente o Gonçalves, tu sabe que eu tou começando a não querer ver o Gonçalves? É um cara pessimista demais pro meu gosto. Só vive falando em idade, ai meu tempo, porque já se foi o tempo, porque hoje não sou mais homem e por aí vai, enche o saco.
— Mas tu tem de compreender o cara, ele emplacou 7 ponto 5 não tem duas semanas, está fazendo hoje. Depois dos setentinha, o cara fica meio assim.
— Não tem razão.
— É que tu só tem 60, ainda dá pra botar uma certa banca com as necessitadas.
— Só com as necessitadas, não! Tem muita garota por aí que...
— É, as taradas, tipo Nélson Rodrigues, com fixação no pai. Pronto. Mas a verdade é que, depois de uma certa idade, o cara...
— ...está muito melhor, sob diversos aspectos! Me pergunta se eu queria ter 20 anos outra vez, pergunta!
— Vinte anos não digo, que é otário demais, mas aí uns quarentinha...
— Bom, 40 talvez, não vou negar. Eles ainda vão pegar várias vantagens, mas essas vantagens começaram com a nossa geração e a tendência é acabarem junto com ela.
— Não entendi. O nobre amigo quer dizer que acha melhor estar a caminho da decadência física e moral — sim, porque, pelo visto, tu tá planejando ser um velho devasso, desses que beliscam as bundinhas das amigas das netas — tu acha melhor estar na idade em que já está e não ia aceitar ser mais moço.
— Nós somos uma geração privilegiada, a verdade é essa. Diz aí, que doenças a gente pegava, quando era jovem? Quero dizer, doença venérea, ou, segundo a frescura que hoje em dia impera, doença sexualmente transmissível.
— Bem, isso é verdade. Eu mesmo nunca peguei nenhuma, tu sabe? Mas neguinho pegava no máximo uma gonorreiazinha, uns chatinhos, coisa besta.
— Hoje pega Aids! Quer dizer, bem verdade que, no nosso tempo, pro cara conseguir meter a mão por baixo do sutiã dela às vezes levava anos de trabalho, com dedicação exclusiva. Mas nossa geração transou na maior liberdade, sem medo!
— Bem, isso é fato. Naquele tempo...
— Tu te dá bem com camisinha? Confessa, tu te dá bem?
— Não, não suporto, nunca acertei.
— Nem você nem quase ninguém do nosso tope. Mas esses meninos não, daqui a pouco eles já vão nascer com camisinha, é a mesma coisa que computador, que eles já nascem sabendo. Eu olho meus dois filhos solteiros e fico com pena. Nenhum dos dois sabe o que é uma transa livre, sem camisinha. Acho que eles nem funcionam sem camisinha, são o contrário de nós.
— É, é uma tragédia, você tem razão. Eu nem gosto de dizer a eles o que eles estão perdendo. Tu te lembra da Cristina, aquela da pintinha no pescoço, que eu conheci no Bolero? Grande mulher, mulher que atirava com todas as armas, não existe mais mulher como aquela. O que a gente já fez, meu amigo... Impossível, impossível fazer essas coisas hoje em dia, é o reinado da falta de liberdade de expressão. Camisinha, tu tem razão, camisinha é demais.
— Mas não é só isso! Que é que a gente tem, que nossos avós — que nossos avós não, nossos pais! — que é que a gente tem, que nossos pais não tinham e morriam na maior melancolia desmoralizada? Ah, não sabe? Mania de se queixar e não olha em redor de si. Que é que nós temos que eles não tinham?
— Assim de primeira, não lembro.
— Claro que não lembra, tu é pessimista. Nós temos o Viagra! Tu já parou pra avaliar o que é isso?
— É, efetivamente...
— E temos o implante! Estamos absolutamente garantidos! Nós fomos a primeira geração a ter esse privilégio, estamos inclusive imunes aos efeitos broxantes da camisinha. Pode querer broxar à vontade, que o implante alicerça e o Viagra fortalece. Que venham os brotos de 30 ou 40! Que venha qualquer coroa de 50 bem estruturada, pra ver se a nossa geração não vai mostrar seu valor!
— É, eu gostaria de partilhar do teu entusiasmo.
— Não partilha porque não quer, esse teu pessimismo não leva a nada. E eu ainda não dei o golpe de misericórdia.
— Vai lá, vai lá.
— Tu já pensou que nós somos a última geração de homens necessários? Não sacou? Nós somos a geração pré-zangão!
— Taí, nessa eu fiquei por fora.
— É falta de dedução, porque ler a notícia tu leu, não leu? A notícia de que uma cientista agora descobriu um método de fertilização que dispensa os espermatozóides, qualquer célula tá valendo? Leu, não leu? Pois é, nós, que sempre fomos o sexo inferior e é por isso que temos tanto medo delas e o pessoal mais prevenido não deixa elas nem sair na rua nem mostrar a cara, o macho agora vai ser dispensado. Daqui a uns anos, um casal de lésbicas pode resolver uma ficar grávida da outra na mesma ocasião, posso até prever que vai virar moda, gravidez simultânea, em que numa uma é o pai, na outra a mãe, na outra o pai e na outra a mãe, chega a causar confusão na cabeça. O fato é que nós representamos a última geração de homens indispensáveis e, graças a Deus, ainda pegamos umas viciadas em homem, porque isso também vai acabar, escreva o que estou lhe dizendo!
— É verdade, é verdade, tu me abriu os olhos.
— Esses moços, pobres moços, ai se soubessem o que eu sei... Quem foi lá já foi, quem não foi já não vai mais!
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 19/08/2001.