— Ô Valdemar, faz umas duas horas que eu tou aqui criando teia de aranha no fundilho e tu não traz meu chope? Aí o mundo acaba e eu vou de enfrentar sem nada no juízo! Na pressão, na pressão, não traz aquele xixi de cavalo que tu tira depois que já encheu os cornos de cachaça atrás do balcão. Traz modelo fim de mundo!
— Pra mim também, Valdemar. Mas pra mim basta o de sempre.
— Tu acha que eu tou brincando, quando falo no fim do mundo? Não tou brincando, não! É o fim do mundo mesmo.
— Também não exagera. É uma situação muito chata, mas passa, tem que passar.
— Tem que passar, tem que passar? Mas o que tem de otário no mundo feito você, que acham que vai acontecer o que eles querem, é um espanto. Sinto muito te informar, mas o que vai acontecer não é o que você e os outros otários querem, mas o que vai acontecer mesmo. Não tem jeito, não, mermão, vai acabar. Os americanos já estão estocando até água de beber, ninguém tá facilitando, só nós, que somos uns babacas mesmo e talvez sejamos o último lugar que vão bombardear, é que ainda não estamos fazendo nada.
— Tu tá maluco, quem é que vai bombardear o Brasil?
— Todo mundo vai bombardear todo mundo! Até nós vamos bombardear, pode ser um Uruguaizinho, um Paraguaizinho, uma Vene... Não, Venezuela já começa a ser meio jogo duro, mas uma Guianazinha...
— Tu tá completamente despirocado e, se botar muito chope no juízo, é capaz da Matilde te internar, eu tenho notado que tu tá cada vez mais despirocado.
Ninguém vai bombardear ninguém, imagine bombardear o Uruguai.
— Só quem não ia gostar era o Brizola, mas as razões históricas estão na cara, não tem nada que desconte aquela Copa de 50. Nada! Eu sou a favor do bombardeio.
— Mas que bombardeio, cara, tu não tomou nem metade do chope e já tá de porre? Quer dizer que o governo brasileiro vai bombardear o Uruguai porque nós perdemos a Copa de 50?
— Não, a razão oficial não vai ser essa. A razão oficial é o combate ao terrorismo. Tu ouviu o homem falar, não ouviu? O presidente Bush. Tu não ouviu? Ele já mandou avisar que a guerra não vai acabar tão cedo e também já disse que vai mandar baixar o cacete em outros países e que quem não tá com ele tá contra ele. Ele é tipo caubói, tipo John Wayne, não tem conversa de alisar, é pau logo. Começa assim.
— Começa assim o quê?
— A guerra final, pô! O fim do mundo. Nas outras guerras, ainda não havia essa probabilidade, mas hoje há.
— Exagero novamente.
— Mas que exagero, meu Deus do céu, pára de querer tapar o sol com uma peneira! Tu acha que vai acabar ali, que neguinho não vai aprontar as piores desgraças do lado de cá? Observe bem, eu não tou dizendo o que eu quero que aconteça, eu tou dizendo o que vai acontecer. Eu fico todo arrepiado quando penso, olha aqui. E eu não sou terrorista, hem, imagina se eu fosse. Mas já pensei em cada desgraça que tu não pode imaginar.
— Não vai acontecer nada, os Estados Unidos são bons nesse negócio.
— Muuuuito! Mas muuuito! É só no cinema, cara! Eu já vi um filme com o finado Jeffrey Hunter fazendo o papel de soldado americano e capturando sozinho, só com uma metralhadora portátil, uma ilha inteira cheia de japoneses. Agora mesmo nós vimos a segurança deles. Cadê a CIA, cadê o FBI, cadê o Batman, ninguém sabia de nada e fizeram aquela desgraça com os três aviões, quase quatro. E havia outros voando que o DAC de lá, esqueci o nome, não sabia onde estavam, uma esculhambação igual ou pior do que aqui.
— Não tu tá muito pessimista. Existe perigo, mas há limite para tudo.
— Não há limite pra nada! Eu penso assim: bombardeio pra cá e pra lá e aparece um maluco disposto a pegar uma bomba atômica caseira...
— Que bomba atômica caseira, sem essa de bomba atômica caseira.
— Bomba atômica caseira! Tu pensa que não tem máfia por aí vendendo plutônio enriquecido pra neguinho fazer bomba atômica caseira? É fácil, tem até na Internet. Já imaginou? Um maluco pega uma bomba atômica caseira e solta no meio de Chicago, já imaginou? Aí o que é que acontece? Os americanos vão dizer "ah, ser bomba, ser? Pois agora vocês ir ver bomba!" Aí soltam umas 18 bombas de hidrogênio naquela raça toda da Ásia que eles não distinguem e aí começa a festança.
— Idéia de jerico, idéia de jerico. Isso não é assim como tu tá pensando, não é fácil assim soltar uma bomba atômica.
— Assim como não era possível atacar o Pentágono. Mas esqueça a bomba atômica. Imagine no inverno de, daqui a pouco, todo mundo encapuzado e enrolado em sobretudos, chegam quatro desses malucos, cada um num pilotis de um prédio em Manhattan, usando um cinturão de dinamite. Relógios sincronizados, pau! Lá se vai mais um edifício no meio da América. Aí os Estados Unidos se aporrinham de vez e, só porque o Paquistão está reclamando da radiação em cima dele, pica o pau também no Paquistão, que por sua vez aproveita e desce a bomba atômica de fábrica na Índia, a Índia reage e solta bomba atômica por tudo quanto é canto dali, a China então se encrespa, manda uns foguetes em cima de Taiwan, daqui a pouco ninguém sabe mais de zorra nenhuma e, quando não houver mais o que bombardear, eles bombardeiam a gente. O Bush também não distingue nada aqui e aí chega e diz a um assessor:
"Escolhe um país do Sausse América" — é assim que eles chamam tudo aqui — "que ter árabe e manda ver". Aí a Argentina aproveita e bombardeia o Rio Grande do Sul, que por sua vez invade o Uruguai e... Acabou, acabou, o mundo acabou! Ô Valdemar, o mundo acabou, mas o chope não!
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 14/10/2001.