— Tu já parou pra pensar que o pessoal de hoje é a última geração que vai fazer sexo?
— Que besteira, cara, sexo é básico no ser humano. Sem sexo, não existia nada, nem eu nem você.
— Isto era verdade. Agora não é mais, tu vive mesmo por fora, né, cara? Tu não leu sobre a clonagem do ser humano?
— Li, li. Mas isso quer dizer que não vai haver mais sexo.
— Tu tem que raciocinar, cara! No nosso tempo, como era o sexo?
— Igual hoje, só que hoje é mais fácil, a diferença que eu vejo é essa. No nosso tempo, pro cara pegar num peitinho era uma produção federal. Hoje não, hoje o cara tá jantando pela primeira vez com a moça e já está trançando as pernas com as dela por debaixo da mesa e dali pra diante é motel certo.
— Ledo, ledíssimo engano. Ledo Ivo, sem ofender o grande poeta imortal. Tu tem conversado com as meninas? As meninas, as moças! Tu tem conversado? Eu, modéstia à parte, ainda dou meus pulinhos, arrombo a cerca aqui e ali e tou por dentro.
— Deixa de chute, cara. Você é do meu tope, já não tá dando mais nada.
— Mais ledo engano. Eu estou até em melhor forma do que quando era rapazinho. Mais experiência...
— ...Mais broxura...
— Viagra! Viagra! Somos a geração Viagra, graças a Deus!
— Não meta Deus nessa conversa, eu tenho meus princípios.
— Tudo bem, eu também tenho, só que eu não acho que Deus fica lá em cima contabilizando safadagem besta, enquanto tem gente que vai à igreja, reza e faz as piores desgraças, rouba, mata, mente e por aí. Eu tava dizendo a você que somos geração Viagra. Tem até um treco novo mais cheio de chinfra agora, um que você bota embaixo da língua uns 15 minutos antes e sai da frente!
— E então? Então de que você tá se queixando?
— Eu, pessoalmente, não tou me queixando de nada, tou numa boa. Mas as moças me falam que, hoje em dia, os homens da idade delas e até os bem mais moços não tão com nada, ninguém quer nada, só um ou outro e, assim mesmo, na base da maior incompetência. Eu tenho uma tese filosófica. Filosófica não; sociológica, com perdão da má palavra. Minha tese é a seguinte: depois da aids, da camisinha universal e da exibição geral do mulherio, sexo está perdendo a graça e quem acha graça ainda somos nós e uns quatro gatos pingados por aí. No nosso tempo, a moça tirava a roupa, e o coração batia.
Hoje, você passa pega uma revista e vê até a filha do vizinho peladona, é ou não é?
— Bem, de certa forma, é. Mas...
— Mas nada! Hoje tem gente que prefere fazer sexo pela Internet, prefere muito. Vou mais longe ainda: tem gente que só fez e fará sexo pela Internet.
Sexo com celofane, cara.
— Com celofane, como?
— Tu não vai me dizer que não se lembra de papel celofane. Claro que tu lembra. Hoje tem que botar camisinha.Tem gente que nem beija na boca, com medo de aids, hepatite, não sei o quê. E, quando o cara não bota camisinha, elas botam nelas, já tem camisinha de mulher, ela bota uma daquelas bolas de assoprar lá dentro dela e aí você transa com a bola. Bexiga, como se diz em São Paulo. Quer dizer, não tem contato verdadeiro, não tem graça, acaba enchendo o saco. É por isso que a taxa de broxura anda elevadíssima. Acabou, cara, acabou! Quando a gente for pro São João Batista, não vai ter neguinho mais transando, talvez uma seita ou outra, mas é só.
— Não, a Humanidade não pode ter esse destino.
— "A Humanidade não pode ter esse destino, a Humanidade não sei o quê..."
Tudo papo furado, o fato é que a Humanidade não vai ser mais a Humanidade que nós conhecemos. Tu já tá sabendo que, por exemplo, não vai mais precisar espermatozóide para fazer filho. Não vai mais precisar! É só tirar uma célula, fazer uma transação lá com um óvulo e pronto, tá projetado um menino e a mulher nem vai precisar ficar grávida, ter enjôo, azia, desejo, aquelas coisas antigas, pode alugar uma barriga nos diversos serviços de locação de barrigas que vão existir. Tu manja aquele cientista baiano, um com cara de pirado, que deve ser pirado mesmo, porque o cara é um gênio, tu manja?
— Elsimar Coutinho.
— Esse mesmo. Ele diz que mulher menstruar é besteira, é coisa do século retrasado. Vá por mim, meu camaradinha, nós somos a última geração que vai curtir um sexozinho mais ou menos numa boa, isso vai acabar.
— Eu acho que você tá sendo muito pessimista, também não é assim.
— É assim! Nem menstruação elas vão ter mais! Quer dizer, está tudo sendo desconstruído, sacou? Mas numa coisa eu concordo com você, tou vendo pela sua cara: antigamente era melhor mesmo.
— Era, era. Só esse negócio de camisinha obrigatória...
— Perfeitamente, sexo com celofane. Mas tu sabe, eu sou realista, porém não gosto dessa situação. Melhor pensar em outra coisa. Ô Valdemar, tem duas horas que eu pedi um chope na pressão! Tu já ficou leléu de tanto tomar resto de chope aí atrás do balcão?
— Um pra mim também, Valdemar.
— Pois é, vamos pensar outra coisa. Hoje é o Dia Nacional do Samba, vamo lá?
Eu já tenho um princípio de letra: "Antigamente era eu dentro de você e nós se misturando/Hoje é eu encapotado e nós desconfiando."
— É o estribilho? Gostei, pegue a caixa de fósforo aí. "Hoje é eu encapotado e nós desconfiando/Não existe um certo alguém/Nem para mim nem pra você também..."
— É isso aí, simbora! Dia Nacional do Samba! Dia muito especial!
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 02/12/2001.