Nova visitinha da TV

(João Ubaldo Ribeiro)

— Bom-dia.

— Boa-tarde.

— Eu sei, nós marcamos para as onze e só estamos chegando agora. É que...

— ...O trânsito em Botafogo e na Lagoa estava um inferno.

— Como é que você adivinhou? É isso mesmo. E um carro quebrou no túnel, foi a maior zona. Desculpe.

— Não tem problema, eu já estava esperando mesmo que vocês chegassem agora.

— Mas nós marcamos...

— Tudo bem, tudo bem. Vamos lá?

— Tem que ser aqui? A luz aqui é péssima.

— Então vamos lá para cima.

— A luz aqui em cima está forte demais, não sei se vai dar.

— Infelizmente, o sol não está sob meu controle.

— Ha-ha, essa é ótima, o sol não está sob meu controle. É por essas e outras que você é famoso, ha-ha. E aí, Gustavo, tá dando pra fazer?

— Com esse ar-condicionado funcionando, não dá, entra um ruído enorme.

— Então desliga o ar. Dá licença?

— Não, eu...

— Obrigada. E aí, Gustavo?

— Melhorou. Mas tem o problema do reflexo nos óculos. Não dá para fazer sem os óculos?

— Só se vocês me fornecerem uma bengalinha.

— Ha-ha-ha! Uma bengalinha! Você é engraçado mesmo. Mas dá para tirar os óculos?

— Ninguém jamais me viu sem óculos. Aliás, minto. Uma vez a Ava Gardner me pediu para tirar os óculos na hora H.

— Quem?

— Ava Gardner, Ava Gardner. Era uma artista de cinema.

— Ah, sim, vocês namoraram. Isso foi em trinta e quantos?

— Deixa pra lá, esqueça, esqueça.

— Eu compreendo, não quero ser indiscreta. E aí, Fernandão, e aí, Gustavo, tudo certo?

— Não dá para tirar os óculos?

— Não! Não!

— Vocês, celebridades, são de lascar, vou te contar. Tudo bem, tudo bem, vai prejudicar a matéria, mas tudo bem.

— Esse bigode grisalho também atrapalha, está dando uns reflexos no monitor.

— Eu não vou raspar meu bigode! Tire a mão de meu bigode!

— Tudo bem, tudo bem. Vocês, celebridades... E aí Gustavo, tudo em cima?

— Onde é que tem uma tomada? Ah, já achei, sem problema.

— Meu computador! Você tirou da tomada meu computador ligado!

— Sem problema, isso é superstição, é só botar na tomada de novo.

— E ele me passar uma mensagem de que pode haver defeitos no disco rígido.

— Pode deixar, eu mesmo religo o computador pra você.

— Não, eu mesmo prefiro religar, pode deixar.

— Oquêi, depois não se queixe, a culpa não foi minha. Ninguém me falou nada, a tomada estava aí...

— Claro, claro, a culpa é toda minha. Vamos em frente.

— Isso me lembra uma coisa. Kátia, tu te recorda que a direção do programa pede movimentação?

— É isso mesmo. Não dava para você... Você tem outra camisa aí à disposição? Essa tem xadrezinho demais, dá pra mudar?

— Eu não vou mudar de camisa.

— Tudo bem, vai prejudicar a matéria, não sei nem se vai sair.

— Ah, então ótimo. Então ninguém grava nada.

— Esquece, não foi isso que ele quis dizer. De fato, se a gente não obedecer a certas condições, a matéria pode não sair. Mas aí é problema da produção e problema seu.

— Problema meu? Eu pedi a alguém para me entrevistar?

— Não, realmente não. Mas é um programa muito assistido, tem interesse promocional, e muito, para sua obra.

— Não tem interesse nenhum! Aliás, se for por isso, a gente pode dispensar tudo.

— Me admira o senhor, jornalista profissional, querendo ver uma colega furar a pauta.

— Eu não estou querendo que você fure a pauta. Eu só estou dizendo que não vou mudar de camisa.

— Tá legal, seria melhor que você tivesse um pouco mais de boa vontade. Mas, já que é assim, vamos em frente. Pode rodar aí, Gustavo?

— Positivo!

— Estamos aqui, na casa do escritor José Ubaldo Ribeiro...

— João.

— O quê?

— É João, não é José.

— Mas aqui na pauta diz que é José.

— Mas é João! É João! Eu me conheço desde pequeno, eu sou João, eu posso mostrar minha carteira de identidade! Eu sou João!

— Tudo bem, mantenha a calma, pô! Eu mudo aqui. Roda lá, Gustavo. Estamos aqui na casa do escritor João Paulo Ribeiro...

— João Ubaaaaaldo!

— Também não precisa ser grosseiro, foi apenas um lapso. Vocês, celebridades, vou te contar, hem?