A atual conjuntura

(João Ubaldo Ribeiro)

Sempre que alguém me chama de “formador de opinião”, fico num certo desconforto. Nunca passou pela minha cabeça formar a opinião de ninguém, até porque encontro sérias dificuldades em formar a minha própria. Além disso, há pessoas que acham que nós, da grande imprensa, o que lá seja isto, vivemos em reuniões conspiratoriais em que, recebendo grana e benefícios variados, vamos solertemente para o teclado e empulhamos a opinião pública. Recebo cartas, geralmente anônimas, que me deixam espantado diante de meu nível de comprometimento com tantos interesses escusos. Só faço a ressalva de que deve ser por telepatia, porque rarissimamente vou às redações dos jornais com que colaboro e, quanto à grana e aos benefícios, ponho-os na mesma conta que o ouro de Moscou de antigamente, que também já recebi, até o fim da União Soviética, o qual representou um severo baque em minhas finanças de comunista sem-vergonha. Enfim, fazer o quê?

Vamos então tentar formar uma opiniãozinha, somente para não decepcionar e não ferir a neurose ou psicose de ninguém. Ajudem aí, no que puderem. Que vemos, em primeiro lugar? Vemos que eu não estava inteiramente correto, na minha previsão de que este ano, com carnaval, Semana Santa, Copa do Mundo e eleição, não ia sobrar ano nenhum para outros centros de atenção. Enganei-me num ponto: o (“a”? escolham aí) dengue. Só quem foi mais pegado de surpresa do que nós foi o governo. Sim, há muito tempo ele era alertado para o problema e, segundo leio nas folhas, o dr. Adib Jatene, quando era ministro, formulou um plano preventivo. Contudo, ninguém deu pelota para o plano, notadamente o próprio Ministério da Saúde e as secretarias de Saúde de estados e municípios.

Ainda não resolveram se o dengue é municipal, estadual ou federal. Enquanto caímos doentes, alguns morrendo, eles ficam debatendo sobre quem é o culpado ou quem tem responsabilidade quanto ao assunto. O dr. Serra, já ex-ministro, fez um belo discurso de campanha, mostrou até mais dedos que o dr. Fernando Henrique, mas nem deu ousadia de falar sobre o dengue. Da mesma forma que o dr. Fernando Henrique passou a segunda parte de seu primeiro mandato na bem-sucedida manobra para sacrificar-se pela nação por mais alguns anos, o dr. Serra também passou estes últimos meses preocupado com sua candidatura. O fato é que, na minha opinião, estamos sendo novamente entrolhados por governos omissos e irresponsáveis e tudo vai continuar por isso mesmo, desde a prorrogação da CPMF. Quem me lê com razoável freqüência há que lembrar-se que, quando ela foi instituída, eu escrevi que o “P” era de “Permanente” e não “Provisória”. E vamos morrer com ela, podem apostar. Pagamos, com exceção dos bancos, imposto sobre qualquer coisa, damos “empréstimos” compulsórios, somos esfolados por tudo quanto é lado e agora ficamos como uma cidade medieval, ameaçados por uma doença de controle perfeitamente factível, a não ser, como agora, quando ela já saiu do âmbito do controle e entrou, para nós, no âmbito da paranóia e, para o governo, no âmbito do vamos-mudar-de-assunto.

Mas, excetuando o dengue, não vai acontecer mais nada. Temos uma empolgante série de pré-candidatos, gente que nunca esteve no poder e agora, quando estiver, certamente fará tudo o que não pôde fazer antes. Em quem votar? Pelo gosto dele, seria em dr. Fernando Fujimoro Henrique, o qual, segundo certas más línguas, ainda nutre uma secreta e, graças a Deus, infundada esperança de que se adote, por exemplo, o parlamentarismo, para ele passar o resto do tempo querendo ser primeiro-ministro e continuar a viajar e fazer discursos em francês. Lula, embananado em seu próprio partido, fica com pinta de quem vai perder outra vez, ainda mais que não gostamos da idéia de um presidente barbudo, ex-mulato (ele agora cuida do cabelo, pois com certeza também acha que ser mulato não está com nada, é visível que deu uma amaciadazinha, de uns tempos para cá) e que não seja poliglota. Dra. Roseana é a governadora do Maranhão, estado que, apesar do valor de seus filhos, não é bem um exemplo de prosperidade e boa administração. O dr. Serra significa continuísmo. O dr. Ciro Gomes, ninguém sabe. O dr. Itamar é, como se dizia nos momentos em que estava em maior evidência, mercurial. O que mais se lia nas manchetes, quando ele era vice-presidente e depois presidente, era “Itamar se irrita”. Imagino que continua assim e não sei se é boa idéia eleger um presidente mercurial, que se irrita com facilidade. O dr. Garotinho, bem, é o dr. Garotinho. Quem mora no Rio sabe que ele não é bom nem de “Show do Milhão”, onde a famosa H2O foi por ele esquecida. Em seu favor, diga-se que, afinal, não é preciso ser tão Einstein assim para presidir o Brasil, embora seja quase imperioso saber ler.

Devo ter esquecido alguns, mas esse é o panorama geral que nos confronta. A hipótese de emigrar para o Gabão certamente ocorre a alguns de nossos compatriotas. Quanto à Copa, se eu fosse o Romário, ia à Bahia ver um bom par de rezadeiras e se pegar com uma boa mãe-de-santo, porque o Homem o escalou para a seleção. Eu também sou a favor da convocação do Romário, mas é que o Homem não me parece ser muito pé-quente e uma certa apreensão surge, quando ele apóia alguma coisa. De qualquer forma, não temos ainda uma seleção, essas que jogaram eram cada uma diferente da outra e receio que, na Copa, venhamos a soçobrar diante de novas forças do futebol mundial (todo mundo que ganha da gente, ou seja, praticamente todo mundo mesmo, vira logo uma das novas forças do futebol, seja ela a Baixa Chechênia ou o Alto Zimbabué). Acresça-se a circunstância de que este ano os japoneses estarão na disputa, contando com a singular vantagem de poderem substituir todos os jogadores que quiserem, nos momentos em que quiserem, já que ninguém vai mesmo distinguir o Hiroshi lateral-direito do Akiro volante-apoiador.

Pronto, já formamos nossas opiniões por hoje. A atual conjuntura continua como todas as outras conjunturas anteriores, só mudam os nomes. E nós devemos merecer, a verdade é esta.