— Como o senhor vê a conjuntura política brasileira, no momento?
— Com muita preocupação. Esse problema com a Roseana está prejudicando muito o país. Assim não se pode trabalhar.
— O senhor se refere à viabilidade da candidatura dela?
— Me refiro, porque a gente fica sem saber quem apoiar e a trabalheira para aderir depois vai ser horrível. Mas me refiro principalmente ao problema criado para todos os outros, como eu, que não têm nada com isso. A coisa está passando dos limites. Já pensou se pega essa moda de ficar investigando as pessoas? Ninguém está livre de uma acusação, todo mundo está preocupado, não se pode ter um minuto de distração. Eu mesmo já passei minha conta nas ilhas Caymã para meu concunhado, que exigiu levar algum nessa. Quer dizer, além do sobressalto, prejuízo. Isso é um descalabro que não pode continuar.
— E quanto à candidatura da governadora Roseana?
— Pois é, isso vai ser um problema grande, já está sendo. Como é que a gente vai ter certeza de que ela se elege? Isso causa um grave, gravíssimo problema. Ninguém sabe com quem vai ficar ou em que partido vai ficar. Está havendo muito nervosismo, é natural numa situação dessas.
— O senhor acredita que, em última análise, isso afetará os partidos?
— Claro que afetará. Vocês, leigos, não compreendem isso, mas é um suplício, uma tortura, ficar feito marinheiro querendo adivinhar chuva, sem saber para que partido ir.
— É por isso que o senhor já mudou de partido quatro vezes?
— Mas é óbvio, eu sou algum besta? Só besta é que entra num partido pelo partido mesmo. Tem de olhar as circunstâncias políticas, as circunstâncias do poder. Você pensa que eu gostei de mudar de partido? Vocês, leigos, não imaginam que trabalho isso dá, ainda mais com essa imprensa agindo como se não houvesse mais respeito para com a classe política. Aliás, este é um bom momento para criticar a imprensa. Qual é o interesse dela em divulgar o que ela chama de escândalos? Isso se chama, minha filha, com um advérbio muito apropriado, o advérbio “tumultuar”, essa é que é a verdade
— O senhor quer dizer “verbo”.
— Verbo, advérbio, conjunção, preposição, interjeição, é tudo palavra variável, já ensina a gramática.
— O senhor não está confundindo um pouco as categorias gramaticais?
— Você é um amor de menina, nada de pessoal contra você. Mas já notou como a entrevista fica sendo distorcida o tempo todo? Amanhã, no seu jornal, sai que eu não sei português, a imprensa só pega as coisas negativas. O fato é que eu disse apenas que a imprensa tumultua, tumultua mesmo, é uma coisa imoral. Não me entenda mal, eu sempre fui cem por cento a favor da liberdade de imprensa, mas liberdade com responsabilidade. Aliás, já há em tramitação um novo projeto de lei de imprensa que eu acho perfeito. Será criada a Comissão Nacional de Responsabilidade de Imprensa, que examinará e aprovará, ou não, a divulgação de notícias que prejudiquem os inegáveis avanços de nossa democracia.
— O senhor não acha que uma comissão dessas vai retardar em muito a divulgação das notícias?
— Acho, mas este é um dos pontos fortes do projeto. Isso forçará a mídia a ponderar melhor aquilo que publica, teremos uma mídia de acordo com as aspirações de todos.
— O senhor acha mesmo que o povo ficaria satisfeito com isso?
— Quem falou em povo? Não coloque em minha boca palavras que eu não disse como se eu tivesse dito. Ninguém aqui falou em povo, você foi quem falou. Povo é só voto, o resto é ilusão idealista de quem não conhece a verdadeira realidade.
— Ao que o senhor está se referindo, neste caso? Eu pensei...
— Vou lhe repetir um velho ditado, que você, por ser muito jovem, não deve conhecer: de pensar morreu um burrinho, ho-ho-ho, nada de pessoal mesmo, você é um encanto. Aliás, hoje você tem programa para logo mais à noite ?
— O senhor desculpe, mas vou fingir que não ouvi essa pergunta.
— Vai dizer que eu sou culpado de assédio sexual, é isso? Isso é mais uma de vocês da imprensa. Não se pode fazer uma pergunta inocente, que vocês logo levam para a maldade. Eu sou de um tempo mais livre, não existia esse negócio de assédio sexual, nós tínhamos muito mais liberdade. E, por outro lado, por que não? Parece assim que não é normal o sujeito conseguir emprego para uma moça que o aceite, é normalíssimo, é humano.
— Isso quer dizer que o senhor já arranjou emprego público para moças... Para moças assim?
— Evidente! Você acha que só há santos na política? Esse é outro grande mal, ninguém passa a ser santo porque faz carreira política. Nós, políticos, somos gente como outra qualquer, com todos os defeitos e qualidades do ser humano.
— O senhor me desculpe, mas precisamos concluir a entrevista, nosso espaço já se esgotou.
— Manipulação da mídia outra vez! Se fosse do seu interesse, o espaço era total. Eu não disse uma porção de coisas que gostaria de dizer, vocês não permitem.
— Bem, se o senhor for breve, pode falar.
— Eu criei o Disque-Mosquito! Agora qualquer pessoa que topar com um mosquito da dengue pode ligar gratuitamente e denunciar o mosquito! Eu consegui que todos os mosquitos, sem distinção de raça nem de coisa nenhuma, sejam considerados ilegais! Eu distribuí mais de cem mil camisinhas no Dia dos Namorados, mas ninguém fala! Eu... Ei, onde é que você vai? Volte aqui, eu tenho muito mais o que dizer! Volte aqui! E o nosso encontro logo mais à noite? Imprensa corrupta! Volte aqui, pelo menos gostosa você é! Ô popozuda, vem cá, eu...
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 17/03/2002.