A broxura num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Tu tá com quantos? Tu já chegou nos setentinha, não chegou?

— Olha pra minha cara, rapaz! Eu tenho cara de setenta?

— Não, pra ser sincero, tu tem cara de pelo menos sete ponto cinco. É porque eu conheço você desde o tempo em que isso aqui era um arraial, aí eu sei que deve ser uns setentinha.

— Sessenta e oito! Só faço 69 em junho.

— Graaaande diferença, graaaaande diferença. E tu nem notou a ironia do que falou. Só faz 69 em junho, ho-ho! E no resto do ano você faz preparo físico, ho-ho!

— Qual é a tua, cara, tá querendo curtir com a minha cara?

— Não, eu não faço isso com os amigos, só assim de brincadeira. Eu mesmo não faço mais 69, já cheguei nos setentinha em março. Nem 69 eu faço mais, ho-ho!

— Isso pode ser você, mas minha virilidade continua a mesma coisa. Claro, já não estou com meus 30 ou 40, mas minha virilidade é a mesma. Meu urologista...

— Sua viagralidade continua a mesma, é isso que tu quer dizer. Teu urologista te dá uma dedada e depois receita 18 caixinhas de Viagra, é isso?

— Tu tá querendo curtir com minha cara, esse tipo de papo eu não aceito, tu sabe disso.

— Não, fora de brincadeira, tu sabe que a nossa consideração mútua sempre foi mantida. Eu tou querendo abrir uma conversa sobre a realidade brasileira.

— E a realidade brasileira é dizer que eu tou broxa?

— É. Quer dizer, de certa forma. Tu não está achando que nós tamos vivendo num país completamente broxa?

— Eu não. Olhe aí as revistas aí da banca do Carlinhos, olha só.

— Pois é, um bando de mulherão pelada, é só o que você vê.

— Exatamente, exatamente! Tu gosta de leite condensado?

— Tu tá leléu, que é que tem leite condensado com broxura?

— Tudo, tem tudo a ver. Tu, quando pode, não pega uma lata de leite condensado, abre dois furinhos e mama no maior?

— É, é. De vez em quando. O colesterol...

— Esquece o colesterol. Vamos supor que não tivesse colesterol, que, aliás, não tinha, é uma invenção moderna. Vamos supor que não tivesse colesterol e que você tivesse em casa uma dúzia de latas de leite condensado. Tu encarava a segunda? Não encarava porque enjoa, tou certo?

— É, duas é demais.

— É a mesma coisa. Esse mulherio todo de perna aberta nas revistas não lembra o leite condensado? É a mesma coisa, chega um ponto em que enjoa. Eu mesmo vejo muito menino de 18, 19 anos que prefere prancha de surfe a mulher, chegou a um ponto de saturação. Está certo que um leite condensadozinho é uma boa, mas um mar de leite condensado, um oceano de leite condensado?

— Saquei, nesse ponto tu tem uma certa razão. Existe um certo exagero.

— Bote exagero nisso. Tu encontra a vizinha no elevador e, no dia seguinte, ela aparece peladona na revista, mostrando até as amídalas. Não tem graça nenhuma. Tu é do tempo da anágua, da combinação e do sutiã, tou certo? Tu é do tempo do lance de comecinho de coxa e do pedacinho superior do peitinho, é ou não é?

— Sou, me lembro até do lance do tornozelo até o meio da canela. Tu lembra?

— Se lembro? Sabe a Laurinha, tu te lembra da Laurinha do Posto Seis, tu não te lembra?

— Me lembro. Ela botou um biquíni e teve que vir proteção policial, me lembro bem. E não era biquíni mesmo, era mais um duas-peças. Grande Laurinha.

— Pois é. Hoje, se quisesse aparecer, tinha de plantar bananeira nua em Ipanema, assim mesmo não em frente à Farme de Amoedo, porque lá ninguém ia ligar do mesmo jeito.

— É, eu percebo o que você quer dizer. Nesse sentido, estamos todos broxas.

— Nesse sentido, não. Em todos!

— Em todos, como assim?

Em todos. Este ano é de Copa do Mundo, certo? Certo, certo? Certo. Tu já viu alguém vibrando com a Copa, como nas outras vezes?

— É, de fato, o clima não é o mesmo.

— Eu vou te dar uma explicação. É o governo. Tu já viu algum governo que puxasse menos pelo brasileiro do que esse? Nunca viu. Nem um slogan, tipo “cinqüenta anos em cinco”, mesmo sem querer dizer nada, mas antibroxura, apareceu.

— Não, apareceu “Avança Brasil”.

— E tu chama isso de slogan? Isso é comando pra cachorro! Avança, Rex! Tu viu alguém se empolgar com isso? Nem cachorro. Está certo que o Brasil é o Brasil, mas também não é nenhum pitbull.

— De fato, de fato. Às vezes eu fico pensando assim e me pergunto o que fazer.

— Eu também. Mas, enquanto isso, vou fazendo o que ainda me deixam. Tu já ouviu falar na CPCC? Não ouviu. É a Contribuição Provisória pelo Consumo de Chope, que naturalmente vai virar Contribuição Perpétua, como a outra já virou. E te prepara para a nova, não tem dinheiro que chegue para eles. Vem aí a TR. Tu manja? É a Taxa de Respiração. Todo mundo vai ter que pagar, senão o governo vai lá e lacra o nariz de quem não pagar, com exceção de quem for do Pefelê. Ô Ceará, um chope mais aí, enquanto puder!