Vamos a essa limonada

(João Ubaldo Ribeiro)

Todos nós já ouvimos a afirmação de que, se o destino nos puser na frente um limão azedo, devemos tentar transformá-lo numa limonada saborosa. Pois é. Lição tão simples e óbvia nos é oferecida milenarmente e ficamos dando bobeira. Mas cabe ao jornalista repetir ad infinitum aquilo que já sabemos, porque alguém, todo dia, pela primeira vez na vida, abre um jornal para o ler. Além disso, a memória coletiva costuma ser meio fraca, assim como a atenção estendida a problemas de que antes não tínhamos consciência.

Os últimos dias vêm sendo particularmente interessantes, a ponto de, se quisermos, ser possível ocupar todo este espaço com a mera enumeração de todos os tópicos. Como isso não constituiria desculpa para o que, na verdade, acabaria redundando em enchimento de lingüiça, sou obrigado a me restringir a alguns poucos, já suficientes para que meditemos sobre a realidade que nos cerca e deixemos de dar murro em ponta de faca, pois que, como também aprendemos a cada instante, quem faz isso é otário, maioria em que estamos quase todos incluídos, mas da qual podemos sair a qualquer instante, como, por exemplo, nos mostram inúmeros políticos.

Tivemos o caso de instituições financeiras americanas haverem advertido o país contra resultados que consideram negativos nas próximas eleições, especialmente para a Presidência. Eu, pessoalmente, já tenho candidato, mas é indecente me beneficiar de uma coluna num jornal de prestígio e credibilidade para defender diretamente quaisquer interesses, de forma que peço, com inteira sinceridade, que não tomem isto que vou dizer como a defesa de um candidato em particular, porque estou de fato tomando todas as precauções para apresentar-me de forma isenta e não ser porta-voz de ninguém (e não sou mesmo, podem perguntar a quem quer que conheça minha modesta biografia). É evidente que os rapazes americanos na faixa dos 30 que cuidam de bilhões de dólares não sabem coisa nenhuma além de índices e porcentagens. Entrevistados ao acaso, esses semideuses não poderão falar nem 30 segundos sobre o Brasil. Os que cuidam de interesses capitalistas em mercados polpudos como o Brasil querem somente arrebanhar as comissões ganhas pelas firmas que eles representam. Faz-se um comunicado qualquer sobre o famoso Risco Brasil, o mercado, como estamos fartos de saber, entra em novo chilique, o dólar dispara à estratosfera, os especuladores recolhem os lucros do que na realidade não é investimento, mas simples jogo. Anjinhos, anjinhos todos.

O Brasil não pode quebrar, pela simples razão de que há dinheiro estrangeiro — ou multinacional, como se queira, até porque especuladores brasileiros também levam uma grana nessas jogadas — demais aqui dentro. Estamos secularmente acostumados a ser tratados como fichinha, mas não somos fichinha. Somos a oitava ou sétima população do mundo, somos um país industrializado, somos um mercado de dar água na boca, desde a produção de frutas ao consumo de eletrodomésticos, não podemos quebrar. Ameaçamos todo o mundo, se quebrarmos. Para muitos de nós, otários, pode ser surpresa a informação de que, por exemplo, o Brasil é maior, economicamente, do que vários países europeus juntos. Agora, nos acostumamos a ficar de rabo entre as pernas diante de interesses que não os nossos e por aí vamos, como se a análise da nossa economia, feita por um fedelho brilhante qualquer, trouxesse conseqüências além das reações do mercado especulativo. Se os brasileiros (prestem atenção no que eu digo) e brasileiras parassem de usar xampu, o mercado ia ficar nervosíssimo e diversas multinacionais poderiam entrar em crise. Evidente que ninguém acha que pararemos de usar xampu, mas tentem só, se tiverem saco, ver o que o mercado brasileiro é, para quem comercia xampu (xampu, não feijão). E assim tudo mais — geladeiras, freezers, condicionadores de ar, liquidificadores, pasta de dentes, celulares, a lista não acaba. Estamos sempre entre os primeiros. Por conseguinte, não há por que tomar pito de qualquer gringo que julga saber sobre a realidade brasileira sem falar língua nenhuma a não ser economês americano, sem nunca ter viajado, a não ser para tomar um eventual corno em Veneza, sem nunca saber nada a não ser de cotações variadas e do risco de enfarte em que vive incorrendo, pois que, com um telefonema, a economia da Otariolândia (nome respeitosamente oferecido à nossa República) pode levar tudo, e digo tudo mesmo, para a cucuia. Está na cara que é tudo chute, mas persistimos nessa atitude coletivamente servil e burra.

Vivemos, também, cenas memoráveis, como a derrota voluntária do Rubinho, que nos encheu de orgulho pelo profissionalismo, além, é claro, de admiração pelo espírito esportivo da Ferrari e de todos os envolvidos, como, mais uma vez os otários que somos torcem, não pelo Brasil, mas para quem vai levar uma nota nessa história, não importa qual história. Menção obrigatória também há de ser feita em relação à verba destinada, pelas firmas franqueadas do Correio, para o pagamento dos votos de membros do Congresso Nacional, verba essa anunciada em público como a coisa mais natural do mundo.

E é natural. Aqui as coisas funcionam assim. Tem que ser natural, não existe outra explicação para tudo isso, a não ser que esta é a realidade e não se pode fazer nada para transfigurá-la. Num país em que o representante de uma categoria anuncia em público propinas para delegados do povo e ninguém se escandaliza por mais de 15 minutos, claro que é natural. Minha modest proposal, para parafrasear o grande Jonathan Swift, que sugeriu à sociedade consumir carne de menininhos irlandeses e assim extinguir a fome, é que a gente assuma logo nossa visível, mas hipocritamente desmentida, falta de vergonha na cara. Nada contra a senhora, querida leitora; nada contra o senhor, gentil leitor; nada contra mim, afinal, pois também sou filho de Deus, mas nós merecemos tudo o que nos acontece. Não tenho muito orgulho em dizer o que se segue, mas também não encontro vergonha em fazer proposta a algum país rico, para que ele nos anexe. Preferindo os Estados Unidos, é claro, porque aqui somos, por sinal, um dos melhores mercados dos americanos e de outros, já há terreno fértil e a Barra da Tijuca não precisaria mudar nada.