— A medicina fica cada vez mais adiantada, cada vez mais adiantada, mas todo dia aparece uma doença nova de que eles não sacam nada. Já reparou?
— Doença nova? Não, doença nova, não. A única doença nova, que assim mesmo já está ficando velha, é Aids, não é, não?
— Aids? Aids não é doença. Olha aqui, tu sabe quais são os primeiros sintomas da Aids?
— Não. Cansaço, não é, gânglios...
— Nada disso! É um peso nas costas e um bafo na nuca, sacou? Ha-ha! É isso que é Aids! Um peso nas costas e um bafo na nuca, sacou?
— Que é isso, que grossura! Não tem nada disso. O sujeito pega Aids de várias formas, inclusive transfusão de sangue.
— Sangue de alguém que levou um peso nas costas e um bafo na nuca, sacou? A origem é sempre essa.
— Não é verdade. Tem muitos heterossexuais aidéticos que são casados, ordenados, gente fina, não tem nada disso.
— Sem essa! Tudo chute. Não tem nenhum desses caras que pega Aids se não tiver o bafo na nuca. Na origem, está sempre o bafo na nuca. Você acha que algum deles ia contar? Nem morta! Pergunte o que ele vai fazer em Copacabana de noite, caçando travesti. No máximo, ele vai dizer que é pesquisa, curiosidade. Mas não tem nada disso, ele vai é a fim de crime mesmo! Pergunta pro travesti se ele quer cortar, pergunta! Não corta nunca, é o meio de vida dele! Pergunta! Vai ver os carros pegando travestis na orla. Tudo carro fino, tudo classe média, classe média alta. Mas, aí, quando o médico pergunta se ele teve relação homossexual, ele não conta nem no confessionário! Morda aqui, qual é essa de aidético sem peso na nuca.
— Você já perguntou?
— Eu não me dou com travesti, me respeite!
— Então como é que você sabe?
— Todo mundo sabe. Qualquer um lhe informa isto, é fato conhecido. Não senhor, não sou nem muito religioso, mas estou convencido disso: Aids é peso nas costas e bafo na nuca! É castigo!
— E os caras que pegam por causa de droga injetada?
— Castigo novamente. E, na origem, tu pode ver lá: peso nas costas e bafo na nuca, é batata.
— Bom, não vou discutir com você. Se tu já meteu na cabeça essa besteira de que é castigo, não tem jeito.
— Não tem jeito porque é a realidade incontestável. Não é doença, é castigo, até certos médicos já me confidenciaram isso. Deixa de pensar bobagem e cai na realidade.
— Bem, pra mim quem não está caindo na realidade é você. Eu mesmo já conheci diversos aidéticos que morreram e nem transfusão tomaram.
— Mas vai futucar lá na história deles e vê se eles não gostavam de um travestizinho de vez em quando, ou tomavam um pico ali e outro aqui, para se distrair. Está escrito, rapaz: não é doença, é castigo.
— Tudo bem, é castigo, é castigo. Mas tu não falou em nenhuma outra doença nova.
— Não falei porque não decoro, cada uma tem o nome mais complicado do que a outra, mas só precisa pegar o jornal para ver. E não precisa mais, basta uma para infernar minha vida, basta essa que já me deixa maluco.
— Tu tá doente?
— Eu propriamente, não, minha mulher.
— E o que é que ela tem? É sério? Pra você estar assim nesse estado...
— Não, é ela. Quer dizer, às vezes eu penso que nem ela é, é mais uma invenção pra infernar a vida do homem. Você sabe que eu tenho um amigo que tem uma tese séria. Ele diz que mulher não fica doente por ficar doente, só fica doente pra sacanear algum homem. Eu acredito que ele tem uma certa razão, mas isso já é outro assunto. Me diz uma coisa: faz alguns anos, você ouvia falar em TPM?
— Em quê?
— Já vi que tu tá por fora mesmo, nem TPM manja. Tensão Pré-menstrual, cara, TPM. É a pior das pragas que o diabo trouxe para a Terra.
— Ah, TPM, sim. Não, não sei quase nada. Minha mulher não tem.
— Não tem? Então você é o homem de mais sorte no mundo, você não sabe a sorte que tem. Tu me viu aqui no boteco, comemorando o penta, viu?
— Não, é verdade, tu não pintou. Era a TPM?
— Ela deu uma TPM horrorosa logo depois do primeiro gol! Aí eu disse que ia sair e ela começou a quebrar minha coleção de cachimbos de barro, você sabe, aquela coleção que eu venho fazendo há séculos. E já ia partir para o som e os jarros que herdou da mãe e aí eu falei que pronto, que não ia mais sair e ela entrou no quarto e se trancou lá dentro, mas avisando que ia voltar a quebrar tudo, se eu saísse.
— E você não saiu.
— Mas isso não fica assim. Eu vou pegar ela com outra doença nova, que costuma dar mais em homem. Vou pegar ela de estresse. Hoje mesmo, eu dou uma estressada nela.
— Como é que vai ser?
— Ainda não sei, mas acho que vou jogar as transas de maquilagem dela todas no vaso. Já que a medicina progride, temos de levar alguma vantagem. Estresse nela! Cobrobó, traz mais um chope aqui, que é bom pra preparar pro estresse! O progresso da medicina parou mesmo foi no Melhoral, a verdade é essa.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo em 07/07/2002.