O governo Lula num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Tu tá vendo aí, eu chamei a atenção desde o começo. Isso não é homem pra governar o Brasil, nós merecemos coisa melhor, péssimo governo!

— Eu tou vendo o quê? O homem só toma posse em janeiro e tu já tá reclamando do governo? Qual é a tua, cara, tu tá de porre?

— Umas três semanas de eleito e ainda não vi nada! Não vi nada!

— Mas é isso que eu digo: como é que tu quer ver alguma coisa, se o homem nem tomou posse ainda?

— Ah, tu sente pela embocadura. Já dá pra sentir pela embocadura. Começa por essa vergonha. Um presidente sem um dedo, que fala com a língua no dente e só fala português... Está certo isso?

— Não vejo nada demais nisso. E o Fernando Henrique não tinha nada disso e tu não vivia dizendo o diabo dele?

— Isso antes dele sair. Depois que ele sair, você vai ver.

— É, ele vai ser um dos maiores ex-presidentes do mundo, isso o Verissimo já disse e é verdade. Excelente ex-presidente. Mas nós precisamos é de um presidente efetivo mesmo, exercendo o cargo.

— O Lula vai ser um péssimo ex-presidente, você vai ver. Pra não falar que já está sendo um péssimo presidente.

— Essa é que eu não entendo mesmo. Como é que ele está sendo péssimo presidente, se não assumiu ainda? Ele ainda não fez nada como presidente, nem pode fazer.

— Por exemplo, tem maior vexame do que esse negócio de Lula? Um presidente que não tem nome, todo mundo chama pelo apelido? Que vergonha!

— E Bill Clinton, Ike Eisenhower, Jimmy Carter, LBJ...

— É, mas isso é em inglês, tem uma certa elegância, inglês é uma língua superior, você tem de convir. Agora Lula, Lula... Ainda por cima é nome de peixe!

— É nome de peixe em português.

— Pior ainda, é nome de peixe na própria língua. Não, nessa você não me convence, um presidente com apelido. Admito que americano é exceção, mas aqui...

— Tony Blair...

— Inglês, inglês! Inglês é uma exceção!

— Tu é um tremendo colonizado, mas vamos dizer que inglês é uma exceção. Que mais é ruim no governo Lula?

— Tu já viu alguma coisa?

— Não, por enquanto estão na fase de transição, arrumando as coisas, fazendo acertos...

— Fazendo acertos! Tu vai ver quanto acerto vem por aí, vem mais acerto do que com o FHC!

— Mas você não disse que FHC...

— Ex-presidente! Grande ex-presidente! Agora, como presidente ruim, perde para esse barbudo. Que, inclusive, vai ser um ex-presidente horrível, não leva a menor pinta.

— Mas, rapaz, eu não entendo. O que é que o barbudo fez de ruim?

— Nada, é isso que ele fez esses dias todos, nada! Aliás, é o que ele viveu fazendo esses anos todos: nada! Me diz o que ele fez esses anos todos!

— O homem passa treze anos liderando o partido dele, construindo o partido e se candidatando para levar o partido ao poder e tu diz que ele não fez nada?

— Em benefício próprio! Agora o presidente é ele! Benefício próprio!

— E tu não criticou o FHC porque dedicou os dois últimos anos do primeiro mandato a se reeleger? Benefício próprio.

— É, mas benefício próprio para se tornar o nosso maior ex-presidente. Você não sabe o valor de um grande ex-presidente.

— Até que sei, Jimmy Carter mesmo acaba de ganhar o Prêmio Nobel.

— Viu você? Vê se Lula ia ganhar nenhum Prêmio Nobel. Agora, escreva aí: não duvido nada que, daqui a alguns anos, o Fernando Henrique tire o Prêmio Nobel. Aí, sim, grande honraria para o Brasil, nosso primeiro Prêmio Nobel. Agora, esse cara, que já vai começando as maracutaias?

— Que maracutaia? Não vi falar de maracutaia nenhuma.

— Tu não se informa, tu não lê jornal. Os deputados, assim que acabaram as eleições, já estão querendo dobrar o que eles ganham. Vão pra mais de 17 ao mês, meu compadre. E na cola vai o resto, porque todo mundo é atrelado a eles, até vereador. É tudo a mesma descaração!

— Tá legal, mas esses deputados ainda não são os eleitos com Lula, são os mesmos do FHC.

— Não interessa! Maracutaia! Com um presidente desses, o que é que você quer? Três semanas de eleito e já tome-lhe maracutaia. Escuta o que lhe digo, esse país não toma jeito nunca, nunca vai mudar! A gente até que tenta ser otimista, mas não dá!