Ao me lerem, já não estarei mais aqui. Quero dizer, não no sentido que terá ocorrido aos mais sinistros entre vocês, mas no meramente geográfico. Estarei em Itaparica, onde, o Senhor seja louvado, ficarei nos próximos dias. Não se trata de férias. Sou o rei da culpa e, se tirasse férias agora, morder-me-ia de culpa, porque já passei semanas fora, bem verdade que por doença, mas ao legítimo neurótico culpado isso não faz a menor diferença; que não ficasse doente, nesse caso. Pois é, vou passar lá ainda não sei quanto tempo e, em mais um esforço de reportagem deste jornal, levarei o lepitope, para registrar os últimos acontecimentos na ilha e enviar sua narrativa a vocês, que, bem sei, vivem ávidos de saber o que acontece na Denodada Vila de Itaparica.
Minha maior preocupação, ao ultimar os empolgantes preparativos, tem sido o lapetope (acho que "lapetope" também é uma grafia razoável, em consonância com o brasileirês da maioria). Repilo gracinhas quanto a meu relacionamento com computadores, eis que sempre me dei muito bem com eles e, se faço um pequeno chiste aqui ou acolá (parêntese, parêntese mesmo, sem nada a ver com o assunto: vocês sabem direito o que quer dizer "algures" e o que quer dizer "alhures"? e "avatar", no duro mesmo? eu ontem, nas vascas da ignorância, telefonei ao erudito troveiro Geraldinho Carneiro, que me distingue com sua amizade, sem saber nenhuma das três — e ele também não sabia; quem souber aí até que podia pensar em ganhar algum tipo de prêmio, mesmo porque não adianta ir ao dicionário, que a gente esquece cinco minutos depois), se faço um pequeno chiste, dizia eu, é coisa de amigo, brincadeirinha afetuosa.
Quer dizer, bem verdade que o único lapetope que foi com minha cara foi um Toshiba do tempo em que a gente se gabava de ter um megabyte no disco e que rodava em DOS. Morreu de velho, um pouco deprimido, quiçá. Deixei-o em casa enquanto fazia uma viagem e, ao voltar, encontrei-o defunto, Deus o tenha, e me encho de melancolia em pensar que ele morreu porque sabia que estava sendo abandonado sem pena, me dá um certo remorso. Mas os outros, inclusive este, que chegou cheio de medalhas na embalagem e no gabinete, nunca me toparam muito. Este, outro Toshiba, tem uma pilha emocionalmente instável, que tanto pode esgotar-se em duas horas como em apenas 20 minutos. Eu vejo todo mundo que tem lapetope alegremente batucando sem estar ligado na tomada e, quanto a mim, faço isso aos sobressaltos, porque, nove entre cada dez vezes, ele me dá avisos escandalosos de que eu vou perder tudo em cinco segundos, apita, buzina e comete outras ações desagradáveis, tanto que nunca saio com ele. Só toco nele quando viajo e, assim mesmo, sem nenhuma intimidade, quanto mais afeto.
Viajo e passo vergonha. Bem verdade que a Telemar, aquela que dá saudades da Telerj em muitos de nós, é que hoje está por trás disso, porque me vendeu um tal sistema Velox, que acaba de sair do ar, embananando completamente um "download" que eu estava fazendo nele. Fui na conversa da Telemar, segundo a qual o dito Velox não pifa nunca, instalei o mencionado e eis-me cá com um lapetope perturbado da idéia e sem saber direito de que se trata, enquanto objeto. Agora que estava veloxado, perdeu o apetite para ligações discadas.
Espero que, depois de amanhã, quando desfraldar na ilha para cumprir o glorioso dever do jornalista, ele não venha com lérias.
Mas não será por ele que eu deixarei de manter vocês atualizados quanto às notícias da ilha. Nem só de Velox vive o computador do malandro (nem do otário, mas o otário, que nem eu, vai nessa) e, que é que vocês estão pensando, lá também deve ter Velox e alguns amigos meus na ilha têm computador, posso pegar uma carona. Como estará a popularidade de Lula na ilha, haverá sinais de que a lua-de-mel se acaba? A inflação, que costuma ser acicatada pelo afluxo de gente no verão, estará abrindo suas horroríficas fauces hiantes de dragão pantafaçudo (hoje eu estou com a macaca, dicionário, dicionário, dia de ginástica), assim deixando o mercado nervosíssimo? Quem vê Itaparica vê o Brasil, como diziam os antigos, e, se o Mercado da ilha ficar nervoso, o problema grassará indômito, tanto algures quanto alhures.
Sim, o Mercado Municipal Santa Luzia estará nervoso? Major continua com seu boné e seus robalos-de-pedra? Na verdade, devo defender meu amigo Major da solerte calúnia de que ele vende ubarana, um peixe que só tem espinha, dizendo que é um tal de robalo-de-pedra. Ele nunca faria isso, assim como é vil e mendaz (é isso mesmo, quem manda você não escolher suas leituras) a alegação de acordo com a qual Pretinho tem dois conjuntos de peso para a balança: os de comprar e os de vender. Os de comprar são um pouquinho mais pesados do que o normal, e os de vender mais leves. Assim, ele levaria alguma vantagem, na compra do peixe na mão do pescador e na venda ao freguês. Eu até entenderia isso, cada um se defende como pode neste mundo de meu Deus e roubar no peso e em outras coisas não devia ser privilégio das grandes indústrias e organizações. Mas Pretinho não faz isso, assim como mente aquele que diz que Güeba vende camarão na panela a fim de que ele não perca a água e fique mais pesado, tudo mentira. Mas uma coisa é a verdade e outra é o que pensam e falam os maledicentes.
É na convicção de que mereço a confiança de meus incontáveis leitores (ninguém sabe se é um, se são dois ou são três, varia muito de domingo a domingo) que prometo passar-lhes toda a verdade sobre os sucessos mais recentes aqui na ilha. Não ficarei, como todo mundo, sem fazer nada em janeiro. Se bem que mande a honestidade reconhecer que não sei se isto é uma promessa ou uma ameaça.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 12/01/2003.