A banana ameaçada

(João Ubaldo Ribeiro)

Éóbvio que Itaparica, embora sempre azafamada em seus próprios problemas, tais como saber se a maré enche ou vaza, acompanha de perto as questões nacionais e internacionais. Não temos perdido de vista, por exemplo, toda a embaraçosa série de acontecimentos no governo do Rio de Janeiro, envolvendo alegações de furto do dinheiro público. Contudo, não estamos muito apreensivos quanto a isso, porque sabemos que, como de costume e tradição, os eventuais culpados serão exemplarmente punidos e tudo o que surrupiaram voltará aos cofres públicos. Não é à toa que o governador Garotinho — perdão, a governadora Rosinha, volta e meia essas coisas do Sul do país confundem a gente — já fez e aconteceu e não cedeu ao primeiro impulso, que foi o de botar a culpa na sua antecessora. Não, não, trata-se, é claro, de obra do demônio e requererá pelo menos uns trinta pastores em uníssono para o competente exorcismo.

— Tudo bem — me disse Nilton Jornalista, enquanto saboreávamos umas coisas no bar de Espanha. — Sou até a favor do exorcismo, porque cria postos de trabalho e precisamos combater o desemprego, mas é assunto que qualquer boa rezadeira aqui da ilha resolvia em menos de cinco minutos.

Verdade, verdade, mas não somos de fazer alarde e, se homens ou mulheres de altíssimo coturno estão conduzindo as coisas desse jeito, não seremos nós que protestaremos, mas só agiremos se convocados, como manda a modéstia por nós tradicionalmente observada. A mesma coisa pode ser dita da reação pública, quando o ministro Amaral mencionou a possibilidade de uma bomba atômica brasileira. Ignorante ou burro é o brasileiro que, ao falar em radioatividade, não pensa em Itaparica, pois, em matéria de radioatividade, não há, como se sabe, quem nos supere. A notícia causou grande nervosismo no mercado local, a ponto de o preço do quilo de peixe subir para dez reais, com tendência de alta. E Jacó Branco, que guarda em casa uma garrafa de cerveja casco escuro, cheia de lama extra-radioativa tirada no correr de anos de trabalho, aqui da Coroa do Forte, me contou que já recebeu várias ofertas, inclusive do exterior, mas, patrioticamente, aguarda instruções de Brasília.

E por aí vamos, sempre atentos aos interesses nacionais. Tão atentos que esta coluna, vista como um porta-voz da ilha, foi solicitada a conclamar os brios nacionais sobre uma questão gravíssima, que ninguém fora da ilha parece estar notando, qual seja a da banana. É, eu sei, vocês provavelmente nem têm pensado nela, mas nós temos razão para crer que a banana, que sempre foi nossa, está sendo alvo de um ataque insidioso para tomá-la. Sem grande ênfase, de mansinho mas constantemente, notícias quanto à banana vêm sendo cada vez mais veiculadas, no que, exceto para os inconscientes e alienados, se configura grande probabilidade de estar-se armando um golpe internacional para seqüestrar a banana e tirar de nós qualquer controle sobre ela.

Começou na Europa, onde um assim-chamado especialista anunciou pelos jornais que, dentro de dez anos, não haverá mais banana em lugar algum do mundo. A banana, afirmou ele, está sendo vítima de fungos e outras pragas, que terminarão por bani-la de vez da face da Terra, a não ser que alguma providência seja tomada imediatamente. Não houve quem, aqui na ilha, não sentisse um peso no coração, notadamente o pessoal majoritário, cujas refeições são sempre castigadas na banana. E também os multifacetados consumidores e usuários da nutritiva quão versátil fruta que Carmen Miranda, símbolo nacional, usava na cabeça. Em suma, vocês, fora da ilha, podem não saber de nada, mas nós aqui enxergamos longe e é nosso dever alertar o país: a banana está na mira da bandidagem internacional e, se afrouxarmos a atenção, terminaremos por ter grandes problemas bananosos.

As peças vão se juntando. Programas de TV se dedicam (se vocês aí não viram, não é culpa nossa; tem muita gente que, inconscientemente, evita pensar na banana) a entrevistar bananólogos, anunciam-se novas variedades de banana, enfim, faz-se em torno da banana um movimento insidioso, que não tem nada a ver com a realidade da fruta, mas com interesses escusos de seus exploradores. Inocentes úteis, vocês todos. Vão deixando que a gringalhada, que nunca entendeu nada de banana a não ser para comê-la in natura ou usá-la de outras maneiras, pois se trata de uma fruta Bombril, de mil e uma utilidades, tome conta da banana. Quando vocês acordarem, será tarde. A banana terá sido patenteada e, cada uma delas, cada penca, cada cacho, cada pé, pagará royalties aos patenteadores. A banana, como tantas outras vítimas de incúria, já não será mais nossa, será das multinacionais.

Mas, felizmente, o Brasil novamente contará com Itaparica. Vários dos nossos cidadãos, entre nativos e adotados, vêm assumindo posições firmes na defesa da banana brasileira. Não há quem não planeje ter ao menos um pé de bananeira (eu tenho), no quintal. A nossa banana não sucumbirá, a despeito da pesada campanha contra ela, que já começaram. Debatido o tema aqui no Largo da Quitanda, podemos dizer que, apesar da natural tensão que esse tipo de coisa gera, nossa banana estará garantida. Mesmo que o imperialismo das nações desenvolvidas venha a triunfar em outras plagas, a banana local prevalecerá. Se a banana brasileira sumir, Itaparica será exceção e quem quiser banana poderá ser atendido aqui na ilha sem dificuldade. Fora com esse papo de extinção da banana, a que ponto eles querem que a gente desça? Aqui para eles, é o que diz e mostra a ilha.