A solucionática num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Não, tu tá enganado, não tem nada disso, tu tá levado por esse clima de histeria geral, tu é mais uma vítima da mídia.

— Qual é vítima da mídia, cara, tu tá nessa de botar a culpa na imprensa pelo que acontece? Tu vai negar que a vida aqui tá insuportável?

— Tá insuportável por quê?

— Tu já tá de porre, só pode ser. Tu não tem lido jornal, não tem visto noticiário na televisão?

— Claro que não, eu sou maluco? Maluco é que vai ler esses negócios no jornal e depois ficar sem poder dormir. Eu não, eu...

— Mas tu não tá vendo que só dá violência, gente inocente morrendo o tempo todo, ônibus incendiados, as pessoas com medo de sair na rua...

— E nós não tamo aqui, no mesmo boteco há mais de 20 anos? Que 20 anos, bote ano nisso, deve ter mais de 30. Nós hoje não chegamos aqui na mesma hora, pedimos a mesma coisa, encostamos no mesmo lugar...

— É, mas tu sabe que não é bem assim, tá todo mundo sujeito a tomar um tiro em qualquer lugar.

— Faz parte! As pessoas não querem compreender! Que é que tu queria, queria ver gente com cadeiras na calçada, batendo papo de pijama, como em novela de antigamente? Tu é que tá de porre, não tem mais essa em lugar nenhum. Só em cidadezinha do interior, sem nada pra fazer e todo mundo enchendo a caveira para passar o tempo e falando mal da vida alheia. Isso é tempo antigo, cara, não tem mais essa, o problema é que as pessoas não querem se adaptar à nova realidade, a nova realidade é essa que tá aí. Esquece essas frescuras, nós tamos, aí eu aceito se tu disser, nós tamos é vivendo um período de transição. Quando acabar a transição, tu vai ver, fica tudo ajustado.

— Não tou vendo transição nenhuma. Ou, por outra, tou vendo, sim, transição pra violência total, tudo sem lei.

— Aí é que tu te engana. Tu não tá notando a ação do governo? Esse governo está vendo as coisas dentro da realidade. É porque os velhos vícios são difíceis de abandonar, mas as coisas tão mudando.

— Pra mim o governo só existe pra arrecadar imposto e multar.

— Derrotismo fora da moda, cara, isso é uma visão do passado. O governo tá adotando uma visão moderna do assunto. Tu tem visto as reuniões, tu não diz que lê jornal? Eu não leio, mas tá todo mundo sabendo das reuniões.

— Pois é, reunião, reunião, toda hora uma reunião nova. Eles se reúnem, xingam os bandidos, dão declarações e vai ficando tudo por isso mesmo.

— Não fica nada por isso mesmo, é que o nosso povo ainda está atrasado, ainda não aprendeu que o governo moderno se faz com base nas reuniões. As reuniões vão evoluir, estão precisando evoluir, vão evoluir.

— Evoluir como? Reunião é reunião, muito papo e nada de solução.

— É porque a evolução ainda não aconteceu. Que é que as autoridades estão dizendo? Estão dizendo que os bandidos estão fazendo essas badernas todas porque estão desorientados, sem liderança, estão sendo combatidos e sem chances para serem ouvidos, sem diálogo. Quer dizer, vamos reconhecer, os bandidos estão carentes, magoados, ninguém pode viver assim, é natural que eles reajam. Tem que se adotar uma abordagem nova, com bandido carente não se chega a lugar nenhum.

— Quer dizer que você acha que o governo deve pegar os bandidos e começar a botar no colo?

— Sem essa de ironia besta, cara, não é frescura, são os novos tempos. Pode escrever aí, pode anotar, que tu vai ver como vai acontecer. No dia em que os bandidos puderem mandar seus representantes às reuniões, a coisa vai mudar, mas vai mudar muito!

— Bandido em reunião do governo? Nunca ouvi maluquice mais completa!

— Preconceito, atraso! Tem que ter a visão nova dos tempos, cara. O bandido é parte da nossa realidade, não adianta tapar o sol com uma peneira. Você tenta combater com os velhos métodos, o que acontece? Acontece isso que tá acontecendo aí e vai piorar. Agora, chame os bandidos para as reuniões, mandem eles nomearem seus representantes. Bandido também tem direito a cidadania, cara!

— Não esculhambe, não, tu tá querendo bandidagem participativa?

— E por que não? São os tempos, cara, são os tempos! Tem que ouvir o que eles têm a dizer. Isolando é que não se chega a nada, só provoca o ressentimento e piora a situação. Tem que revolucionar a visão do panorama, tem mesmo que entrar nos novos tempos. A realidade aqui é que os bandidos mandam talvez na maior parte da cidade. Que é que vamos querer, que mandem nela toda? Não, senhor, vamos negociar, vamos incorporar a contribuição que eles podem dar, tem que ter uma visão construtiva, tu vive na antiguidade. Não é crime organizado? Então aproveita e organiza logo tudo. Garanto que a situação melhora imediatamente, assim que eles tiverem a responsabilidade deles. Já pensou quando o bandido recuperar sua auto-estima, tiver seu lugar reconhecido na sociedade? Eles mesmos vão ser os primeiros a enquadrar os que não concordarem.

— Matando todo mundo.

— Tu continua por fora. Matando nada, cara, muito pior, mandando pro Nordeste. Tu não já sacou a nova solucionática? Quem se rebelar vai pro Nordeste! Já está na hora do Nordeste parar de chupar o sangue do país e dar sua contribuição a nosso desenvolvimento. Ao contrário de você, eu acredito em meu país e em meu governo!