Como todo jornalista moderno que viaja, também sou feliz proprietário de um intimorato lapetope, um computadorzinho fantástico, capaz até de mais gracinhas do que o grande, se bem que seja menos poderoso. Tenho orgulho disso e, sempre que posso, faço uma referenciazinha aparentemente casual a ele, mas, na verdade, fico esperando o momento certo, para que a afirmação tenha o efeito desejado. Nunca tem nenhum, mas eu sempre tento e um dia, sabendo-se que “quem perseste vence”, no feliz dizer de meu extinto amigo Luiz Cuiúba, haverei de ver meu lapetope devidamente festejado, aplaudido, admirado e invejado.
Já tive diversos e não posso dizer que tenho saudade de nenhum. A gente encontra dificuldade em perdoar a traição e todos eles, invariavelmente, me traíam, embora sempre achassem quem os desculpasse, botando a culpa nos provedores. Pode até ser que tenha sido culpa dos provedores, mas o vergonhosíssimo fato é que nunca consegui mandar nada do exterior para o Brasil via lapetope, a não ser gastando uma fortuna em discagem direita internacional. Diversos de vocês certamente riram piedosamente agora, achando que eu estou mal informado sobre como se faz isso, não conheço cybercafés e outras facilidades e nem amigos com computador tenho no estrangeiro. Já usei isso, mas o lapetope mesmo, que é o chique, tipo hollywoodiano, nunca funcionou.
Uma vez meti na cabeça, contra todas as evidências em contrário, que o lapetope estava conseguindo conectar-se diretamente ao Brasil, sem DDI, e mandei brasa. Botei toda a correspondência em dia, escrevi não sei quantos artigos e crônicas, fiquei o rei da cocada preta, até o dia em que descobri que a gerência do hotel onde eu estava, em Barcelona, era composta de homens sensatos, prudentes e caridosos. Quando eu passava pela portaria, um deles veio a meu encontro discretamente e me perguntou se eu estava usando a internet em meu quarto.
— Por supuesto, naturalmente — respondi com a melhor cara de James Bond que pude fazer.
— Ah, sim — disse ele, com a expressão curiosamente comiserada de quem lida com um louco destrambelhado.
Fiquei desconfiado e, suando na testa, olhei minhas contas telefônicas, que já superavam em muito o PNB da Libéria e que, mesmo que eu passasse o resto da vida escrevendo best-sellers, dificilmente ia conseguir pagá-las e comer ao mesmo tempo — e isso quando não havia Fome Zero, ou seja, a fome não tinha sido oficializada ainda. Pálido, sem saber o que dizer, passei um dos poucos momentos em que colhi frutos de minha glória literária. O hotel me conhecia de nome. Na verdade, alguns funcionários já tinham até lido livros meus e gostado. Portanto, acrescentou ele, enquanto eu sentia a cadeira afundar e rezava para meu cartão de crédito continuar em dia, iam compreender minha “distração de poeta” e me dariam — juro que estou contando a verdade — 80 por cento de desconto, iam praticamente fingir que eu não havia usado a internet, sabiam que era um absurdo e que se tratava de um engano honesto. Mas eu, é claro, lhes prometeria que não usaria mais o desgraçado do lapetope, que, aliás, só não joguei depois pela janela para não correr o risco de matar alguém e estragar tudo.
Quase ajoelhei-me de gratidão, fiz uma autocrítica de orgulhar qualquer stalinista veterano e deixei de me dar imediatamente com a nefanda máquina, que felizmente já tinha encerrado sua “utilidade”, naquele fim de viagem. Cheguei aqui e dei-a de presente a um amigo que hoje, com toda a razão, não deve gostar mais tanto de mim quanto gostava, apesar de eu tê-lo advertido sobre o potencial nocivo do repugnante aparelho. Fiz um voto de arranjar uma dessas contas itinerantes e procurar sempre um cybercafé ou um computador do hotel mesmo, ou ainda de um amigo. O problema é que esses computadores têm teclados diferentes dos nossos e não entendem algumas letras e sinais portugueses, de maneira que, para escrever uma crônica, suando e dando risadinhas amarelas, pode levar mais de um dia. E não é, claro que não é, igual, por exemplo, àquele americano detestável pitando um cachimbo e escrevendo num café em Paris, até porque as pilhas dos outros lapetopes duram o dia todo, mas as minhas começam a acender luzinhas e anúncios alarmistas depois de no máximo meia hora.
Houve um, já finado (morte natural; amanheceu morto, deve ter sido de desgosto que lhe dei), que chegou a funcionar de fora do Rio de Janeiro, mas não de fora do Brasil, de onde nunca mais tive coragem de tentar sem dispor (e sempre precisar) de uma alternativa. Ele funcionava a partir de Itaparica, era uma maravilha. Eu o punha na varanda, ligava e parecia que estava no meu gabinete de trabalho, era uma tranqüilidade, mas somente de Itaparica. Suspeito que foi produzido por alguma indústria informática instalada na Bahia e nem assim confio nele para grandes viagens.
Desta vez, contudo, vou confiar. Sou um homem ou sou um rato? Não respondam a esta pergunta, mas vou confiar. Bem verdade que estarei na Suíça e não na Espanha, e são povos de temperamento diferente, além de eu não confiar tanto assim no meu leitorado suíço. Mas vou perguntar quanto devo, logo depois de fazer uma ligaçãozinha experimental bem curta. Aí me manco logo, não espero desconto nenhum, nem tenho conta na Suíça. E não uso lapetope nenhum, passo vergonha outra vez. Mas não se preocupem, mando as crônicas por telegrama, como faziam no meu tempo de menino. Sai mais barato do que neste amado lapetopezinho aqui, que agora preparo com carinho para a viagem, com a certeza de que pelo menos um adaptador de tomada essencial eu vou esquecer, eis que isto é também parte de minha especialidade.
Esta crônica foi publicada pelo jornal O Globo em 08/06/2003.