Dia dos pais num boteco do Leblon

(João Ubaldo Ribeiro)

— Que é isso, cara, tomando remédio novamente? O Soares tem razão, tu é do tipo que entra na farmácia, pergunta quais são as novidades e aí compra uma de cada. Pára com isso, cara, tu não já me contou que toma oito bolas no café da manhã, tu acha pouco?

— Tomo, mas é tudo receitado, não tem nada desse negócio de comprar as novidades, o Soares gosta muito de falar, ele até toma mais remédio do que eu. Eu tomo um pra afinar o sangue, outro pra baixar o colesterol, outro pra controlar a pressão, outro pra segurar a ansiedade, outro...

— Tou sabendo, tou sabendo. Depois de certa idade é um festival de remédios, eu mesmo não posso falar muito, mas só tomo cinco. Você... E esse também é receitado?

— Não, esse não é. Quer dizer, é como se fosse. Quem me indicou foi o Dodô da farmácia, tu conhece o Dodô, ele tem mais de 40 anos de balcão de farmácia, conhece mais do que muitos desses médicos aí, que nem estetoscópio sabem usar. Ele falou que é tiro e queda. Eu boto muita fé no Dodô. É por isso que eu tou tomando com chope. Ele falou que não tem essa frescura, pode tomar com chope mesmo, é tiro e queda!

— Tiro e queda de quê?

— Pra esvaziar o estômago! Ele diz que o cara pode comer uma feijoada, tomar um treco desses e partir pra outra uma ou duas horas depois. Como eu ainda tenho quatro horas, tou no lucro folgado.

— Esvazia o estômago? Com certeza? Deixa eu ver aí. Esvazia o estômago, não é?

— Não já falei que é tiro e queda? Esvazia numa boa.

— E pode tomar antes?

— Antes de comer? Pode, o Dodô falou que é até melhor, vai logo esvaziando tudo.

— Tu deixa eu tomar um? Não, sem brincadeira, tu me dá um?

— Dar, eu dou, mas pra que é que você quer? Não vem dizer que tu também tem o brequefeste! Isso foi bolação da Zenilda pra me sacanear.

— Brequefeste? Brequefeste igual a americano? Não, eu como pouco de manhã, muito mal um café e umas bolachinhas.

— Então tu não precisa, tu tá com tudo e não sabe. Eu encaro o brequefeste todo dia dos pais, meu camaradinha, não é moleza, não. Tu sabe que eu tou no quarto casamento, não sabe? E não tive filhos no segundo, Deus é grande. Eu conheço gente que vai à churrascaria com duas ou três famílias, inclusive as mulheres e os namorados das mulheres, mas eu não dou essa sorte, as minhas nem namorado arrumam. Tu sabe que a Zenilda não vai com os cornos da Ivete, uma vez já saíram até no braço, você sabe, foi ali mesmo. Sobrou até pra mim, que fui desapartar e tomei uma bolacha na orelha, até hoje dói quando eu pego aqui. E a Zenilda é nordestina, tu sabe como é. O brequefeste tem tudo, beiju, mingau, cuscuz, pamonha... E eu tenho que pegar firme, senão vem chororô e esbregue na frente das crianças, é um inferno.

— Me dá um, me dá um.

— Mas pra que você quer, não vá me dizer que encara um brequefeste também.

— Não, mas você se esquece que eu tenho três casamentos, tá lembrado?

— É verdade, e filhos nos três, é verdade, cara, é uma barra!

— São três churrascarias! Uma por volta das duas, outra por volta das cinco e outra por volta das nove. Bem verdade que eles não pegam no meu pé pra eu me empanturrar, mas eu tenho que manter as aparências. Pode tomar com uísque, não pode?

— Quer que eu consulte o Dodô? Ele ainda está lá.

— Não, não precisa, passa pra cá um. Se não quiser dar, eu pago.

— Deixa de besteira, cara, tu tá cansado de saber que não é isso. É que remédio com uísque...

— Não pode tomar com chope? É a mesma coisa, só que a quantidade de álcool é maior.

— Tu tá é com medo do Dodô dizer que não pode.

— Eu sei que ele vai dizer que pode, passa pra cá. Pronto, tudo bem, com uísque e tudo.

— Sim, e qual é essa do uísque? Tu resolveu abandonar o chope?

— Não é isso, é que chope enche demais. Uísque é melhor pra abrir o apetite. Dia dos pais é uísque.

— Pensando bem, você tem razão. Eu vou trocar esse chope por uísque. Ô Mandacaru, leva esse chope e me traz um uísque! Duplo! Eu odeio os caras que inventaram esse negócio de Dia dos pais, Dia das mães, dia de não sei o quê, só serve para dar aporrinhação.

— E despesa! Esse miserável desse português cobra uma nota por uma dose desse uísque paraguaio. Pois é, até minha conta de boteco vai subir.

— Tu já tá no cheque especial?

— Pode dizer que eu já tou residindo lá, não consigo me livrar.

— Eu também. E todas as minhas mulheres fazem questão de que cada filho me dê um presente.

— As minhas também. Aí já viu, não é? Eu não quero presente nenhum, não quero comprar nada, mas tenho de morrer na grana.

— É isso mesmo, podia ser pior. A gente podia não ter cheque especial.

— Pois é, é a vida, não tem que se queixar, é o carma. Vamos fazer um brinde. Parabéns pra você pelo dia de hoje.

— Muito obrigado, parabéns pra você também. Me diz uma coisa, uísque em cima de pamonha não faz mal, não, não é?