
PANTANAL

FAUNA
A
alternância de longas estiagens e de grandes enchentes é o mecanismo regulador
que exerce um perfeito controle sobre a atividade da maior parte dos abundantes
seres vivos que habitam o Pantanal, que possui a maior concentração de fauna
das Américas tanto quanto as formas, como ao número de indivíduos.
As
aves, especialmente as aquáticas, são as mais adaptadas às condições ambientais
da região do Pantanal. Devido a sua
grande facilidade de deslocamento podem aproveitar ao máximo os ciclos de
"enchentes" e "vazantes". As variações climáticas e
hidrológicas do Pantanal determinam o comportamento alimentar e reprodutivo,
não apenas das aves, como de toda a fauna. Os fatores que condicionam o período
de reprodução são principalmente a disponibilidade de recursos alimentares e de
sítios de nidificação.
No
período de "vazante", quando as águas voltam aos leitos dos rios,
ocorre a saída do peixe jovem, dos campos para os rios. Como nem todo peixe
consegue sair, formam-se concentrações dos mesmos nos remanescentes corpos
d'água pouco profundos. Neste período se dá a chegada das aves aquáticas. A
grande quantidade de peixe em águas rasas, fáceis de capturar, garante a fonte
protéica necessária ao desenvolvimento do ciclo reprodutivo. A vegetação alta
da margem das lagoas oferece local apropriado para nidificação. Estabelecem-se
então os chamados "viveiros"
ou "ninhais" compostos por
cabeça-secas Mycteria americana, garças
brancas Casmerodius albus e Egretta
thula, colhereiros Ajaia ajaja, maguaris
Ardea cocoi, socozinhos Butorides striatus. Estes viveiros, entretanto, não são
constituídos exclusivamente por aves, mas também por outros organismos, presas
e predadores como o caracará Polyborus
plancus, o urubu-comum Coragyps atratus, o bugio Alouatta caraya, o macaco-prego Cebus apella e a cobra sucuri Eunectes
noctaeus., dentre outros. Quando o
rio Paraguai transborda e inicia a "enchente" da grande planície
pantaneira, a fauna não migratória procura as terras altas como refúgio, os
peixes entram nos campos inundados, nos chamados corixos e baías à procura de
alimento e lugares apropriados para desovar.
As aves migratórias abandonam a região.
O
Pantanal é um paraíso para os ornitologistas e para os observadores de
pássaros. Ver e fotografar belas aves aquáticas e paludícolas não é difícil
nesta região. Desde a maior cegonha do mundo, símbolo do Pantanal, o tuiuiú ou
jaburu Jabiru mycteria cuja figura
sonolenta, descansando sobre somente uma perna, faz parte integrante da
paisagem pantaneira, até as pequenas jaçanãs Jacana jacana que não param de mover-se sobre plantas aquáticas
capturando insetos, e aos milhares de garças Casmerodius, Egretta, Pilherodius, colhereiros Ajaia ajaja, martins-pescadores Ceryle,
Chloroceryle, cabeças-secas Mycteria
americana, patos Cairina e marrecas
Dendrocygna. Ao lado destas aves aquáticas, numerosos gaviões Polyborus, Busarellus, Rosthramus, papagaios
Amazona, arara-azul Anodorhynchus, araras e maracanãs Aram,
tucanos Ramphastos e um sem número de
passeriformes, como o joão-pinto Icterus,
o verão Pyrocephalus, japu Psarocolius, o cardeal e o galo de
campina Paroaria que enchem de sons e
cores as terras pantaneiras.
Nas
áreas de cerrado e campinas encontramos a ema Rhea americana, maior ave do continente americano, parente próximo da
avestruz, que, impossibilitada de voar, desloca-se andando ou correndo. Também observamos a seriema Cariama cristata que apesar de poder voar, prefere correr sempre que pode. Aliás, a
própria morfologia dessas duas grandes aves bem demonstra o pendor pela
corrida, possuindo corpo esguio e pernas compridas.
Ocupando
as densas matas de galeria que se estendem na beira dos rios, encontramos o
maior mamífero do Brasil, a anta Tapirus
terrestris. Vivem também nas
proximidades dos rios, dois roedores; a paca Agouti paca, com hábitos noturnos, e a cutia Dasyprocta aguti, com hábitos diurnos e por isso mesmo mais
freqüentemente observada. O quati ou
coati Nasua nasua anda em bandos;
habita diferentes comunidades e possui dieta extremamente variada.
Sobre
as árvores das matas de galeria vivem pequenas comunidades de macaco-prego Cebus apella que tem esse nome porque o
macho possui pênis longo e delgado parecendo um prego. Outro símio encontradiço no Pantanal é o
bugio ou guariba Alouatta caraya que
freqüenta o topo das árvores mais altas. É corpulento, pesando mais de 8 quilos
e o macho mais velho, o "capelão" lidera um bando de uma dezena de
indivíduos. Todas as manhãs, os bugios demarcam seus domínios emitindo sons
como se estivessem soprando em garrafas vazias. O bugio é caracterizado anatomicamente pelo grande
desenvolvimento do osso hióide, que funciona como uma caixa de ressonância,
propiciando que seu ronco de baixos profundos ecoe a grandes distâncias.
Entre
os felinos encontramos a jaguatirica Felis
pardalis, a suçuarana ou onça-parda Felis
concolor e o magnífico jaguar ou onça-pintada Panthera onca, outrora abundante, atualmente ameaçada de extinção,
vítima de muitos anos de perseguição por caçadores. Alguns fazendeiros ainda abatem os derradeiros espécimes de
jaguar-canguçu, argumentando que o imponente felino ataca o gado.
Os
varrões, campos encharcados cuja característica é a palmeira buriti Mauritia flexuosa, são, por excelência,
o habitat do cervo-do-pantanal Blastocerus
dichotomus, o maior e mais belo cervídio da América do Sul. Apesar de protegido, por estar a muito tempo
relacionado entre as espécies ameaçadas de extinção, a população do cervo tem
se reduzido a cada ano, pois têm sido vítimas de enfermidades transmitidas pelo
gado bovino, como a brucelose e a febre aftosa.
Outra
espécie muito abundante e típica na região é a capivara Hydrochoerus hydrochaeris, o maior roedor do mundo. Vivem em grupos
de 10 a 20 membros e alimentam-se de gramíneas e plantas aquáticas. Com seus
pés palmados, nadam bem e, para escapar aos predadores, permanecem submersas
até 10 minutos. São perseguidas pelos fazendeiros por destruírem as roças e
consideradas portadoras e transmissores do "mal das cadeiras" causado
pelo Tripanossoma equinum, doença que
ataca os cavalos.
Os
jacarés Caiman yacare são abundantes.
Praticamente não existe lago, baía ou banhado sem jacaré; as cavas ao longo das
rodovias estão repletas deles e nas margens dos rios, os vemos correndo e
mergulhando rápido, quando nos aproximamos com o barco. É freqüente
atravessarem as estradas onde algumas vezes são atropelados. À noite pelo
reflexo da luz de uma lanterna ou farol, os olhos dos jacarés salpicam as
lagoas com centenas de pontos luminosos de cor vermelha.
Apesar
da maioria dos fazendeiros respeitar o jacaré, pelo fato dele ser o predador
natural das piranhas, milhares ou milhões destes sáurios são abatidos
anualmente por caçadores clandestinos conhecidos por "coureiros". As
peles são contrabandeadas através do Paraguai e Bolívia. Embora esta atividade tenha diminuído nos
últimos anos, a vastidão da área, a fiscalização precária e a sólida
organização dos caçadores e comerciantes ilegais, torna difícil coibir a ação
das quadrilhas.
É
riquíssima a fauna ictiológica dos rios do Pantanal, que estão incluídos entre
os mais piscosos do mundo e onde já foram identificadas 263 espécies de peixes.
Entre
os caracídeos, peixes de escamas, que possuem orientação visual e têm hábitos
diurnos destaca-se o dourado Salminus
maxillosus que pode chegar a 30 quilos e é considerado pelos pescadores
esportivos como o "rei do rio" devido à valentia que exibe ao ser
fisgado, procurando, com grandes saltos fora d'água desvencilhar-se do anzol.
Abundantes, são o pacu Piaractus
mesopotamicus e o pacupeva Mylossoma
orbignyanum, peixes com forma
arredondada, que gostam de comer os frutos silvestres das figueiras, ingazeiros
ou gameleiras existentes às margens dos rios. Sua carne é muito apreciada pelos
pantaneiros. Encontramos ainda, com escamas, a piraputanga Brycon hilarii, a curimbatá Prochilodus
lineatus, o piau, a piava e o piavuçu Leporinius
sp., o lambari gêneros Astinanax e
Tetragonopterus entre muitos outros. Há alguns anos foi introduzido no
Pantanal norte, um peixe originário da bacia amazônica e que não havia no Pantanal,
o tucunaré, belo e valente como o dourado, e por isso, muito apreciado pelos
aficionados da pesca esportiva.
Numerosas
são as narrativas de naturalistas, pescadores e pantaneiros, relatando
acidentes provocados pela piranha, terríveis peixes carnívoros que apresentam
ferocidade e voracidade incomuns, com o trabalho sangrento de seus dentes que
parecem tenazes e navalhas ao mesmo tempo. Os rios alagados, baías e corixos do
Pantanal estão infestados de piranhas, que também são caracídeos e se assemelham
aos pacus. Dizem que o caldo de
piranha, prato típico da cozinha pantaneira, é afrodisíaco. As espécies mais
comuns são a piranha-preta ou piranha-vermelha Pygocentrus piraya que pode atingir 35 cm e na verdade é uma
piranha amarela que muda de cor e a piranha-branca Serrassalmus brandti.
Entre
os siluriformes, estão as verdadeiras majestades aquáticas do Pantanal. São os
chamados peixes de couro, que não possuem escamas e geralmente ostentam
barbilhões junto à boca. Têm hábitos noturnos e se orientam principalmente
através do olfato e do gosto.
Destacam-se o jaú Pauliceia
luetkeni que pode pesar mais de 100 quilos e o pintado ou surubim-pintado Pseudoplatistoma coruscans, que possui
carne saborosa e pode atingir, em geral, até 25 quilos. Semelhante ao pintado,
porém apresentando o corpo com estrias negras em vez de pintas, o cachara ou
surubim-cachara Pseudoplatistoma
fasciatuin. Ainda entre os siluriformes: o barbado Pinirampus pirinampus, o jurupensen Sorubim lima, o jurupoca Hemísorubim
platyrhynchos, o palmito Ageneiosus
brevifilis, o lindo bagre ou mandi amarelo Pimelodus clarias e o cascudo Liposarcus
anisitsi, com o corpo recoberto de placas ósseas.
De
particular interesse são as pirambóias Lepidosiren
paradoxa, peixes pulmonados, considerados fósseis vivos, dos quais só
existem quatro espécies no mundo, uma na América do Sul. Merecem destaque ainda
alguns pequenos peixes apreciados por aquariofilistas como o mato-grosso Hyphessobrycon eques e o tetra-negro Gynmnocorymbus
ternetzi.
Na
estação chuvosa, as espécies mais procuradas deixam os rios e vão para as áreas
inundadas, onde há muito alimento. No final de abril, quando as chuvas se
tornam menos freqüentes e as águas começam a baixar, voltam aos rios novamente,
sinal evidente de que as chuvas teminaram. Inexplicavelmente, pois a desova só
vai ocorrer meses mais tarde, onde diversas espécies de peixes reunindo-se em
vastos cardumes começam de novo a nadar rio acima. Os cardumes são tão
extensos, densos e dramáticos que podem ser ouvidos chapinhando a grandes
distâncias. O fenômeno é conhecido no Pantanal como lufada, pois quando aparece
um cardume na curva do rio, a água aparece açoitada por um temporal. A
superfície fica fervilhando de peixes e milhares de lambaris, curimbatás,
piavas, piavuçus, dourados, peixes-cachorros e piraputangas saltam nas águas,
irradiando um brilho de ouro e prata nas rápidas trajetórias pelo ar. Não
confundir com a piracema, que ocorre na época da reprodução (novembro a
fevereiro) quando cardumes sobem os rios, transpondo as corredeiras aos saltos,
para desovarem nas águas calmas das cabeceiras.
Na
estação das secas os fazendeiros locais costumam atear fogo nas pastagens
ressecadas. Quando eclodem as chuvas,
as cinzas depositadas sobre a terra são arrastadas para os rios. Essa mistura de cinza e terra é muito rica
em soda cáustica e acaba por envenenar cardumes inteiros de peixes em questão
de horas. A este fenômeno o pantaneiro
dá o nome de dequada.
A
exploração racional do esporte da pesca no Pantanal representa uma
significativa fonte de renda, através do turismo. A pesca esportiva realizada
com o caniço e anzol está regulamentada pelas autoridades federais e não
representa maiores perigos para a fauna ictiológica do Pantanal, sendo até útil
no sentido de promover uma espécie de desbaste dos cardumes, retirando os
peixes de grande porte e oferecendo aos menores maiores possibilidades de
crescimento. O mesmo não se pode dizer da pesca predatória, onde inescrupulosos
pescadores profissionais, sem obedecer a períodos de produção, tamanho mínimo
dos peixes e utilizando equipamentos proibidos como espinhéis, redes, tarrafas
e até explosivos, retiram diariamente dos rios pantaneiros muitas toneladas de
peixes. A diminuição sensível dos peixes, principalmente do dourado, já se faz
sentir, em muitos pesqueiros outrora famosos pela sua piscosidade, como os do
rio Taquari.
Carlos Ravazzani
E-mail: info@megavision.com.br