sono e vigília

Sono e Vigília
(noite e dia)
Todos os mamíferos e outras espécies de animais necessitam revezar estágios de sono e vigília em períodos regulares, a fim de repor, segundo alguns neurologistas, os depósitos de glicogênio nas células gliais que sustentam os neurônios. Isso ocorreria durante o sono profundo, quando não há uma manifestação especial da consciência, chamada sonhos. Estes acontecem nos momentos em que são observados os movimentos rápidos dos olhos (da sigla inglesa REM). Poetas, filósofos e cientistas sempre tiveram muito que falar dos sonhos. Um dos casos exemplares da atividade da consciência durante os sonhos foi a descoberta da estrutura do anel de carbono que compõe o benzeno feita pelo químico alemão Friedrich August Kekulé von Stradonitz (1829-1896). Kekulé afirmou ter sonhado antes com uma cobra mordendo o próprio rabo um dos símbolos universais do psicanalista suíço Carl Gustav Jung (1875-1961). Para Freud, os sonhos eram uma tentativa de aliviar a tensão emocional de quem dorme, havendo dois significados: um óbvio apresentado pelo conteúdo evidente do sonho e outro latente da ação do inconsciente, geralmente associado à repressão sexual. Também os sonhos serviram como uma das etapas do argumento de Descartes para a prova da existência de seu cogito. Já o filósofo cético romeno Émile Michel Cioran (1911-1996) considerava os sonhos um desgaste para o pensamento.

Se pudéssemos conservar a energia que prodigamos nessa sucessão de sonhos realizados noturnamente, a profundidade e a sutileza do espírito alcançariam proporções insuspeitáveis. O argumento de um pesadelo exige um desgaste nervoso mais extenuante que a construção teórica melhor articulada. Como, após o despertar, recomeçar a tarefa de alinhar idéias quando, na inconsciência, estávamos imersos em espetaculos grotescos e maravilhosos, e perambulávamos através das esferas sem o obstáculo da antipoética Causalidade? Durante horas fomos semelhantes a deuses ébrios e, subitamente, quando os olhos abertos suprimem o infinito noturno, temos que voltar a enfrentar, sob a mediocridade do dia, uma porção de problemas incolores, sem que nos ajude nenhum dos fantasmas da noite. A fantasmagoria gloriosa e nefasta terá sido então inútil; o sono nos esgotou em vão. Ao despertar, outro tipo de cansaço nos espera; mal tivemos tempo para esquecer o da tarde e eis-nos enfrentando o da aurora. Esforçamo-nos horas e horas na imobilidade horizontal sem que o cérebro aproveitasse absolutamente nada de sua absurda atividade. Um imbecil que não fossse vítima deste desperdício, que acumulasse todas as suas reservas sem dissipá-las em sonhos, poderia, possuidor de uma vigília ideal, desvendar todos os segredos metafísicos ou iniciar-se nas mais inextricáveis dificuldades matemáticas.
Depois de cada noite estamos mais vazios; nossos mistérios, como nossas mágoas, fluíram em nossos sonhos. Assim, o labor do sono não só diminui a força de nosso pensamento, como também a de nossos segredos... (CIORAN, E.M. Breviário de Decomposição, Esgotamento por excesso de sonhos).
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Imagem: GOYA, O Sonho. National Gallery of Ireland, Dublin. |

