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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA |
Segunda Unidade - SÉCULO XVIII: | |
As experiências óticas de Isaac Newton sobre a refração da luz simbolizam o início de uma nova era da história da filosofia. Elas marcam uma nova postura diante dos fenômenos naturais e do interesse intelectual pelo desenvolvimento de uma sociedade formada por cidadãos capazes de tomar decisões por si mesmos fazendo uso da razão e de uma concepção otimista do entendimento humano. Filósofos e intelectuais interessados por todas as áreas do conhecimento, procuravam avançar as descobertas e idéias lançadas no século XVII. De um modo geral partilhavam a crença de que a investigação da natureza e a difusão de novas idéias que esclarecessem as superstições de uma tradição ultrapassada poderiam emancipar os seres humanos e lhes trazer maior felicidade. O Esclarecimento ou Iluminismo recebeu esse nome por representar um movimento que pretendia acender uma luz sobre o conhecimento obscurantista do passado. Tudo por meio de dois ingredientes que constituíram todo o sucesso das descobertas de Newton, Razão e experiência. A humanidade atingiria assim sua Idade da Razão, em oposição à Idade das Trevas medievais. Um projeto tão ambicioso como este envolveu intelectuais na França, Alemanha, Escócia e Inglaterra. E embora tivesse contado com apoio de alguns monarcas, déspotas esclarecidos, também provocou a ira de reis absolutistas, sobretudo os franceses, que se mantinham ligados ao Antigo Regime sustentado na autoridade divina, no apoio da Igreja e em uma remanescente nobreza feudal. Os ideais de liberdade e direito fundados na Razão atravessaram o oceano Atlântico e deflagraram a era das revoluções com a iniciativa dos colonos norte-americanos em proclamarem sua independência da coroa britânica. Em breve, a França repetiu a revolta contra a opressão lançando as bases da era contemporânea sobre os escombros da Bastilha. Nomes como os de Gottfried Wilhelm Leibniz (1644-1716) e Immanuel Kant, na Alemanha; Charles Louis de Secondat (barão de La Brède e de Montesquieu, 1689-1755), François-Maire Arouet (o Voltaire, 1694-1778) e Denis Diderot (1713-1784), na França; Jean-Jacques Rousseau, de Genebra (Suíça); David Hume e Adam Smith (1723-1790), no Reino Unido; entre outros, ajudaram a formar toda atmosfera de mudança de mentalidade que preparou terreno para as ciências modernas avançarem em uma crescente especialização, para o desenvolvimento das indústrias e para que a sociedade ocidental passasse a respeitar cada vez mais os direitos civis dos indivíduos. Suas hipóteses, teorias e manifestações serviram de inspiração para reivindicações cada vez maiores por liberdade de ação e pensamento. Tudo isso em meio a convulsões políticas que agitavam toda Europa. A Reflexão Iluminista da França Até que as primeiras revoluções viessem sepultar de vez o antigo regime, a Europa sofreu uma série de pequenos e médios conflitos, em geral, provocados por questões de sucessão ao trono e por possessões coloniais. A Espanha serviu de palco para a primeira guerra do século XVIII em torno do herdeiro ao posto de Carlos II (desde 1665) que morreu em 1700 sem deixar um sucessor. A França indicou o neto de Luiz XIV (de 1610 a 1715) - Felipe V (de 1700 a 1724), o duque de Anjou - para ocupar o trono espanhol. Inglaterra, os Paises Baixos e o Império Germânico se uniram para evitar que a França ampliasse seus domínios. O conflito estendeu-se por 13 anos, sendo Felipe V confirmado com rei espanhol, mas sem direito a reivindicar o trono francês. O Império Germânico obteve ao final várias regiões de controle francês, na Itália; a Inglaterra conquistou, por sua vez, algumas colônias francesas na América do Norte e duas ilhas espanholas no Mediterrâneo. A Guerra de Sucessão Espanhola terminou deixando em declínio a hegemonia que a França conquistara no século anterior. Entre 1740 e 1748, foi a vez da Áustria experimentar sua guerra sucessória que nada mais foi do que uma inútil guerra de desgaste entre Inglaterra, Áustria, Paises Baixos e a Saxônia, por um lado, e França, Prússia e Espanha, por outro. Na primeira etapa dessa guerra, Inglaterra e seus aliados bateram os adversários em 1743. Depois, foi a vez da França e amigos porem as fronteiras devolta nos mesmos lugares em que estavam antes do conflito começar. Mais tarde, durante a Guerra dos Sete Anos (1756-1763), a Inglaterra consolida sua ascensão hegemônica derrotando a França mais uma vez e tomando-lhe a Índia, a Flórida e parte do Canadá. Enquanto via sua França decair, Montesquieu acompanhou o desenvolvimento prático de uma nova teoria do Estado que surgia a partir da Revolução Gloriosa Inglesa (1688). Os ideais liberais de direitos civis, tolerância religiosa e limitação dos poderes do rei pregados por Locke fizeram surgir na Inglaterra a primeira nação com características modernas, lançando as bases da Revolução Industrial (meados do século XVIII) e do império onde o sol nunca se punha. Montesquieu era um aristocrata de berço, nascido em Bordeaux, mas que não deixou de admirar as mudanças culturais que estavam a caminho. Foi um dos fundadores da Academia de Belas Artes de Bordeaux e tornou-se Conselheiro do Parlamento local em 1714. Sob a inspiração da física newtoniana, publicou em 1734 Grandeza e Decadência dos Romanos, onde pela primeira vez se interpreta os fatos históricos por meio de relações de causas e efeitos. (...) Pode-se ter união no Estado, onde não se vê senão distúrbios, quer dizer uma harmonia de onde resulta a felicidade, que só é a verdadeira paz. É como as partes deste universo eternamente ligadas pela ação de uns e reação de outros (MONTESQUIEU, Ch.-L. de S. Grandeza e Decadência dos Romanos, cap. IX, p 63). No próprio título, Montesquieu revela a tentativa de empregar o método científico ao estudo da história, tendo por base as leis do movimento na natureza: enquanto são submetidos à resistência do ar e à força da gravidade, tudo o que sobe tem de descer (1). Assim, Montesquieu aproveita para desferir sua crítica mais aguda ao absolutismo francês, tirando as conclusões apropriadas das comparações feitas com a história do Império Romano. (...) [A]s repúblicas da Itália, que se vangloriam de sua perpetuidade e de seu governo, não deviam se envaidecer da perpetuidade de seus abusos; assim não tiveram elas mais liberdade que Roma no tempo dos decênviros [2]. Essa mesma forma de "análise científica" da história se reproduz na obra principal do Barão de Montesquieu, O Espírito da Lei (1748), na qual discute as leis das nações e propõe a divisão dos poderes do Estado entre Legislativo, Executivo e Judiciário, a fim de garantir a liberdade em uma monarquia liberal. Voltaire também partilhava com Montesquieu a idéia de que a monarquia poderia ser reformada no sentido de eliminar os abusos do poder, bem como a admiração pelo liberalismo inglês. A maior parte de sua vida foi dedicada a satirizar com fina ironia os costumes de sua França, motivo pelo qual foi obrigado a se refugiar em vários países onde achasse um clima mais favorável. Por três anos viveu na Inglaterra, de 1726 a 1729, em uma temporada que transforma sua literatura em pregação filosófica por um novo modo de vida. Antes disso, porém, seus poemas já tinham sido mordazes o suficiente para levá-lo à prisão na Bastilha, em 1717. Nesta estadia forçada de 11 meses escreveu a tragédia Édipo (1718) que, depois da liberdade, lhe valeu a fama, sólido patrimônio financeiro - quando somada à herança do pai - e lhe cunhou o apelido de Voltaire - supostamente um anagrama para AROUET, Le Jeune, ou um nome de parente materno. Mantém-se, então, na carreira teatral até que uma discussão com um nobre francês o ameaça novamente de prisão. Foge para Inglaterra onde passa a se interessar pelas reformas políticas. Escreve a Carta sobre os Ingleses que ao ser publicada na França, em 1734, provoca a fúria do parlamento de Paris e acende as fogueiras para grande parte de sua obra. Encontra refúgio no castelo da marquesa de Châtelet (1704-1749), de quem é amante e companheiro de pesquisas filosóficas e científicas. Com a morte de Châtelet, aceita o convite de Frederico II (de 1740 a 1786) para atuar na corte prussiana. Passa três anos, em Berlim, ao lado desse "rei filósofo" moderno, até que seu relacionamento fica estremecido por causa de crescentes polêmicas intelectuais. Perseguido na Alemanha e censurado em Paris, compra uma residência perto de Genebra, na Suíça, local no qual escreve Ensaio sobre os Costumes e o Espírito das Nações (1756), denunciando a hipocrisia e confusão de seu tempo. Muito influenciado pelo empirismo inglês, Voltaire não resistiu em criticar com seu estilo irônico as teses metafísicas de Leibniz. Em 1759, publica o hilariante Cândido, narrando as desventuras do personagem titular e seu mestre Pangloss, que, como o escritor alemão, afirmava ser este o melhor dos mundos. (...) Pangloss dizia vez por outra a Cândido: "Todos os acontecimentos estão encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois afinal, se não tivesse sido expulso de um lindo castelo com uma saraivada de pontapés no traseiro por amor da senhorita Cunegundes, se não tivesse sido perseguido pela Inquisição, se não tivesse perdido todos os carneiros do bom país de Eldorado, não estaria aqui comendo cidras cristalizadas e pistaches. - Isto está certo, disse Cândido, mas devemos cultivar nosso jardim" (VOLTAIRE, Cândido, cap. 30, p. 94). A mesma ironia repete-se na sua obra filosófica mais famosa: o Dicionário Filosófico de 1764, sob a inspiração dos enciclopedistas. Mas em breve, abandonará o estilo alegre pela seriedade de um agitador político quando sabe da morte do iconoclasta La Barre (1749-1765), que fora decapitado e queimado com um exemplar do Dicionário de Voltaire, depois de confessar sob tortura a mutilação de crucifixos. Até o final da vida Voltaire recusou-se a reconciliar com a Igreja sempre pregando ao final de seus textos posteriores: "Esmagai o Infame" (3). As Revoluções da Enciclopédia O Dicionário Filosófico foi a resposta de Voltaire ao convite feito pelos enciclopedistas para que ele escrevesse alguns verbetes para a grande obra que estava sendo preparada. Voltaire, então, fez do Dicionário sua própria enciclopédia. A Enciclopédia, ou Dicionário razoado das ciências, artes e ofícios foi uma iniciativa de livreiros franceses que queriam traduzir uma obra inglesa chama Ciclopédia, editada por Ephraim Chambers, em 1728. Diderot foi convidado para realizar o projeto, cuja idéia inicial de simples tradução foi refeita por completo. O trabalho de redigir uma nova enciclopédia foi iniciado em 1750. Diderot convida para ser co-diretor seu amigo Jean le Rond D'Alembert (1717-1783), matemático que fica responsável pela parte científica e pelo "Discurso Preliminar". Os diversos assuntos tratados foram distribuídos por vários autores dos quais se destacam os já mencionados Voltaire, Montesquieu, e Rousseau a quem foi dada a tarefa de redigir os verbetes sobre música. Diderot escreve sobre história da filosofia, artes, ofícios e os temas restantes que ficaram sem redator. A longa saga de publicação da Enciclopédia começa em 1751, quando sai o primeiro volume. Apesar de não adotar o tom panfletário, nem de ser abertamente oposta à Igreja e ao governo, o segundo volume, que foi lançado em 1752, foi alvo de decreto do Conselho do Estado proibindo a sua circulação, devido às ironias referentes à religião. Com a censura implantada na redação, em 1753, é permitida a retomada do projeto que segue o curso normal de publicação até 1757, ano do lançamento do sexto volume e de um atentado contra Luís XV (de 1715 a 1774) que recrudesse as medidas contra textos considerados subversivos. Muitos colaboradores abandonam a redação no momento em que, 1759, a obra é incluída no Index de livros proibidos pela Igreja aos católicos. D'Alembert é um dos que sai da equipe original. Diderot tem, então, de continuar a escrever praticamente sozinho e agora na clandestinidade. Por causa de sua dedicação, os assinantes ainda recebem regularmente seus exemplares até 1766, embora com cortes promovidos pelo editor-chefe que teme a perseguição oficial. Os últimos volumes, que compleraram os 35 previstos inicialmente, acabam de ser publicados em 1772. Com a Enciclopédia, todo conhecimento científico, artístico e filosófico de seu tempo passa a estar à disposição do público geral, incluindo todas as idéias de cunho liberal que surgiam em vários campos de investigação intelectual, sendo a principal reunião das teses iluministas, feita até então. Seu caráter de divulgação universal do conhecimento inspirou a criação de outras enciclopédias pela Europa. Na Grã-Bretanha, entre 1768 e 1771, foi publicada a Enciclopédia Britânica, editada pela Sociedade de Cavalheiros da Escócia. Em política, foi a fonte do inglês Thomas Paine (1737-1809) e dos revolucionários norte-americanos que reivindicam a independência das colônias, em 1776. O descontentamento das colônias inglesas na América contra as ordens vindas da coroa era cada vez maior, devido a recusa de se estabelecer uma representação condizente com os interesses dos colonos no Parlamento inglês. O processo de independência começa a partir de 1776, tendo por base o excesso de impostos e de restrições feitas pela coroa e a argumentação do direito civil à representação para que as leis fossem consideradas legítimas, uma tese política típica dos autores iluministas depois de Locke. Em 1776, Paine defende em Senso Comum, o direito dos norte-americanos à independência. A quatro de julho sai a Declaração de Independência dos Estados Unidos que vinha sendo esboçada desde o Primeiro Congresso da Filadélfia, em 1774. A guerra que durou quase uma década terminou em 1783, quando a Inglaterra reconheceu sua derrota e a independência das 13 colônias rebeladas.
Notas 1. Veja as Leis I e II do movimento em NEWTON, I. Princípios Matemáticos, p. 14. | |
Bibliografia | |
ASIMOV, I. Gênios da Humanidade. - Rio de Janeiro: Bloch, 1974. BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. DIDEROT, D. Textos Escolhidos; notas e tradução de Marilena de S. Chauí e J. Guinsburg. - São Paulo: Abril Cultural, 1979. (Os Pensadores). DURANT, W. A História da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - São Paulo: Nova Cultural, 1996. LOCKE, J. Segundo Tratado sobre o Governo; trad. Anoar Aiex e E. J. Monteiro. - São Paulo: Abril Cultural, 1978. (Os Pensadores). MONTESQUIEU, Ch. L. de S. Grandeza e Decadência dos Romanos; trad. João Mendes Nt. - São Paulo: Saraiva, 1968. NEWTON, I. Princípios Matemáticos; trad. Carlos L. Mattos et al. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores). ______. Óptica; trad. Carlos L. Mattos et al. - São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Os Pensadores). VOLTAIRE, Cândido; trad. Anni Cambé. - Rio de Janeiro: Newton Compton, 1994. |