DISCURSUSCurso de História da Filosofia Moderna
Georg Wilhelm Friedrich Hegel
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Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

Terceira Unidade - SÉCULO XIX:

  • Leitura de "Filosofia da História";
Por Antônio Rogério da Silva

Filosofia da História é o último texto importante deixado por Hegel. De fato, a obra não foi editada pelo autor, mas publicada em 1837, seis anos depois de sua morte, a partir de anotações de preleções sobre o conteúdo da filosofia da história universal. Por sorte, é um dos títulos mais acessíveis do sistema idealista hegeliano, onde podem ser encontrados os principais conceitos que foram trabalhados em vida por Hegel. Estão lá as noções de espírito, razão, moralidade e eticidade, além da idéia central de progresso dos fatos históricos. Por conseguinte, o livro é dividido em quatro partes sucessivas, antecedidas por uma introdução que apresenta a metodologia utilizada e os principais conceitos trabalhados.

Na primeira parte, descreve-se o mundo oriental, com ênfase para as civilizações chinesa, indiana - destacando o budismo - e o oriente médio, como primórdio da história do qual se faz a passagem para o mundo grego, apresentado na segunda parte. Inicialmente, é construída a imagem do espírito helênico e sua concepção estética subjetiva, objetiva e política, para então avançar sobre as guerras, as cidades-estados de Atenas e Esparta, e por fim o período helenista, considerado o prenúncio da decadência desta civilização. Na terceira parte, os herdeiros da Grécia, a civilização romana tem sua história revelada desde a fundação de Roma até o império bizantino, incluindo a ascensão do cristianismo.

Finalmente, a quarta parte traz a interpretação do mundo germânico como sendo a encarnação do "espírito do mundo moderno" (1), passando por cima dos feitos italianos, depois da queda do império romano; das grandes navegações empreendidas pela península ibérica; da formação do Estado liberal, na Inglaterra, e simplesmente da Revolução Francesa. A partir de uma perspectiva atávica, Hegel interpreta todos os fatos históricos, desde a idade média, como estágios de desenvolvimento da liberdade que culmina quando a Alemanha institui as suas leis do direito.

A Alemanha foi atravessada pelos vitoriosos exércitos franceses, mas a nacionalidade alemã livrou-se dessa pressão. Um momento fundamental na Alemanha foram as leis do direito, incentivadas, aliás, pela pressão francesa, já que as deficiências de antigas instituições ficaram assim evidenciadas. (...) Foram abolidas as relações feudais; os princípios da liberdade, da propriedade e da pessoa tornaram-se princípios fundamentais. Todo cidadão tem acesso a cargos estatais; todavia, talento e habilidade são condições indispensáveis. O governo repousa no funcionalismo, mas a decisão pessoal do monarca está acima de tudo, pois uma última decisão é (...) totalmente necessária. (...) No que tange à vontade interna, já se mencionou que foi por intermédio da Igreja protestante que se deu a reconciliação da religião com o direito. Não havia nenhuma consciência santa ou religiosa que pudesse ser separada do direito profano, ou mesmo que a ele se opusesse.
A consciência chegou até aqui, e esse é o principal momento da forma na qual o princípio da liberdade se concretizou, pois a história universal nada mais é que o desenvolvimento do conceito de liberdade (...) (HEGEL, G. W. Fr Filosofia da História, IV parte, cap. 4, pp. 372-373).

Introdução à Filosofia da História

Antes de passar em revista às características das grandes civilizações conhecidas até o início do século XIX, uma ampla apreciação dos princípios de uma teoria sobre a história é desenrolada logo na introdução do livro. Dividida em cinco capítulos, esta introdução procura primeiro destacar três formas consecutivas de abordagem dos acontecimentos. A história original, a primeira das tentativas de narra a história, caracteriza a abordagem de historiadores contemporâneos aos fatos que pretendem relatar. Frequentemente, esses atores como Heródoto e Tucídides, deixam-se levar pela imaginação, ao mesmo tempo que exprimem o próprio caráter de seu tempo. Com a abordagem da história refletida, a apresentação procura ir além do momento vivido seja pela visão geral de uma nação ou do mundo (História geral); seja pela reflexão pragmática do presente em casos semelhantes do passado - como fazia Montesquieu -; seja ainda pela reflexão crítica que faz um julgamento da história; ou, por fim, como uma história conceitual, onde se trata de temas como a arte, o direito, ou a religião, por exemplo (2).

A história conceitual está a um passo da história filosófica que busca contemplar a história naquilo em que esta representa o governo da razão no mundo. O objetivo desse tipo de concepção da história é mostrar "a marcha racional e necessária do espírito universal" (3). Ao lado disto, a verdade religiosa surge como prova de que os fatos históricos não são frutos do acaso, mas resultado de um plano da providência divina.

(...) Durante algum tempo, esteve em voga admirar a sabedoria divina nos animais, plantas e destinos individuais. Se se admite que a Providência se manifesta em tais objetos e coisas, por que recusá-lo na história universal? Essa matéria parece bastante extensa. Mas a sabedoria divina, isto é, a razão, é idêntica nas grandes e pequenas coisas, e nós não precisamos considerar Deus por demais fraco por utilizar a sua sabedoria nas grandes coisas. Nosso conhecimento visa ganhar noção de que o fim da sabedoria eterna se produziu à base da natureza e do espírito real e ativo no mundo (...) (HEGEL, G.W.Fr. Op. cit., introdução, cap. 1, p. 21).

A determinação do princípio de razão estudado pela filosofia da história, como objetivo final do universo, é detalhada no segundo capítulo da introdução em seu conteúdo e concretização. Em primeiro lugar, deve-se determinar os elementos abstratos que constituem o espírito. A liberdade é a substância e única verdade do espírito, que se resume no fato deste ser em si mesmo e por si mesmo. A história universal descreveria então o progresso da consciência de liberdade, que para Hegel, estaria em seu estágio mais avançado entre as nações germânicas, que graças ao cristianismo teriam "consciência de que o homem é livre como homem, que a liberdade do espírito constitui sua natureza mais intrínseca" (4). A vontade divina, sua natureza, define a idéia de liberdade hegeliana, que é captada pelo pensamento, como representação religiosa.

Os meios pelos quais essa liberdade se realizaria são elementos da atividade humana. Em primeiro lugar, as paixões e os interesses particulares motivam os sujeitos a buscarem sua satisfação. Seus principíos e idéias inicialmente são representações subjetivas que completam os intrumentos e meios necessários ao espírito universal para realizar seu fim como realidade. Nesse sentido, o Estado serve para organizar os fins gerais que se reúnem aos interesses particulares dos cidadãos. Tudo procede de modo construtivo com as paixões guiando-se a seus objetivos, naturalmente, até formar as instituições da sociedade humana que irão combatê-las no sentido de se elevar à verdade geral. Os heróis são aqueles indivíduos cujos fins se dirigem para a universalidade. Enquanto agem em função de seus interesses, necessidades e instintos, os indivíduos seguem valores próprios de uma moralidade subjetiva. A despeito do caráter contingente de uma cultura, impedir que a moralidade objetiva se desenvolva, seus conceitos verdadeiros permanecem na alma humana, até que os direitos universais ultrapassem os especiais, pelo esclarecimento da razão (5).

Com os meios e os conceitos estabelecidos, resta então apresentar a maneira pela qual se realizará o fim absoluto do espírito. Isso, entretanto só ocorre quando o Estado transparece as leis objetivas do espírito e a vontade subjetiva do homem submete-se às leis. O Estado é a unidade objetiva da idéia da liberdade como fim absoluto e da ação humana, como seu meio, em uma totalidade moral e realmente livre. A consciência dessa união é manifestada pela religião, pela arte e pela filosofia, segundo Hegel.

(...) Assim, ela [a alma] é uma individualidade que, apresentada em sua essencialidade como Deus, é venerada e usufruída na religião; na arte é apresentada como imagem e intuição; na filosofia é concebida como pensamento. Por causa da identidade original de sua substância, de seu conteúdo e de seu objeto, as manifestações permanecem inseparavelmente unidas ao espírito do Estado mundo (...) (HEGEL, G.W.Fr. Idem, idem, cap. 2, p. 50).

O espírito de um povo, contudo, não passa de um indivíduo que no decorrer da história universal precisa passar por diversos níveis até alcançar o conhecimento verdadeiro que está na consciência total do espírito absoluto.

Este é o plano de trabalho da Filosofia da História que é apresentado logo nos dois primeiros capítulos da sua introdução. A evolução de um fim que é o espírito e sua essência que é a liberdade. A longa marcha que é a história universal, será definida agora no capítulo três, onde se estabelem os estágios pelos quais o princípio evolui na conscientização de sua liberdade. Primeiro, deve haver a imersão do espírito na natureza. Depois, dirigir seu desenvolvimento em direção à consciência da liberdade. E por fim, alçar essa liberdade à condição de universal, consciente de si e de sua espiritualidade. A história deve começar então quando surge a escrita e a necessidade de registros duradouros que permitem desenvolver uma inteligência teórica e narrativa do espírito. Ao longo do curso da história, o espírito dos povos passa por diversas etapas progressivas até chegar a compreensão de participação no desenvolvimento de um único espírito universal. Pouco a pouco o espírito vai transcendendo da sua existência imediata, simples e irrefletida para tomar consciência de um totalidade abrangente em si.

Quando lidamos com a idéia do espírito e consideramos tudo na história universal como a sua manifestação, ao percorrermos o passado (...), só lidamos com o presente. A filosofia, ao ocupar-se do verdadeiro, só tem a ver com o eternamente presente. Para a filosofia, tudo que pertence ao passado é resgatado, pois a idéia é sempre presente e o espírito é imortal; para ela não há passado nem futuro, apenas um agora essencial. Isso dá a entender, necessariamente, que a forma presente do espírito abrange em si todos os estágios anteriores. Estes se desenvolveram independentemente, mas o que o espírito é, ele sempre foi em sua essência (...). A vida desse espírito atual é um círculo de estágios que, vistos por um lado, existem simultaneamente, e, por outro, aparecem como já passados. Os estágios que o espírito parece ter já ultrapassado, ele ainda possui em sua profundidade atual (HEGEL. G.W.Fr. Ibidem, ibidem, cap. 3, p. 72).

Fachada do Reichstag ao anoitecer em BerlimNo processo da história universal, a geografia merece destaque, para Hegel, naquilo em que ela reflete na formação do espírito de um povo. Etnocentricamente, Hegel considera a Europa como sendo o "palco da história universal" (6). A América nada mais seria do que uma extensão do espírito europeu, uma vez que os povos nativos já haviam sucumbido no primeiro contato com os colonizadores. Quanto ao oriente, seriam o início de toda história com a iluminação da idéia de um agente livre. Os africanos são simplesmente considerados selvagens e desprovidos da idéia de caráter humano (7). Assim sendo, resta apenas considerar a Ásia como começo da história universal e a Europa como seu fim (8). O que Hegel faz ao longo das demais quatro partes do livro. Tudo isso para concluir que

A história universal é o processo desse desenvolvimento e do devenir real do espírito no palco mutável de seus acontecimentos - eis aí a verdadeira teodicéia, a justificação de Deus na história. Só a percepção disso pode reconciliar a história universal com a realidade: a certeza de que aquilo que aconteceu, e que acontece todos os dias, não apenas não se faz sem Deus, mas é essencialmente a Sua obra (HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, IV parte, cap. 4, p. 373).

Apesar de todos os preconceitos antropológicos, do etnocentrismo e distorções históricas, a idéia de progresso da história exerceu grande atração nos filósofos continentais europeus. Notavelmente, Karl Marx procurou desinflacionar a carga conservadora hegeliana da filosofia da história e tentou aplicar o método de progresso do espírito às transformações do modo de produção econômica que a Revolução Industrial punha em relevo na metade do século XIX. Dessa vez, as classes trabalhadoras é que deveriam tomar a história em suas mãos e realizarem o fim último do socialismo.

Notas

1. HEGEL, G.W.Fr. Filosofia da História, IV parte, p. 291.
2. Veja HEGEL, G. W. Fr. Op. cit., introdução, cap. 1, pp. 11-16.
3. HEGEL, G.W.Fr. Idem, idem, p. 18.
4. HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, introdução, cap. 2, p. 24.
5. Veja HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, idem, pp. 26-38.
6. HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, ibidem, cap. 4, p. 79.
7. Veja HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, ibidem, p. 84.
8. Veja HEGEL, G.W.Fr. Ibidem, ibidem, cap. 5, p. 93.

Bibliografia

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

DURANT, W. A História da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - São Paulo: Nova Cultural, 1996.

HEGEL, G.W.Fr. Filosofia da História; trad. Mª Rodrigues e Hans Harden. - Brasília: UnB, 1999.