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HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA |
Terceira Unidade - SÉCULO XIX: | |
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) é um dos nomes mais polêmicos da história da filosofia. Admirado por uns, detestado por outros, foi um dos alvos prediletos do ódio que Schopenhauer nutria pelos "três sofistas" da universidade alemã - Fichte, Schelling e Hegel. Teve uma carreira acadêmica que oscilou do sincero entusiasmo juvenil pela Revolução Francesa até o conformismo e admiração pela monarquia restaurada no momento em que se tornou reitor da Universidade de Berlim e filósofo oficial, no final de sua vida. Antes de fixar-se como professor em Jena, logo após sua diplomação em Tübingen, Hegel sobreviveu como preceptor em Berna, entre 1793 e 1796 (1). Em 1799, depois da morte de seu pai, recebe cerca de 4.500 reais de herança, motivo pelo qual larga as aulas particulares. Por sugestão de Schelling, vai então para Jena, onde ingressa como professor em 1803. Três anos depois, tropas de Napoleão invadem a cidade e a casa de Hegel, que foge levando o manuscrito da Fenomenologia do Espírito, que será impresso em 1807, em Hamburgo. Passa por várias cidades, exercendo diversos trabalhos diferentes, a fim de restabelecer seu equilíbrio financeiro. Um desses empregos é o de editor de um jornal em Bamberg (Bamberger Zeitung), cargo que deixa prontamente para ser diretor do Gymnasium de Nuremberg, em 1812. Neste posto, lança dois dos três volumes de sua Ciência da Lógica, o que lhe valeu o convite para lecionar filosofia na Universidade de Heidelberg. Lá organiza, em um ano, a Enciclopédia Filosófica, que lhe rende um novo convite, agora para trabalhar na Universidade de Berlim, onde ocupa a vaga de Fichte. Em Berlim, Hegel dominou com seu estilo ininteligível todo pensamento alemão, tendo apenas a voz solitária de Schopenhauer a lhe atacar os equívocos. Em 1821, faz publicar os Princípios da Filosofia do Direito, com anotações de aulas. Um ano antes de sua morte, Hegel chega ao topo de sua carreira ao ocupar o cargo de reitor em Berlim, recebendo em seguida o título honorário de filósofo oficial do imperador da Prússia, Frederico Guilherme III (de 1797 a 1840). Dono de um estilo obscuro, Hegel escreveu com seu próprio punho Fenomenologia do Espírito (1807) e Ciência da Lógica (em três volumes publicados entre 1812 e 1816). Com ajuda de notas feitas por alunos de suas palestras e aulas, publicou em vida a Enciclopédia das Ciências Filosóficas (1817) e a Filosofia do Direito (1821). Após sua morte, provocada pelo contágio da epidemia de cólera que varreu Berlim em 1831, foi editado Filosofia da História (1837), seu último texto importante. Ao todo, suas obras completas preenchem vinte volumes que foram padronizados em Stuttgart, entre 1927 e 1930. Apesar das dificuldades óbvias de compreensão dos textos originais de Hegel, há em todos os seus livros o fio condutor recorrente do processo histórico, através do qual o espírito teria de percorrer para passar de um mero estágio de consciência sensível até o autêntico saber de si mesmo. Fenomenologia e Lógica Hegel propôs, em sua Fenomenologia, como tantos outros antes e depois dele, aproximar a filosofia da forma de fazer ciência consagrada em seu tempo. Uma investigação filosófica cujo objetivo último seria encontrar a verdade. Para tanto, exigiu que a atenção fosse exclusivamente voltada para a formulação do conceito, do modo no qual ele é expresso por proposições simples que constituem a base de todo conhecimento científico. Antes disso, porém, seria necessário ter a compreensão de que o conhecimento serve como instrumento para apreensão do absoluto. Entretanto, a verdade do saber a ser investigada apresenta uma separação entre o objeto que aparece para o sujeito, por um lado como fenômeno, e, por outro, como coisa-em-si. Superar esse dualismo é o caminho que precisa ser traçado pelo espírito (2). Nesse sentido, por vezes o objeto surge como estando fora da consciência em um movimento dialético que pode levar à contradição ou a descoberta do objeto como algo novo e verdadeiro. A superação desse processo ambíguo faz com o que seja verdadeiro atinja sua essência na consciência como um ser que para esta é concebido como ensimesmado (3). Quando a certeza é construída sobre algo, chega-se à verdade pela identificação do objeto com esta própria certeza e o reconhecimento da consciência de que isto é verdadeiro. Na autoconsciência, então, funda-se o reino da verdade propriamente dita. Mas não basta que esta seja reconhecida apenas por si mesma. É necessário que a autoconsciência seja também reconhecida como tal por outras consciências semelhantes, como em uma comunidade em que o espírito deixe de ser subjetivo e passe a ter sua própria objetividade (4). Ao encontrar a coisa em si mesma, ao mesmo tempo em que se vê como coisa em si, a autoconsciência toma a coisa como verdade objetiva. Por conseguinte, toda realidade pode vir a se tornar a verdadeira certeza no instante em que a razão se transforma em espírito absoluto. Sua essência espiritual foi definida com substância ética; mas o espírito é a realidade ética. É o si mesmo da consciência real, em que se enfrenta, o que melhor se enfrenta a si mesmo, como mundo real objetivo, o qual, sem embargo, tem predito para o si mesmo toda significação de algo estranho, do mesmo modo que o si mesmo tem perdido toda significação de um ser para si, separado, dependente ou independente, daquele mundo. O espírito é a substância e a essência universal igual a si mesma e permanente - o inabalável e irredutível fundamento e ponto de partida do trabalho de todos - e seu fim e sua meta, como o em si pensado de toda autoconsciência (...) (HEGEL, G. W. F. Fenomenologia do Espírito, "O Espírito", pp. 259-260). Em todo movimento para formação do saber de si, o espírito trabalha imerso em sua história real, que termina quando o espírito alcança o elemento puro de sua existência, como conceito de ser-aí absoluto. Assim surge a ciência que faz o movimento da forma pura deste conceito para a consciência. Entretanto, para superar a alienação inicial convém que sucessivas etapas de conscientização ocorram até que o espírito possa recomeçar sua formação plena a partir de si mesmo no estágio mais elevado de seu progresso. Da perspectiva de um ser livre, mas contingente, a história é a ciência do saber verdadeiro, onde o espírito absoluto, no final, se encontra e acaba na "realidade, verdade e certeza de seu trono, sem o qual o espírito absoluto seria a solidão sem vida" (5). Em sua Lógica, Hegel alia todo esse movimento histórico de conhecimento do espírito em si mesmo à evolução de uma contínua alternância de oposições que se unem e reconciliam. As contradições do mundo manifestam-se como contradições do espírito. Tese e antítese enfrentam-se para formar uma nova síntese e assim por diante até que o movimento termine no desvelamento de toda realidade, ao final. A unidade reconciliadora que encerra esse movimento dialético aparece então no fim da história que é a realização completa do espírito absoluto. Do Subjetivo ao Absoluto Uma vez que seja iniciada a caminhada para atingir o autoconhecimento, diversas fases de conscientização - Consciência, Consciência de Si, Razão - deverão ser ultrapassadas até que a razão compreenda o mundo em torno tal como ele é e a sua própria existência. Contudo, a fenomenologia que formou primeiro o espírito subjetivo necessita realizar sua plena liberdade na instância cultural que reúne a produção e o trabalho que transformam a natureza em uma natureza humana. Deve avançar o espírito subjetivo até o espírito objetivo que está no seio da sociedade e do Estado, onde realiza sua liberdade que é também sua verdade última. Em sua conscientização como parte do mundo e da sociedade de seres autodeterminados e autoconscientes, que assim se reconhecem, a realização plena de um ideal vem quando a própria razão livre é capaz de conhecer a si mesma e o mundo como criação. História e cultura encontram-se, assim, em Hegel para realizarem a transformação e superação da alienação inicial do sujeito. Da constituição de um Estado, onde o movimento cultural envolve todo o direito e a moralidade social, o espírito objetivo da Filosofia do Direito transcende dessa fase intermediária para um estágio final ao qual o espírito absoluto se reconhece como parte criadora do mundo. Por fim, o espírito absoluto, em sua fase superior de autocompreensão pode abarcar o sentido estético, a filosofia e a religião revelada como última tomada de sua consciência própria.
Notas 1. O historiador da filosofia, Will Durant (1885-1981), conta que o certificado obtido por Hegel o apresentava como "homem bem-dotado e de bom caráter, bem preparado em teologia e filologia, mas sem nenhuma aptidão em filosofia" (DURANT, W. A História da Filosofia, cap. VI, § VIII, p. 278). | |
Bibliografia | |
BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. COSTA, D. V. C. R. de M. Hegel: Liberdade e razão. - Recife: Ed. do Autor, 2004. DURANT, W. A História da Filosofia; trad. Luiz C. do N. Silva. - São Paulo: Nova Cultural, 1996. GUIRALDELLI JR, P. Caminhos da Filosofia. - Rio de Janeiro: DP&A, 2005. HEGEL, G.W.F. Fenomenologia del Espíritu; trad. Wesceslao Roces. - México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1966. _____. Filosofia da História; trad. Mª Rodrigues e Hans Harden. - Brasília: UnB, 1999. SCHOPENHAUER, A. Sobre o Fundamento da Moral; trad. Mª L. Cacciola. - São Paulo: Martins Fontes, 1995. |