DISCURSUSCurso de História da Filosofia Moderna
Karl Marx
Menu Geral
Curso
Serviço
Início
Serviço
Navegação
Script gratuito fornecido por JavaScript Kits

Apoio:

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
HISTÓRIA DA FILOSOFIA MODERNA

Terceira Unidade - SÉCULO XIX:

  • Karl Marx;
Por Antônio Rogério da Silva

Mesmo depois da morte de Hegel, seu sistema continuou sendo a ideologia oficial do Estado prussiano que tomava a moral objetiva e a razão encarnada como apoio sólido para sua política conservadora. No entanto, uma série de revoltas liberais e nacionalistas é desencadeada na Europa, a partir de 1830, como reação à restauração da monarquia imposta pelo Congresso de Viena de 1815 e pela Santa Aliança, em 1818, em consequência da queda de Napoleão. Da França, a Revolução Liberal espalhou-se pela Europa, atingindo a Alemanha em 1848. Na filosofia alemã, esse movimento liberalizante foi representado por uma geração chamada de "jovens hegelianos", composta por autores como Ludwig Andreas Feuerbach (1804-1872), Max Stirner (pseudônimo de Johann Caspar Schmidt, 1806-1856), David Friedrich Strauss (1808-1874), Bruno Bauer (1809-1872) e o jovem Karl Heinrich Marx (1818-1883), que participou deste grupo até 1841.

Marx nasceu em uma família de judeus convertidos ao cristianismo, em 1824, para que seu pai pudesse ocupar o cargo de conselheiro da justiça da cidade de Trier. Quando completou seu curso secundário, Marx ingressou na Universidade de Bonn, a fim de continuar a carreira paterna de advogado, mas logo transferiu-se para Berlim, onde estudou história e filosofia. Foi em Berlim, a partir de 1836, que entrou em contato com o sistema de Hegel e o debate empreendido pelos novos hegelianos. Ainda sob a influência marcante da Fenomenologia do Espírito escreveu sua tese de doutorado, em 1841, sobre A Diferença entre as Filosofias da Natureza de Demócrito e Epicuro, para a universidade de Bonn, onde pretendia conseguir uma vaga de professor com o apoio de Bauer. Entretanto, este foi expulso daquela instituição e Marx enviou seu trabalho para Jena. Logo em seguida, trabalha como editor do jornal radical Rheinische Zeitung (Gazeta Renana), mas o periódico é fechado pelo governo em 1843. De volta a Trier, casa-se com Jenny von Westphalen, amiga de infância nascida em família rica. Com ela, muda-se para Paris, a fim de fugir da censura. Lá torna-se amigo de Friedrich Engels (1820-1895).

Nessa época, a maioria das colônias nas Américas já tinham proclamado a independência e a revolução industrial, que na Inglaterra estava em pleno desenvolvimento, começava a apresentar seus primeiros resultados no continente europeu. Os trabalhadores da indústria começaram a organizar-se como classes, sindicatos, associações e partidos políticos, formando uma terceira força ideológica entre conservadores e liberais burgueses. Na capital francesa, uma associação de artesãos chamada Liga dos Justos defende o fim da propriedade privada e a volta a um comunismo original. Marx participa de suas reuniões e adere aos ideais comunistas. Para os Anais Franco-Alemães, revista dos hegelianos de esquerda exilados - que não passou do primeiro número, publicado em 1844 -, Marx escreveu dois ensaios. O primeiro, Introdução a uma Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, coloca a idéia de que o proletariado poderia emancipar-se a si mesmo e toda sociedade. Adota também a posição de que o Estado real e a vida concreta devem ser a base das análises da transformação política. A Questão Judaica, o segundo, critica o judaísmo e os direitos do homem, como direitos do egoísta separado da comunidade. Nesse ano, prepara também os Manuscritos Econômicos e Filosóficos de 1844 (Manuscritos de Paris), que só vieram a ser publicados em 1932, lançando a idéia de alienação do homem por causa da condição de desigualdade imposta pelo modo de produção capitalista.

O primeiro texto conjunto da dupla Marx-Engels foi um ataque direto aos jovens hegelianos chamado A Sagrada Família, ou Crítica de uma crítica crítica, contra o isolamento elitista e a favor da maior aproximação da teoria com os problemas concretos da classe operária. Antes do livro ser publicado, por pressão do governo prussiano, em fevereiro de 1845, Marx foi expulso do território francês, mudando-se para Bruxelas, na Bélgica. Durante esse ano, os dois preparam o texto de A Ideologia Alemã, que só veio a ser publicado na mesma época dos Manuscritos de Paris. Não obstante, esse trabalho foi importante uma vez que fora esboçado na sua forma mais completa o conceito de materialismo histórico, chave de toda teoria marxista e superação do modelo hegeliano de conceber a história. Em 1847, Marx entra para a Liga Socialista pela Justiça, mais tarde denominada Liga Comunista, que atuava na clandestinidade, devido às condições do momento.

Revolução Alemã de 1848: tomada do arsenal em BerlimNa França, a 22 de fevereiro de 1848, o partido socialista que reinvindicava uma reforma eleitoral e se opunha ao governo de Luis Felipe (de 1830 a 1848), que subira ao trono depois da revolução de 30 para conciliar os ideais da burguesia com o Antigo Regime, promoveu uma revolta que levou à queda do governo. As repercussões dessa nova revolução atravessaram a Europa e, por conta disso, em 18 de março de 1848, uma grande manifestação popular em frente ao palácio de Frederico Guilherme IV (de 1840 a 1861), em Berlim, foi reprimida à bala. Artesãos, operários e estudantes exigiam o fim da repressão da polícia, liberdade de imprensa e a promulgação de uma constituição liberal. Em resposta à agressão das tropas militares, em poucas horas, mais de duzentas barricadas foram erguidas e os combates se estenderam por várias cidades. Depois de um dia de combates, o rei da Prússia retirou suas tropas e atendeu momentaneamente às exigências dos revoltosos.

Enquanto isso, já em Londres, Marx e Engels haviam preparado o famoso Manifesto Comunista para o segundo congresso da Liga Comunista que se realizara pouco antes desses acontecimentos todos terem se desenrolado na França e Alemanha. Neste manifesto, apresentado em novembro de 1847, aparecem uma síntese da luta de classes, ao longo da história; a teoria da alienação e o materialismo histórico, além de uma convocação pela união dos operários em todo mundo.

Toda sociedade até aqui existente repousou, como vimos, no antagonismo entre classes de opressores e classes de oprimidos. Mas, para que uma classe possa ser oprimida, é preciso que lhe sejam asseguradas condições nas quais possa ao menos dar continuidade à sua existência servil. O servo, durante a servidão, conseguiu tornar-se membro da comuna, assim como o burguês embrionário, sob o do absolutismo feudal, conseguiu tornar-se burguês. O operário moderno, ao contrário, ao invés de se elevar com o progresso da indústria, desce cada vez mais, caindo inclusive abaixo das condições de existência de sua própria classe. O operário torna-se um pobre e o pauperismo cresce ainda mais rapidamente do que a população e a riqueza. Fica assim evidente que a burguesia é incapaz de continuar por muito mais tempo sendo a classe dominante da sociedade e de impor à sociedade, como lei reguladora, as condições de existência de sua própria classe. É incapaz de dominar porque é incapaz de assegurar a existência de seu escravo em sua escravidão, porque é obrigada a deixá-lo cair numa situação em que deve alimentá-lo ao invés de ser por ele alimentada. A sociedade não pode mais existir sob sua dominação, quer dizer, a existência da burguesia não é mais compatível com a sociedade (MARX, K. & ENGELS, Fr. Manifesto do Partido Comunista, I, pp. 56-57).

Apesar das divergências com a filosofia metafísica da história hegeliana, Marx e Engels preservaram o movimento dialético daquele sistema que era exemplificado na Fenomenologia do Espírito, pela relação entre senhor e escravo. Uma contradição psicológica que agora era transposta para as contradições sociais. Durante o capitalismo inicial, os capitalistas pagavam baixos salários aos seus empregados, a fim de que obtivessem maiores lucros, embora desejassem que seus concorrentes pagassem maiores salários, no intuito de aumentar a demanda por seus produtos. Para encontrar a síntese, ou a negação da negação que é este paradoxo capitalista, a única solução seria a tomada do poder pela classe operária e a total transformação das relações sociais (1).

Materialismo Histórico

Boa parte da obra de Marx esteve inédita até as primeiras décadas do século XX. Entre os textos inacabados, um dos mais importantes é A Ideologia Alemã, escrito entre 1845 e 1846. A obra foi concebida para ser publicada em dois volumes. O segundo pretendia discutir criticamente as posições dos socialistas alemães, mas sequer foi iniciado. O primeiro visava atacar os princípios filosóficos de Feuerbach, Bauer e Stirner com base na concepção de um novo materialismo histórico, porém focalizou sua análise apenas ao primeiro neo-hegeliano.

Mesmo assim, com todas essas limitações, serviu o esboço de A Ideologia Alemã para permitir que seus autores compreendessem com maior nitidez o conceito de materialismo histórico que vinha sendo intuitivamente delineado, desde quando Marx escrevera Crítica da Filosofia do Direito de Hegel, em 1843. Foi também um desdobramento das Teses sobre Feuerbach, escritas em 1845. Contra Feuerbach, é feita a oposição entre a noção materialista e o idealismo hegeliano, que embora já estivesse em decadência, não encontrava nenhuma formulação adequada que o substituisse, fora dos domínios do pensamento puro (2).

Enquanto os velhos hegelianos compreendiam o mundo sob a ótica da ciência da lógica, toda filosofia alemã posterior esteve voltada para crítica religiosa. A diferença entre essas duas vertentes do hegelianismo estava no fato dos primeiros considerarem legítimo o domínio da religião, ao passo que os últimos a viam em toda manifestação do pensamento humano que procuravam combater. Contudo, toda discussão promovida pelos críticos da religião não passava de mera disputa acadêmica sobre dogmas, sem nenhuma consequência prática. Ao contrário destes, Marx e Engels procuraram estabelecer sua crítica a partir de pressupostos tirados do cotidiano de indivíduos reais e da experiência. De todas as distinções que se pode fazer entre homens e animais, a produção do próprio meio de sobrevivência é a que deveria ser cogitada. A divisão do trabalho que é realizado no sentido dessa produção, ao longo da história, teria passado por diversas fases desenvolvimento que determinavam as relações dos indivíduos entre si, de acordo com a forma da propriedade dos materiais, dos meios e dos resultados da produção. Assim, o trabalho agrícola, industrial e comercial esteve vinculado à escravidão, ao paternalismo e às classes sociais, de acordo com a divisão de trabalho implementada.

(...) [I]ndivíduos determinados, que como produtores atuam de um modo também determinado, estabelecem entre si relações sociais e políticas determinadas. é preciso que, em cada caso particular, a observação empírica coloque necessariamente em relevo - empiricamente e sem qualquer especulação ou mistificação - a conexão entre a estrutura social e política e a produção. A estrutura social e o Estado nascem constantemente do processo da vida de indivíduos determinados, mas destes indivíduos não como podem aparecer na imaginação própria ou alheia, mas tal e como realmente são, isto é, tal e como atuam e produzem materialmente e, portanto, tal e como desenvolvem suas atividades sob determinados limites, pressupostos e condições materiais, independentes de sua vontade (MARX, K. & ENGELS, Fr. A Ideologia Alemã, A., pp. 35-36).

Ao invés de formular uma teoria descendente que partisse das idéias até a realidade, Marx e Engels propunham uma filosofia ascendente que ia das relações sociais até a concepção teórica. Contra toda forma de idealismo hegeliano, não seria a consciência a determinante da vida, mas o inverso disso (3).

Na visão desses dois autores, a história começaria na produção dos instrumentos necessários para satisfação fisiológica dos indivíduos e que tem de ser realizada todos os dias: alimentação, abrigo, proteção contra o frio etc. Depois de satisfeita essa primeira necessidade, uma segunda condição para o início da história é a formação de novas obrigações advindas com a ação de busca e criação dos meios de sobrevivência. Em terceiro lugar, a constituição da família acaba por ampliar as relações sociais, à medida que a população cresce. Nesse sentido, a relação natural entre os homens na busca pela sobrevivência e reprodução passa a ser percebida também como relação social, onde a cooperação entre os indivíduos é estabelecida, segundo suas condições, modo e finalidade. Assim, a "'história da humanidade' deve sempre ser estudada e elaborada em conexão com a história da indústria e das trocas", uma vez que ao surgir a cooperação também aparece sua "força produtiva" (4).

A consciência surge só depois que essas primeiras etapas de desenvolvimento histórico são cumpridas. Mas a consciência nunca aparece em sua forma pura, todavia, sempre misturada com a matéria. A força de produção, o estado social e a consciência são três momentos históricos que podem estar em contradição entre si, pois a divisão do trabalho pode distribuir para indivíduos diferentes a atividade intelectual e a material. Essa desigualdade de funções reflete-se no conflito de interesses individuais e coletivos.

(...) [D]esde que há cisão entre o interesse particular e o interesse comum, desde que, por conseguinte, a atividade está dividida não voluntariamente, mas de modo natural, a própria ação humana converte-se num poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado (MARX, K. & ENGELS, Fr. Op. cit., A., 1, p. 47).

A contradição entre interesse particular e o geral acaba por gerar a alienação que vem da compreensão de um Estado autônomo, que cuida do que é comum, e os interesses reais de cada um. Assim, a cooperação que não é voluntária, mas uma necessidade natural, passa a ser vista como uma força estranha, cuja origem é ignorada pelo indivíduo. Duas condições práticas são, então, obrigatórias para que uma revolução venha superar este estágio de alienação. Primeiro é preciso que uma massa totalmente destituída de bens seja gerada e, em segundo lugar, que esta esteja em contradição com a riqueza de uns poucos donos da força produtiva em seu mais alto grau de desenvolvimento em escala mundial (5). Nesse sentido, o comunismo seria o movimento real que superaria esse estado de coisas e estabeleceria uma sociedade, onde a divisão de trabalho alienante seria abolida e ninguém teria uma atividade especializada, mas poderia trabalhar naquilo que lhe fosse mais aprazível.

Essa concepção de ruptura da sociedade civil burguesa defende que a história possue fases com resultados práticos materiais e não termina na auto-consciência do espírito absoluto, como pensava Hegel e a historiografia alemã apoiada em sua obra. O comunista, ou materialista prático pretende revolucionar o mundo, mudando o estado de coisas que encontrou, ao invés de simplesmente contemplá-lo, como teria sugerido Feuerbach (6). O materialismo histórico, em suma, concebe a história como uma sucessão de gerações que trabalha os materiais transformando o legado deixado pela anterior e transmitindo para a seguinte um resultado completamente diferente (7).

Depois de definir a idéia de materialismo histórico, o texto de A Ideologia Alemã prossegue realizando a análise real da história que serve de base às ideologias, terminando com a exposição do modo de produção de uma sociedade comunista. Os conceitos desenvolvidos a partir de A Ideologia Alemã e do Manifesto do Partido Comunista destacaram o marxismo de sua vinculação com qualquer conteúdo do sistema hegeliano, embora tivesse mantido a estrutura afim da dialética e do progresso da história. Além da história, complementou a teoria de Marx as análises econômicas que culminaram no primeiro volume de O Capital, publicado em 1867 - outros dois volumes dessa obra foram editados por Engels e lançados postumamente.

Notas

1. Conforme a interpretação de ELSTER, J. Marx Hoje, cap.2, pp. 48-53.
2. Veja MARX, K. & ENGELS, Fr. A Ideologia Alemã, introdução, pp. 21-23.
3. Veja MARX, K. & ENGELS, Fr. Op. cit, A., p. 37.
4. MARX, K. & ENGELS, Fr. Idem, A., 1, p.42.
5. Veja MARX, K. & ENGELS, Fr. Ibidem, idem, p. 50.
6. Veja MARX, K. & ENGELS, Fr. Ibidem, A., 2, p. 66.
7. Veja MARX, K. & ENGELS, Fr. Ibidem, idem, p. 70.

Bibliografia

BLACKBURN, S. Dicionário Oxford de Filosofia; trad. Desidério Murcho et al.. - Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.

ELSTER, J. Marx Hoje; trad. Plínio Dentzien. - São Paulo: Paz e Terra, 1989.

HEGEL, G.W.Fr. Filosofia da História; trad. Mª Rodrigues e Hans Harden. - Brasília: UnB, 1999.

MARX, K. Manuscritos Econômicos-Filosóficos e Outros Textos Escolhidos; trad. José C. Bruni et al. - São Paulo: Abril Cultural, 1978.

MARX, K. & ENGELS, Fr. A Ideologia Alemã; trad. José C. Bruni e Marco A. Nogueira. - São Paulo: HUCITEC, 1993.

____, ______. Manisfesto do Partido Comunista; trad. Pietro Nasseti. - São Paulo: Martin Claret, 2001.