Anton Pavlovitch Chekhov (Taganrog, 1860 - Badenweiler, 1904)
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Lev Nikolaievitch Tolstoi (Iasnaia Poliana, 1828 - Astapovo, 1910)
Dois representantes da principal geração de escritores que um país viu nascer, desde o Século de Ouro da Grécia Antiga. Iniciada com Nikolai Vasilievich Gogol (1809-1852), o século XIX gerou, na Rússia, uma série de nomes imortais que teve em Dostoievski seu apogeu e perdurou até a terceira década do século XX, com a morte de Vladimir Vladimirovich Mayakovsky (1894-1930) e Máximo Górki (Aleksey Mikhaylovich Peshkov, 1868-1936). Chekhov destacouse como contista e autor de teatro, para o qual escreveu A Gaivota (1896), Tio Vânia (1897) e O Jardim das Cerejeiras (1904). Tolstoi, por sua vez, consagrouse primeiro com a trilogia Infância, Adolescência e Mocidade (1852-1854), e depois com Guerra e Paz (1863-1872). Também teorizou sobre arte e ciência, O Que é Arte? (1898), e pregou o pacifismo teológico no final da vida.
Os estóicos, que o senhor parodia, foram gente admirável, mas a sua doutrina estratificouse há dois mil anos, e não se moveu nem um pingo para a frente, e não se moverá, porquanto não é prática, vital. Ela teve êxito somente para com a minoria que passava a vida estudando e saboreando toda espécie de doutrinas, mas a maioria não a compreendia. A doutrina que prega indiferença à riqueza, às comodidades da vida, o desprezo pelos sofrimentos e pela morte, é de todo incompreensível para a imensa maioria, pois essa jamais conheceu a riqueza nem aquelas comodidades; e desprezar os sofrimentos significa para ela desprezar a própria vida, pois toda essência da vida humana consiste em sensações de fome, frio, ofensas, privações e um medo hamletiano da morte. Nessas sensações está a vida inteira: podese sentila como um peso, odiála, mas não desprezar. Sim, repito, a doutrina dos estóicos não pode ter um futuro, e progridem, como o senhor vê desde o início dos tempos até hoje, a luta, a sensibilidade para a dor, a capacidade de responder a uma excitação...
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Em vão milhares e milhares de homens, aglomerados em um pequeno espaço, procuravam maltratar a terra em que viviam, esmagando de pedras o solo, para que nada germinasse; em vão arrancavam impiedosamente o arbusto que crescia e derribavam as árvores; em vão escureciam o ar com fumaça e petróleo; em vão enxotavam aves e animais: a primavera, mesmo na cidade, era ainda e sempre, a primavera. O sol brilhava com esplendor; a vegetação, reverdecida, voltava a crescer, tanto nos gramados como entre as lajes do calçamento, de onde tinha sido arrancada; as bétulas, os álamos, as cerejeiras espalmavam suas folhas úmidas e perfumadas, os botões das tílias, já intumecidos, estavam quase a florescer; pardais, pombas e gralhas, trabalhavam alegremente na construção dos ninhos; acima dos muros, zumbiam as moscas e as abelhas, radiantes de gozar novamente o calor do sol. Tudo era alegria: plantas, animais, insetos e crianças, em esplêndido concerto. Os homens, somente os homens, continuavam a enganarse e a torturar a si próprios, e aos outros. Somente os homens desprezavam aquilo que era sagrado e supremo: não viam aquela manhã de primavera, nem a beleza divina do mundo, criado para a alegria de todos os seres vivos, e para a todos dispor à união, à paz e ao amor. Para eles só era importante e sagrado aquilo que haviam inventado para instrumento de mútuo engano e tortura (CHEKHOV, A. P. Enfermaria N°6, X e TOLSTOI, L. N.Ressurreição, primeira parte, cap. I).
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Imagem: Chekhov visita Tolstoi em sua propriedade em Iasnaia Poliana, dois anos antes de morrer tuberculoso, na Floresta Negra. Fonte: Nova Enciclopédia Ilustrada Folha. |