Franz Kafka
(Praga, 1883 - Kierling, 1924)
Escritor austríaco, nascido na RepúblicaTcheca. Autor de contos e romances, cuja atmosfera opressiva e sufocante, denunciaram não só os problemas pessoais que viveu, ao lado da figura dominadora de seu pai, mas sobretudo a sociedade burocrática e totalitária que emergiu no século XX. O espanto e a fraqueza do indivíduo diante da autoridade investida de poder, oriundo de uma massa humana anônima e omissa, são os temas de sua obra, em sua maior parte publicada, contra sua vontade, após à morte sofrida num sanatório perto de Viena. Em vida, lançou A Metamorfose (1915), Carta a meu Pai e Na Colônia Penal, ambos de 1919, mas sem muita repercussão. Depois de morto, seu amigo Max Brod patrocinou as edições de O Processo (1925) e O Castelo (1926), seus principais romances, bem como o restante da obra kafkiana.
Não é o êxito de orador que eu desejo disse K., revelando o que pensava nesse momento , êxito que por outro lado não alcançaria. Provavelmente, o senhor juiz de instrução fale muito melhor do que eu, como é devido à sua profissão. O que eu pretendo é simplesmente tornar pública uma evidente situação de injustiça. Escutem vocês: há cerca de dez dias fui detido; eu mesmo me rio deste fato, mas não é próprio que o faça aqui. Uma manhã bem cedo fui assaltado em meu próprio leito; talvez se tivesse determinado a ordem de detenção (pois conforme o que o juiz de instrução acaba de dizer não fica excluída essa possibilidade) contra algum pintor de pincel gordo que provavelmente seja tão inocente como eu; mas o caso é que escolheram a mim. Dois grosseiros guardas de polícia ocuparam a sala pegada à minha. Se eu fora um bandido perigoso não se teriam podido tomar precauções maiores. Além do mais, os tais guardas eram dois malandros sem moralidade que me encheram a cabeça de histórias, que se ofereceram ao meu suborno, que alegando algumas razões pretenderam ficar com a minha roupa branca e meus trajes, que me pediram dinheiro para trazer ao meu quarto uma presumida refeição matinal depois de terem tomado diante de meu nariz mesmo e com a maior falta de vergonha que se possa imaginar meu próprio desjejum. Mas isso não é tudo, depois fui levado a uma terceira sala onde estava o Inspetor. Tratava-se de quarto de uma dama que eu estimo muito e ali tive de contemplar como, por minha causa, ainda que não por culpa minha, essa habitação era de certo modo manchada pela presença dos guardas e do Inspetor. Não era fácil permanecer sereno em tais circunstâncias. Contudo, eu o consegui, pois perguntei ao Inspetor com a maior calma (se aqui estivesse teria de confirmar o que eu digo) qual era o motivo de minha detenção. E que é que me responderia aquele Inspetor, ao qual estou ainda vendo diante de meus olhos, sentado na cadeira da mencionada dama como símbolo de estúpida altanaria? Pois, senhores, de essencial nada me respondeu; talvez verdadeiramente não soubesse nada; havia me indiciado: com isso se dava por contente (...) (KAFKA, F. O Processo, cap. II).
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Imagem: retrato fotográfico de Kafka, aos 41 anos, no tempo em que morava em Berlim. |