JUS NAVIGANDI
http://www.jusnavegandi.com.br/doutrina/ditcivil.html
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A DITADURA CIVIL
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Fernando Machado da Silva Lima
advogado, corretor de imóveis,
jornalista, professor aposentado de
Direito Constitucional
da Universidade Federal do Pará,
assessor de Procurador no
Ministério Público do Estado do Pará
"Ninguém se iluda: o regime democrático está sendo trocado, a toque de caixa, ao contrário da redemocratização somente obtida de maneira lenta, gradual e segura, como planejado pelo General Geisel, por um indisfarçável autoritarismo, imposto não pela força dos tanques ou das baionetas, mas a golpes de emendas constitucionais, leis complementares e ordinárias ou medidas provisórias."Essas palavras, do Procurador do Ministério Público Estadual Ismaelino Valente, em trabalho publicado no "site" da AMPEP (http://www.amazon.com.br/~ampep), retratam com perfeição, infelizmente, a realidade de nosso País.
A Constituição de 1988 não é mais a mesma. Se compararmos o texto originário com o atual, veremos que estamos diante de duas ordens constitucionais completamente distintas.
O mecanismo de freios e contra pesos na divisão do poder, essencial para a sobrevivência do Estado de Direito, no Brasil, certamente não funciona.
O Presidente da República, através da edição e da reedição abusivas de medidas provisórias, criou uma nova ordem constitucional.
Evidentemente, ao longo desses anos, têm ocorrido reações, embora insuficientes, por parte do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Para evitar essas reações contra o abuso de poder, o Governo pretende agora calar o Ministério Público, conforme denuncia o Dr. Ismaelino, através da Lei da Mordaça, da Lei de Exclusão de Punibilidade e da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Diz ele que o verdadeiro objetivo da Lei da Mordaça é o de impedir que a população saiba quem são os criminosos de colarinho branco, os traficantes e os políticos corruptos.
Diz ainda que a Lei de Exclusão da Punibilidade dará aos agentes públicos inescrupulosos verdadeira carta de alforria, ao conferir-lhes, a qualquer tempo e em qualquer caso, o foro privilegiado junto aos Tribunais de Justiça dos Estados, notoriamente incapazes de responder com a rapidez necessária, até pelo número insuficiente de desembargadores, à pletora de denúncias sobre a malversação de recursos públicos, que cairão irremediavelmente na prescrição extintiva.
Diz, ainda, que a Lei de Responsabilidade Fiscal, ou Lei da Tesoura, poderá devolver à estaca zero as ampliações ocorridas, após a vigência da Constituição de 1.988, no pertinente às atribuições institucionais do Ministério Público.
O Doutor Hugo Nigro Mazzili, em trabalho intitulado "O AI-5 e a Democracia", diz:
"Hoje não temos mais um militar que rasga a Lei Maior, mas um civil que trata como privilégios o que uma Constituição democrática assegura como direitos, e edita medidas provisórias para revogar direitos adquiridos."
O Ministro Celso de Mello responsabiliza o Poder Judiciário, pela sua omissão.
Diz ele que a omissão da magistratura na repressão à formação de "sistemas marginais de poder", que desrespeitem a Constituição, significa "infidelidade à alta missão institucional que lhe foi atribuída".
Diz Celso de Mello que "... Recusar a supremacia da Constituição, para sobre ela fazer prevalecer a vontade pessoal do governante, significa romper a normalidade jurídica do Estado democrático de Direito.
Dentro desse específico contexto, cumpre registrar, com preocupação, que a experiência jurídica brasileira tem demonstrado a ocorrência de uma apropriação institucional, pela Presidência da República, do poder de legislar, que por imposição dos postulados que regem o Estado Democrático de Direito, pertence, exclusivamente, ao Congresso Nacional.
Essa indevida ocupação, pelo Poder Executivo, do espaço constitucionalmente reservado à atuação da instituição parlamentar provoca graves distorções de caráter político-jurídico, pois as medidas provisórias - considerada a essência democr&aaacute;tica do regime constitucional que prevalece no Estado brasileiro - não foram concebidas pela Assembléia Constituinte como instrumentos ordinários de substituição da atividade legislativa comum do Congresso Nacional.
Na verdade, a indiscriminada utilização de medidas provisórias pelos diversos Presidentes da República tem representado, ao longo desses sucessivos mandatos presidenciais, comportamento institucional que não presta a necessária reverência ao texto da Constituição da República."
A conseqüência mais evidente desse desequilíbrio institucional, que rompe a normalidade jurídica do estado democrático de direito, é a insegurança do jurisdicionado, que hoje decorre do desrespeito aos seus direitos mais elementares, e da impossibilidade em que se encontra de obter do Estado uma garantia contra esse desrespeito.
Restringir a atuação do Ministério Público significará um retrocesso, porque sua atuação tem sido essencial na defesa da cidadania.
Com o Ministério Público inerte e o Judiciário que não corresponde ao seu dever de tutelar os direitos, fazendo jus ao conceito de Ruy Barbosa, segundo o qual Justiça lenta não é Justiça, mas a suma injustiça, prevalecerão certamente a impunidade e o arbítrio.
Na realidade, o Estado Brasileiro, em seus três níveis, não tem demonstrado o menor respeito pelo cidadão e pelo contribuinte, porque não tem demonstrado, também, o mínimo respeito pela Lei Fundamental.
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Texto publicado no jornal
A Província do Pará (21/05/2000)
E-mail do autor: profpito@yahoo.com
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