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MEDIDA PROVISÓRIA
Pressupostos de Admissibilidade============================================
Paulo Lopo Saraiva - Doutor em Direito pela PUC/SP, Presidente da Comissao de Estudos Constitucionais, do Conselho Federal da OAB.
I - Ponderacoes iniciais
A tematica das Medidas Provisorias surgiu com a promulgacao da Constituicao de 1988 e ja' nao e' nova, entre nos, mas sempre recebera' opinioes adversas, haja vista a usurpacao legislativa provocada por esse tipo de ato normativo.
Ultimamente, esse usurpacao tem atingido o seu apice, de vez que o Presidente da Republica tem-se excedido na edicao de Medidas Provisorias, numa verdadeira subtracao do poder de legislar, conferido ao Congresso Nacional.
II - A Origem alienigena das Medidas Provisorias
Os doutrinadores patrios sao unanimes em afirmar que a nascente alienigena das Medidas Provisorias, insculpidas na Constituicao do Brasil, desde 1988, deita suas raizes historicas no direito constitucional italiano.De efeito, uma analise do direito publico peninsular, de logo, afirma essa assertiva.
E' o que se encontra nas observacoes dos autores italianos, CARLOS LAVAGINA e TEMISTOCLES MARTINES.
E esses autores so´ admitem a edicao de Medidas Provisorias, quando for caracterizado "o estado extraordinario", ou seja a impossibilidade inadiavel de funcionamento do Poder Legislativo.
E note-se que o sistema de governo italiano e' parlamentarista.
As Medidas Provisorias substituiram o famigerado Decreto-lei. Mas esse apresentava limites materiais para sua concretizacao:
E' o que se dessume do art. 55, da Constituicao de 1967, alterada pela Emenda n. 1, de 1969:
"Art. 55. O Presidente da Republica, em casos de urgencia ou de interesse publico relevante, e desde que nao haja aumento de despesa, podera' expedir decretos-leis sobre as seguintes materias:
I - seguranca nacional;
II - financas publicas, inclusive tributarias; e
III - criacao de cargos publicos e fixacao de vencimentos.
III - A constitucionalizacao das Medidas Provisorias
Antevendo que as Medidas Provisorias ensejariam o abuso legislativo, por parte do Poder Executivo, em detrimento da funcao primacial do Poder Legislativo - legislar, editar o direito positivo -, na condicao de Assessor Parlamentar constituinte, oferecemos emenda supressiva, perante a Comissao de Sistematizacao, durante a Assembleia Nacional Constituinte, que foi apresentada pelo entao Senador Lavoisier Maia, do Rio Grande do Norte, com o n. A9C040108064, tendo recebido o seguinte parecer do entao Relator-Geral, Deputado Bernardo Cabral:"Suprimir o art. 64 e seu paragrafo. 'Emenda objetiva a supressao do art. 64, que dispoe sobre as medidas provisorias, com forca de lei, facultadas ao Presidente da Republica, em caso de relevancia e urgencia'.
Entendemos indispensavel a previsao constitucional, para casos de emergencia.
Nao ha' comparacao razoavel entre essas medidas e o decreto-lei, pois aquelas perdem eficacia, se nao convertidas em lei dentro de 30 dias".
Como se constata, hoje, o relator sucumbiu em ledo engano!
Afirma numa abordagem mais energica WALTER CENEVIVA:
"Para mudar a situacao e' necessario extinguir a medida provisoria, sem o recurso de solucoes paliativas.
Os erros cometidos sugerem a necessidade de se criar outro sistema, que restaure o equilibrio nas acoes do Congresso e do Executivo, o que compreende mais do que a mudanca da lei, uma retomada da consciencia, pelos parlamentares, da relevancia de sua missao na pratica da democracia".
IV - A pratica das medidas provisorias - pressupostos basicos
O art. 62 da Constituicao Federal fixa os pressupostos basicos para edicao da medida provisoria: relevancia e urgencia.
Ainda que a medida provisoria se origine de um sistema parlamentar de governo - o italiano -, entre nos, so´ o Presidente da Republica e' o unico aferidor desses pressupostos.
Tal fato implica, ab initio, numa verdadeira usurpacao da atividade legislativa, de vez que essa funcao presidencial passa a ter carater discricionario e nao vinculado.
Vale dizer: o Chefe do Executivo, ao discernir sobre a necessidade de edicao de medida provisoria, nao consulta a ninguem, pois e' o juiz de si mesmo, optando, so´ por sua consciencia - sobre o que e' urgente e relevante, no campo normativo para toda a Nacao.
Nao ha' exemplo de tanta potestade, no mundo contemporaneo.
Neste bordo, impoe-se a opiniao do Deputado Federal Bonifacio de Andrade, na apreciacao da emenda constitucional, tramitante no Congresso Nacional:
"As Medidas Provisorias, portanto, sao portadoras desta perigosa vocacao que a historia das diversas Nacoes sul-americanas vem mostrando com experiencias autoritarias que se sucedem, epocas apos epocas, nas entressafras democraticas.
E' de Rui Barbosa a citacao conhecida de que "entre nos o Poder Executivo, no regime presidencial, sera' de sua natureza uma semiditadura coibida e limitada muito menos pelo corpo legislativo, seu cumplice natural, do que pelos diques e freios constitucionais da Justica.
O Poder dos poderes, o grande eleitor, o grande nomeador, o grande contratador, o poder da bolsa, o poder dos negocios, o poder da forca, o poder do dinheiro".
V - Ponderacoes Finais
E' iniludivel que o abuso das Medidas Provisorias fere mortalmente o Estado Democratico de Direito, haja vista que subtrai do Parlamento a sua funcao primacial: editar o direito positivo.
De outro ponto, cria-se com esse ato normativo uma situacao juridica controversa: a Constituicao consagra o Poder Legislativo, mas quem legisla e' o Poder Executivo.
Na maioria dos casos, a "relevancia" e a "urgencia" so´ existem na "concepcao cerebrina" do Presidente da Republica.
Se nao e' possivel, in hoc tempore, abolir tais abusivos, impoe-se que, pelo menos, seja regulamentada a sua edicao, para controle dos excessos reiteradamente praticados.
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(Texto divulgado originalmente por
Giovanni R. Martins <gmartins@nitnet.com.br>)
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