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O VOTO É UM MITO
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Não é verdade, na atual era industrial inexiste democracia plena. Existe, sim, uma ditadura de uma pseudo maioria. As elites procuram inculcar no íntimo do eleitor a falsa idéia que quem obtiver a maioria de votos, mesmo que relativa, terá garantida a representatividade da totalidade da população. Esse pressuposto faz parte da lógica do sistema industrial - o de colonizar a vontade do eleitor.
Luiz Roland
Catanduvas
No dia 10 próximo passado, na coluna "Ponto de Vista" do Jornal Opinião, o articulista Fábio Di Giorgi fez uma análise do processo eleitoral ocorrido em nossa cidade. Em seu discurso, Di Giorgi estabeleceu um paralelo entre o "legítimo" e o "ilegítimo" a partir da sua visão do quadro da política eleitoral local e concluiu que, pela votação recebida, o candidato "vitorioso" se viu "legitimado" no poder por mais quatro anos de mandato "legalizado".
Na primeira parte da sua análise, Di Giorgi usa, como figura literária, a luta de boxe para qualificar o processo eleitoral. Não acredito que o fato eleitoral possa ser comparado a uma luta de boxe.
De fato, o boxeador faz uso da cabeça no seu desempenho esportivo e, obviamente, o eleitor, também, faz uso da cabeça no ato de votar. Só que o primeiro usa a cabeça física e o segundo usa a cabeça intelectual. Diferença abismal. Não dá para estabelecer qualquer tipo de comparação, nem mesmo como figura literária.
Na seqüência, Di Giorgi, usa, ainda, outra figura literária e afirma que "o embate eleitoral é uma guerra civilizada ... ".
Não existe guerra civilizada. Toda guerra é expressão máxima da barbárie humana e melhor faria a humanidade se ela sentisse vergonha e repugnância face a todas as guerras que produziu ao longo de sua história (inclua-se aqui as Santas) e que persiste em continuar produzindo, movida por interesses os mais banais.
No restante do discurso, Di Giorgi tenta esboçar uma defesa da atual administração municipal que, tudo indica, deverá durar mais quatro anos.
Em que pese a minha admiração à cultura e inteligência do caro Di Giorgi, não concordo com a análise que ele faz da administração municipal local e da defesa do direito à legitimidade como resultado do conteúdo das urnas.
Nos quatro anos de poder, a atual administração municipal nada de criativo apresentou. A administração se limitou a reinaugurar obras de administrações passadas e, valores éticos à parte, sempre com redução significativa da qualidade.
Essa falta de criatividade se fez patente em todas as áreas administrativas. Na área do urbanismo, em particular, o desempenho administrativo, qualquer que seja o setor considerado, foi lamentável.
No exercício do poder, a administração municipal local limitou-se a agilizar seu "cash flow" e implementar programas sociais dos governos federal e estadual.
Quanto ao processo eleitoral para a escolha do prefeito e dos vereadores, que agora chega ao seu término, o mesmo constituiu-se de uma exagerada ostentação de riqueza e desperdício.
Foi, com certeza, o mais caro processo eleitoral já acontecido em nossa cidade. Nunca se gastou tanto em camisetas, bandeirolas, painéis, fogos de artifícios e acertos eleitorais, como nesses últimos meses de campanha política.
Todavia, e esta é a razão principal da minha intervenção, não é o desempenho administrativo genérico dos executivos e legislativos municipais, ou um processo eleitoral isolado, retrógrado e viciado, que deva merecer nossa especial atenção como cidadão, mas sim a análise da cultura eleitoral em seu aspecto globalizado.
O processo eleitoral ocorrido em nossa cidade, como em todo o território brasileiro, demonstrou o óbvio. Estamos, ainda, vivendo na era industrial - a segunda onda do antropólogo Alvin Toffler – e tanto as elites nacionais como as locais desempenharam, a contento, seus respectivos papeis.
Ao engendrar as falaciosas legendas políticas e o atual sistema de votação, arcaico e retrógrado, as elites hegemônicas dominantes induzem os eleitores a aceitar, como realidade, a existência de um estado nacional de direito e uma estrutura social democrática.
Não é verdade, na atual era industrial inexiste democracia plena. Existe, sim, uma ditadura de uma pseudo maioria. As elites procuram inculcar no íntimo do eleitor a falsa idéia que quem obtiver a maioria de votos, mesmo que relativa, terá garantida a representatividade da totalidade da população. Esse pressuposto faz parte da lógica do sistema industrial - o de colonizar a vontade do eleitor.
Se o simples cômputo de uma eleição, contados os votos das urnas, resultasse na legitimidade do poder, Fugimore seria um paladino da democracia, já que por três vezes consecutivas foi consagrado pelas urnas. E, pior ainda, Hitler, no passado, também foi beneficiado pelo resultado das urnas.
A história da civilização está repleta de exemplos que demonstram o falacioso resultado imposto pelo sistema de legenda partidária e pelo processo de votação universal.
Assim, é inútil despender energias na análise de sistemas políticos administrativos acorrentados em uma prática social imposta pela era industrial que, felizmente, hoje já começa a perder sua força.
A preocupação com distribuição de renda, pleno emprego, direitos fundamentais, justiça e democracia, são quimeras fantasiosas se não mudarmos, já, nossa posição diante dos avanços que uma nova era de civilização coloca diante do nosso processo reflexivo.
O atual sistema político partidário é uma falácia e o voto é um mito.
Catanduva, 14/10/2000-2.
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Texto veiculado inicialmente na Lista de Discussão Cidadania BR.
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