Segurança Bancária
Exatamente devido ao grande número de elementos não diretamente controláveis é que se deve gerenciar a Segurança como um assunto corporativo
João Alberto Magro, Edson Luiz Domingues e Ricardo Franco Coelho (CPP)

Não há como discutir segurança bancária sem considerar as demais questões referentes a segurança social como um todo, bem como o recrudescimento da onda de violência que se verifica em todos os ambientes que nos cercam. Segundo a Fundação SEADE em pesquisa de 1.998, cerca de 800 mil paulistanos foram vítimas de roubo ou furto em 1.998, o que representa aproximadamente 7,3% da população, considerada a Região Metropolitana1.
Em Incentivos Perversos e Segurança Pública – A Polícia, José Vicente da Silva Filho e Norman Gall2 destacam que a violência vem aumentando nas grandes cidades brasileiras desde os anos 70.

O Brasil está em terceiro lugar no mundo relativamente aos homicídios de pessoas entre 15 e 24 anos, 48 vezes o número da Espanha ou da Irlanda, abaixo somente da Colômbia e Venezuela. Na verdade, prover a segurança, assim como a saúde e educação, é missão precípua do Estado constituído. Devido ao provimento insatisfatório desses serviços por parte do Estado, o cidadão busca meios alternativos para defender sua saúde e patrimônio, arcando com os custos adicionais correspondentes. Do ponto de vista do cidadão, a contratação de serviços de segurança pode ser comparada à compra de remédios: é algo que se faz por ser necessário, mas que gostaríamos de não precisar fazer.
Esses custos são vistos como uma espécie de bi-tributação: paga-se ao Estado para prover segurança e paga-se a empresas privadas para garantir segurança. Os bancos se constituem em alvo de ações criminosas pela simples razão de que existe dinheiro em suas dependências. Ao tratarmos dos delitos contra bancos não devemos nos limitar aos assaltos à mão armada ou roubo de carros-fortes, mas também devem ser abordados os aspectos referentes a fraudes contra clientes, falsificações, subtrações de senhas, seqüestros de funcionários e toda uma gama de ações criminosas que surgem, somem e reaparecem conforme as circunstâncias e as oportunidades. Durante o regime militar, os assaltos contra agências bancárias eram enquadrados na lei de Segurança Nacional e havia repressão tanto por parte das polícias estaduais como pelas Forças Armadas. Com o fim desse enquadramento, restou estabelecida uma legislação que pretende inibir as práticas de ação violenta contra os estabelecimentos bancários através da presença obrigatória de vigilância ostensiva, alarmes e, mais recentemente, mecanismos de restrição de acesso ao interior das agências. Passo a passo, as táticas criminosas foram se sofisticando. Roubam-se equipamentos inteiros de ATM e dispensadores de dinheiro.

O seqüestro de funcionários se tornou banal, para conseguir o acesso às caixas-fortes fora do horário do expediente bancário. Pequenas comunidades do interior passaram a ser alvos de bandidos. Houve casos em que todas as agências de uma cidade foram assaltadas no mesmo dia, por uma mesma quadrilha, após render e imobilizar a pequena força policial da localidade. Os assaltos a carros-fortes passaram a ser comuns graças ao poder de fogo das armas agora utilizadas. Como a ação criminosa é organizada, a repressão policial perde efetividade. Os criminosos dispõem de armamento muito superior àquele utilizado pelas forças policiais, contam com a sobrecarga de trabalho da Justiça e não têm regulamento disciplinar restritivo. Todos esses são elementos estimuladores da criminalidade. Cabe aos bancos atuar preventiva e corretivamente, buscando evitar as perdas decorrentes das ações delituosas. Para melhor avaliarmos essa atuação, precisamos analisar a conjuntura atual da área da segurança bancária. Estudos efetuados para o 1º Curso de Gestão de Segurança Bancária, ministrado em fins de 1.999, projetavam para o segundo semestre do ano passado um prejuízo por assaltos da ordem de R$ 33 milhões, com a perda de aproximadamente 700 armas de vigilantes, em mais de 400 ocorrências. A distribuição geográfica dos assaltos a agências e postos de atendimento é influenciada pelas medidas preventivas e repressivas e por características próprias de cada região. Os marginais se deslocam para fugir das medidas adotadas e atacam em outro local ou de outra maneira.

Descoberto um novo modo de impedir o ataque criminoso, sua adoção em toda a rede de agências é complexa e lenta. Isso faz com que a vulnerabilidade se desloque para os pontos ainda não atendidos. Atrás da vulnerabilidade vão as quadrilhas. Muitas vezes a vulnerabilidade é inadvertidamente divulgada pela mídia, atraindo a atenção de marginais que antes se dedicavam a outro tipo de ação. Estes passam então a explorar o assalto a bancos como novo negócio, muitas vezes com sucesso. A análise dos eventos demonstra que mais da metade dos ataques a agências e postos de atendimento na região metropolitana se concentra na zona sul da capital e no ABC. Por outro lado, o interior paulista já se destaca com 58% das ocorrências. São 42% na região metropolitana. Medidas táticas, como a redução dos valores em tesouraria e baterias de caixa, ampliação dos sistemas de auto-atendimento, novas facilidades em transações eletrônicas fazem com que os métodos de ação dos bandidos sofram transformações. A cadeia composta por ataques, medidas preventivas, novos tipos de ataque, novas medidas preventivas está em constante mutação. Todas as medidas de proteção forçam os marginais a buscar novas vulnerabilidades, e a maior delas está nas pessoas, de forma que, se imaginarmos agências, PABs, carros-fortes e ATMs de alguma forma inexpugnáveis, as pessoas passariam de alvos possíveis a alvos únicos.

As ações contra os clientes já ocorrem sob formas diversas, desde o roubo de importâncias em caixas eletrônicos mediante ameaças até o desvio de valores em computadores, passando pelos golpes aplicados dentro das agências e em ATMs, com marginais iludindo clientes e conseguindo se apossar de seus cartões e senhas, valendo-se em todos esses casos, em maior ou menor grau, dos recursos que o próprio banco desenvolveu para oferecer mais interfaces ao cliente, simplificando e reduzindo os custos das operações. O Banco Central acena com o Código de Defesa do Consumidor Bancário para regulamentar o relacionamento do cliente com o banco, inclusive no que se refere às perdas por fraudes. Em recente reportagem (06/07/2.000), o jornal Valor Econômico abordou o assunto e transcreveu dados da Febraban, bastante elucidativos: as instituições financeiras gastam anualmente mais de R$ 1 bilhão para prover segurança às 26 mil agências bancárias em todo o território nacional, sem considerar despesas com transporte de valores. Em entrevista na mesma matéria, o secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo, doutor Marco Vinício Petrelluzzi, considera inócua a legislação federal que obriga a manutenção de vigilantes armados dentro dos estabelecimentos e sugere que se busque algum tipo de parceria entre o setor público e os bancos para que se consiga maior eficiência na prevenção da criminalidade, diminuindo a sensação de insegurança que domina a sociedade.

Os cenários possíveis relacionados a segurança bancária estão atrelados à evolução de vários fatores distintos. Com relação aos roubos e assaltos, o fator mais importante é sem dúvida a segurança pública, pois o ataque é precedido de movimentação externa, trânsito de marginais com armas pelas ruas, locais onde possam se esconder, e às suas armas, etc. Outros fatores estão associados ao desenho das agências e postos bancários e aos respectivos dispositivos de segurança e comunicação. Como visto, as mudanças que vêm ocorrendo nessa área estão inibindo os ataques e levando os marginais a mudanças. As portas giratórias, a redução do montante de numerário nos pontos de atendimento, a melhoria tecnológica de alarmes e dispositivos de registro de imagens vêm trazendo dificuldades para a concretização dos roubos e assaltos e reduzindo o sucesso das ações criminosas. Os números do primeiro semestre de 1.999, comparados aos do mesmo período de 1.998, mostram redução de roubos a bancos, mas aumento de 1.540% na chamada extorsão mediante seqüestro, o que denota a disposição dos marginais de utilizar novas modalidades, como o roubo realizado pelo próprio funcionário mediante ameaças a familiares mantidos em poder de quadrilhas. Apesar da ação da polícia, a entrega de dinheiro aos criminosos por parte dos funcionários dos bancos fez com que a modalidade explodisse, chegando a um caso por dia em dezembro/98, tendo sido reduzida pela ação conjunta polícia/bancos em 99, mas voltando a expandir-se em 2.000, ainda que com maior risco para as quadrilhas em razão da forte atuação e do sucesso da polícia em todos os casos em que é acionada.

O roubo eletrônico, por sua vez, vem sendo cada vez mais noticiado, a despeito do compreensível esforço dos bancos para se manterem fora dessa espécie de noticiário, que pode levar o público a concluir equivocadamente pela falta de segurança ou de esforço nesse sentido neste ou naquele banco. O duelo entre protetores e fraudadores nessa área é intenso, e a tendência dos clientes à utilização de senhas facilmente dedutíveis constitui importante vulnerabilidade, que o inimigo explora com recursos tecnológicos sofisticados. Como se disse no início, não há que se examinar a questão da segurança bancária sem a abordagem global do ambiente social. Entretanto, a grande quantidade de fatores externos que compõem o problema não deve desviar o administrador bancário da tarefa de tratar o assunto cientificamente. Pensar em segurança somente quando ocorrem perdas é tratar do passado, com o risco adicional de não se obter nenhum aprendizado. É necessário que os pontos críticos sejam enfrentados através de um componente de segurança afinado com a orientação estratégica da organização bancária. Esse componente deve ser o agente implementador de uma filosofia de trabalho calcada na “Consciência da Segurança”, tendo como foco a proteção física e emocional de funcionários e clientes, a valorização da riqueza do acionista, a identificação de riscos e a prevenção de perdas.

Exatamente devido ao grande número de elementos não diretamente controláveis é que se deve gerenciar a segurança como um assunto corporativo. Segurança não é somente vigilância, câmeras, alarmes e equipamentos, mas uma predisposição gerencial. A organização bancária age continuamente sobre aspectos extremamente diversificados, como rede de agências, operações de crédito, mercados, perfil de clientes, marketing, carteiras de títulos, mix de produtos, funcionários, etc. Todos esses aspectos podem se constituir tanto em vantagens competitivas quanto em potenciais geradores de perdas e focos de insegurança. O órgão de segurança em uma organização bancária deverá obrigatoriamente compor uma administração integrada, participando da análise de cenários, da discussão de estratégias, da disposição física dos imóveis e equipamentos, dos programas de ensino e treinamento, além do desenvolvimento de parcerias fortes, internas e externas. São indispensáveis o apoio e o patrocínio da alta administração, pois o componente de segurança existe para prevenir perdas e reduzir riscos, para desenvolver um trabalho técnico de apoio às decisões empresariais. A direção deve estimular continuamente o desenvolvimento técnico e o papel integrador dessa área, exigindo dela mais e mais contribuição prevenção de perdas e identificação de riscos usualmente não percebidos.

1 Revista VEJA, 06/10/1.999 2 Incentivos Perversos e Segurança Pública - Braudel Papers nº 22, 1.999 – Publicação do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial. Artigo publicado pela Disclosure das Transações Financeiras - Setembro 2.000.

João Alberto Magro, Edson Luiz Domingues e Ricardo Franco Coelho (CPP) são diretores da MCD Consultores.