Evolução do Crime Banaliza Seqüestros em São Paulo
Natalino Borrin
Até pouco tempo somente os grandes empresários e pessoas afortunadas eram vistas como possíveis seqüestráveis no mundo do crime. Hoje, seqüestros como o de Patrícia Abravanel, filha do apresentador e empresário Silvio Santos, que aconteceu no final de agosto, são as exceções. Talvez a única semelhança entre este e os demais 102 casos que aconteceram no primeiro semestre deste ano em São Paulo (dados da Secretaria Estadual de Segurança Pública), seja o baixo valor do resgate exigido e a ousadia dos criminosos. É cada dia mais freqüente presenciar situações onde pessoas comuns, que não chamariam a atenção de marginais especializados no crime de seqüestro, serem atacadas e terem a liberdade e a vida ameaçada por horas ou mesmo dias.

A situação fica ainda mais complicada quando o criminoso não tem noção da real dimensão de seus atos e passa a atribuir um valor simbólico à vida alheia, normalmente de acordo com as posses da vítima ou de seus familiares. Tal justificativa para tamanha banalização de um dos mais hediondos crimes tem sido relacionada à migração de criminosos que antes atuavam em outras áreas, como roubo a bancos ou cargas, uma vez que esses produtos passam por uma expressiva redução no número de ocorrências nos últimos anos. Pior do que esta possível migração é o fato do marginal não contar com qualquer tipo de preparo para lidar com as situações de riscos, pois muitos são aventureiros. Permeia no mundo do crime um certo “vale-tudo”, principalmente quando, no caso de seqüestro, o marginal se dá conta que não é mais a vida da vítima que está em jogo mas a sua própria pele, principalmente após ter recebido o dinheiro do resgate.
O caso do apresentador Silvio Santos é um bom exemplo do pavor vivido pelo seqüestrador que não mediu esforços para lograr sucesso no seu audacioso e estúpido plano. Os acontecimentos também serviram para mostrar a atual situação de desmando vivida pelas polícias do mais rico estado brasileiro. Mesmo sabendo que em São Paulo a cada um dia, 18 horas e 30 minutos, uma pessoa torna-se refém dos bandidos, em casa, no trabalho ou no trânsito, pouca coisa estava sendo feita pela poder público para tentar mudar essa situação. Foi preciso seqüestrar Patrícia Abravanel, uma semana depois invadir sua residência e tomar seu pai, Silvio Santos, refém por um período de sete horas pelo próprio seqüestrador que, na noite anterior, havia escapado do cerco policial e matado dois investigadores, ferindo um terceiro, para que as autoridades da Secretaria de Segurança anunciassem um reforço da Delegacia Anti-Seqüestro e do policiamento. Talvez, se Silvio Santos e Patrícia Abravanel não tivessem sido vítimas da violência em São Paulo, essas medidas jamais se concretizassem durante este governo.
Faz tempo que a polícia já tem conhecimento da banalização do seqüestro na sociedade paulistana, onde muitas pessoas são mantidas reféns de bandidos em troca de irrisórias quantias em dinheiro, que variam de R$ 500 a R$ 15 mil. Sabe-se também que, além das estatísticas oficiais, existe outro número enorme de cidadãos diariamente vítimas desse tipo de crime que, por medo de represália e descrença total nas autoridades policiais, resolvem calar-se após o pagamento da quantia exigida pelo seqüestrador e a libertação da vítima. Este percentual não faz parte de quaisquer estatísticas, mas é um fato relevante. Essa atitude de não procurar ajuda policial só tem contribuído para que os marginais sigam cada vez mais impunes e sintam-se livres para ampliar seu leque de delinqüência. Percebem que seqüestrar pessoas comuns e extorquir seus familiares é algo extremamente fácil, uma vez que a maioria das vítimas sequer conhece as técnicas básicas de prevenção. Como o valor do resgate é baixo e o seqüestrado saiu ileso, muitas famílias acabam sentindo um certo desestímulo em dar continuidade ao caso junto às autoridades policiais.
Foi esse silêncio e a passividade das vítimas que fez com que Fernando Dutra Pinto seguisse ileso no mundo do crime. Embora para a justiça seja considerado réu primário, pois não tem qualquer antecedente criminal, é sabido que antes do seqüestro Dutra Pinto e seu irmão Esdras Dutra Pinto já haviam se envolvido em outros roubos. Consta que, além de realizar seqüestros-relâmpago e pequenos roubos na região de Barueri, Grande São Paulo, os dois já haviam roubado 150 mil reais em jóias e posto de gasolina no Km 29 da Rodovia Castelo Branco. Neste último caso, um segurança foi baleado. Segundo o delegado titular da delegacia de Barueri, Paulo Pimentel Viese, Fernando e o irmão também roubaram coletes à prova de balas e quatro armas de dois policiais rodoviários em abril deste ano.
O desemprego e a falta de oportunidade para as conquistas sociais e de bens de consumo têm sido apontados por alguns estudiosos como os principais responsáveis pelo aumento da delinqüência juvenil. Basta analisar a evolução no número de casos de menores delinqüentes que estão presos na Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor – Febem. O próprio pai de Dutra Pinto, resumiu que a participação de seu filho no crime pode estar relacionada à frustração de viver às margens das oportunidades sociais. Talvez esse sonho de progresso aliado às constantes denúncias de corrupção nas esferas políticas e as malandragens comerciais tenham ajudado na validação do crime de seqüestro. Em rápida análise, para muitos marginais, o crime de seqüestro seria uma forma de alcançar o tão almejado progresso social.
Medo e revolta
Durante as sete horas em que o apresentador e empresário Silvio Santos foi mantido refém do seqüestrador Fernando Dutra Pinto, as emissoras de televisão proporcionaram um grande espetáculo cinematográfico, numa das maiores explorações do sentimento de comoção social. Atônitos pela audácia do criminoso, o clima entre telespectadores e expectadores que presenciaram a cena do lado de fora da residência do apresentador era de medo e revolta. A maioria temia não uma ação desastrosa do seqüestrador mas da própria polícia, lembrando-se do caso em que atiradores de elite mataram bandido e refém. Talvez um dos mais trágicos foi a da professora Adriana Caringi, morta por um atirador de elite da Polícia Militar que disparou contra o seqüestrador em 1990. Mais recentemente, em 12 de junho de 2000, um assalto ao ônibus da linha 174, no Rio de Janeiro, terminou com a morte pela polícia da refém, a também professora Geisa Firmo Gonçalves, e do seqüestrador, Sandro do Nascimento.
O clima de revolta nas pessoas que acompanhavam o desfecho do seqüestro do apresentador Silvio Santos estava relacionado à má atuação dos policiais. A desarticulação da polícia culminou na morte de dois investigadores no flat L´Etoile Residencial Service, em Alphaville, no município de Barueri. Sobre esse assunto, o secretário de Segurança Pública, Marco Vinício Petrelluzzi, apenas admitiu o erro e afirmou que a “polícia vai aprender com a falha”.
Outro fato que gerou bastante controvérsia foi a real necessidade da presença do governador Geraldo Alckimin para ajudar a elucidar o caso. O Capitão PM Diógenes Viegas Dalle Lucca, comandante do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), afirmou à imprensa que a presença do governador não foi cogitada, seja por parte do seqüestrador ou de Silvio Santos. Também disse que não ocorreu o telefonema de Silvio Santo solicitando a presença do governador. Dessa forma, a possibilidade do caso ter terminado em tragédia foi muito grande.

Segurança particular falhou
Assim como os policiais que atuaram na captura do seqüestrador Fernando Dutra Pinto, os seguranças que prestam serviço na casa do apresentador Silvio Santos também falharam feio. Na primeira vez, por não conseguirem dissuadir o marginal da intenção de seqüestrar Patrícia Abravanel. Pelo que consta a presença dos seguranças em nada intimidou Dutra Pinto. A atuação foi fácil e rápida. Falharam novamente por não terem conseguido sequer perceber que o seqüestrador havia pulado o muro e entrado na casa do apresentador. O alerta foi feito pela repórter da TV Bandeirantes Carla Augusta Santana e pelo Cinegrafista Carlos Alberto Correia, que estavam de plantão desde as 6 horas do dia 30 de agosto, em frente à casa do apresentador. Segundo a jornalista, Dutra Pinto caminhava tranqüilamente pela rua e não carregava nada nas mãos. Subiu a Rua Antônio Andrade Rabelo, onde fica a casa de Silvio Santos, ficou parado por cerca de cinco minutos próximo ao muro da casa e, na primeira oportunidade, saltou-o e entrou na residência. Diante da situação, a repórter e o cinegrafista correram para o portão da casa e alertaram os seguranças que custaram um pouco a acreditar na veracidade da informação. Se em questão de segurança as ações rápidas são imprescindíveis e o tempo sempre deve ser levado em consideração, essa segunda falha da equipe pode ter sido ainda mais grave que a primeira.

Esse caso ainda terá outros desfechos, principalmente no que diz respeito à atuação da polícia e as falhas cometidas pelos seguranças. Não dá para subjugar criminosos. Achar que bandidos comuns merecem menos atenção pois, teoricamente, seria mais fácil prever suas ações é um passo quase certo para o caminho da desgraça de toda a operação. Quem sabe depois desse triste episódio alguns conceitos ou resistência por parte de muitos policiais sejam revistos e até alguns vigilantes da iniciativa privada comecem a prestar mais atenção nas sutilezas dos acontecimentos e se lembrem que o custo de um erro é sempre muito alto.

Seqüestro: Mais que um Crime Hediondo

Podemos entender o crime de seqüestro como sendo um meio utilizado por um indivíduo para privar alguém, total ou parcialmente, de sua liberdade de locomoção, por um tempo indeterminado. O interesse do seqüestrador, muitas vezes, não é no refém em si, mas em tudo o que ele representa, pessoal e socialmente, além de seus bens ou os de sua família. A devolução do seqüestrado costuma dar-se através de uma permuta: troca-se o refém por um valor que normalmente é imposto pelo criminoso. O interesse de quem seqüestra é de poder obter algo a seu favor. Esse benefício pode estar relacionado tanto ao ganho de dinheiro, espécie, como à libertação do prisioneiro que, após um assalto, por exemplo, pode servir como garantia de liberdade do próprio marginal.

O seqüestrador, de alguma forma, banaliza e restringe o significado da vida, na medida que estipula um preço para libertar sua vítima. Afinal, será que a vida tem preço? E se tiver, qual a melhor forma de mensurá-la? Muitas vezes, na visão do criminoso, a vida de cada um vale exatamente o que esta pessoa ou seus parentes possuem, ou seja, está relacionada a condições financeiras. E para que seqüestrar alguém? A princípio, a primeira resposta seria a obtenção de dinheiro. Mas são diversos os motivos pelos quais alguém é levado a seqüestrar. Em meio a tantas formas de se ganhar a vida, porque optar por esta? Podemos entender essa escolha como sendo um desejo imediatista. Nesse momento, o indivíduo quer algo, mas não cria ou não acredita ser possível consegui-lo através de meios lícitos. É querer ter, sem merecer. Plantar, cuidar e colher é diferente de roubar a fruta da árvore do vizinho. Embora possa parecer mais fácil é muito menos livre. Esse querer sem medir conseqüências, ocorre muitas vezes quando as pessoas deixam de perceber suas próprias qualidades e acabam se comparando e querendo o que o outro tem. O indivíduo invejoso parece sofrer de uma amnésia específica: esquece o que tem e quem é, mas se lembra com detalhes do que não tem e quem não é. O importante passa a ser o que lhe falta, jamais o que já foi conquistado. Dessa forma, o invejoso almeja ter o que o outro possui. Porém, não basta conseguir igual, o importante nesse momento torna-se a retirada do que pertence ao outro. Cria-se, então, uma competição desigual, cuja conquista de um simboliza a derrota imediata do outro. Destruir o que o outro tem se torna mais fácil do que construir para concretizar seus desejos. “Se eu não posso ter, ninguém mais poderá.”, ou “Se não é meu, não será de mais ninguém.”Durante o seqüestro, o criminoso passa a ser aquele que domina e controla a situação, ditando as regras a seu favor. A posição do seqüestrado é sempre a de vítima, na medida que não tem poder para decidir sobre sua vida, ficando à mercê do outro. Esse sentimento de impotência se torna presente não apenas na pessoa seqüestrada, mas em todos aqueles que estão envolvidos emocionalmente com a vítima, principalmente, daquele que ficou responsável pelo pagamento do resgate. O mediador passa a ter a responsabilidade de negociar a vida de outra pessoa junto ao seqüestrador. Responsabilidade esta que, muitas vezes, lhe é imposta e não adquirida. A personalidade do seqüestrador tende a ser a de um indivíduo frio, calculista e inteligente, tendo em vista a forma que planeja e executa todo o processo.
Os seqüestradores costumam ser pessoas com características egocêntricas, vaidosas e sem limites, justamente por não conseguirem enfrentar as frustrações de forma saudável e construtivas não sendo capazes de medir seus atos para alcançar o bem almejado.Indivíduos assim, procuram seqüestrar pessoas importantes, como aconteceu no recente caso de seqüestro do empresário e apresentador Sílvio Santos. Manter celebridades como refém é uma forma de se autovalorizar diante de alguma experiência frustrante vivenciada ou não, cuja auto-estima ficou prejudicada por um fato real ou um nível de ambição acima da sua capacidade de realização. Estar seqüestrado é perder a liberdade de ir e vir e ter a integridade física de alguma forma comprometida durante esse tempo de não previsão, sem um fim determinado. No período que está no poder dos seqüestradores, a vítima tende a atitudes de auto-preservação, sejam elas percebidas (conscientes) ou não (inconscientes). Em alguns casos o refém acaba tentando se aproximar, criando um clima amistoso e até mesmo uma suposta amizade com seus seqüestradores, com o intuito de se sentir seguro. Dessa forma, o indivíduo busca um equilíbrio dentro da desigualdade de forças, e a balança dessa relação é inconstante. Essa forma de se proteger é uma maneira de gerar controle, evitando atitudes opostas como assumir um papel submisso. O vínculo que é criado nesse momento acaba sendo profundo, pois seqüestrador e seqüestrado estão de alguma forma na mesma situação, ambos temem perder a vida (embora os motivos sejam distintos) e torcem pelo melhor desfecho. Ao término do seqüestro, o sujeito procura retomar seus afazeres. Entretanto, a realidade dessa pessoa pode ficar distorcida. Isso ocorre devido à mudança repentina de sua vida sem o seu consentimento. O retorno à casa, e a tudo que é conhecido, pode levar a uma euforia pela satisfação de estar livre e de imaginar que tudo já passou. Quando essa alegria torna-se exacerbada e o criminoso de alguma forma é enaltecido, tratar-se do que os especialistas qualificam como “síndrome de Estocolmo”. Essa nomenclatura não é reconhecida pela psiquiatria, apenas seus sintomas. O nome surgiu em 1973, após um assalto a um banco, onde quatro funcionários foram mantidos como reféns por seis dias na cidade de Estocolmo, Suécia. Após o desfecho desse incidente, os indivíduos seqüestrados recusaram-se a depor contra os bandidos, chegando a arrecadar dinheiro para o processo de defesa, e uma das vítimas se apaixonou por um dos seus seqüestradores. O comportamento de quem sofre dessa síndrome é uma mescla de histeria e alegria, cuja conduta é exagerada em decorrência da situação em si. Isso ocorre como uma atitude de auto-preservação. O indivíduo, muitas vezes, parte do princípio que o pior pode e vai acontecer. E na medida que percebe que sua fantasia foi além dos fatos em si, transfere a benevolência da situação à atitude humanista do criminoso e passa a agradecê-lo por não ter concretizado sua imaginação. O vilão se transforma em mocinho de boa índole e intenção. A “síndrome de Estocolmo” só é considerada quando a pessoa age inconscientemente e não com segundas intenções, como por exemplo, quando é ameaçada ou coagida a dizer isso, sem ser o que realmente pensa. O seqüestro está ligado diretamente a uma violência, que acaba por impedir o ser humano de usufruir sua liberdade, passando a viver como se fosse refém dentro de seu próprio mundo.

Adriana M. A. de Araújo é psicóloga clínica e organizacional. E-mail: adriana@psiclinica.com.br

Trabalho da equipe de segurança em ações de seqüestro

O recente seqüestro e os maus momentos pelos quais passou a família do apresentador Sílvio Santos nos remetem a algumas considerações importantíssimas do ponto de vista de segurança. Sob a ótica policial, no que tange ao gerenciamento da ocorrência do seqüestro propriamente dito, acredito que ainda não dispomos de informações suficientemente confiáveis para empreender uma análise tecnicamente precisa. Discorrer sobre a propriedade de divulgar ou não a ocorrência do seqüestro é algo extremamente polêmico, tratando-se de um procedimento o qual, a rigor, só se adotará “depois da porta arrombada”...
Se a segurança é hoje uma prioridade de todo o brasileiro, imagine-se o quanto deveria representar para aqueles que detêm considerável poder aquisitivo, habitam mansões e podem, em face de uma ação de captura por criminosos, pagar resgates da ordem de muitos milhares de reais. É fato que a polícia não pode estar em todo lugar, por isso,

quem precisa e pode pagar contrata os serviços das empresas de segurança particular. Cabia à segurança privada que atuava na casa do apresentador dissuadir a ocorrência da ação delituosa e nisso ela por duas vezes falhou. Primeiro, naquilo que se concerne à segurança pessoal de uma pessoa de notável projeção, permitindo a ocorrência do seqüestro e, depois, ao permitir a nova incursão do criminoso que resultou na tomada como refém do próprio apresentador e empresário Sílvio Santos. Esses dois episódios remete-nos a lições que devem ser obrigatoriamente assimiladas. Em segurança é desejável que aprendamos com os erros dos outros, porque os nossos, a exemplo das ocorrências no Morumbi, em São Paulo, costumam deixar marcas profundas e dolorosas.
É sabido que a maioria das pessoas de bom senso se constrange com a companhia e os olhares vigilantes de uma boa equipe de segurança. Num “esquema de segurança”, o agente de segurança ou “guarda-costas” acaba por penetrar na intimidade dos segurados e isso é sempre um preço muito incômodo a pagar. Na Europa e nos Estados Unidos – onde o risco de ser atacado com fuzis, metralhadoras e granadas está restrito aos alvos potenciais do terrorismo político - talvez se possa pensar numa segurança mais “light”, onde a necessidade do elemento humano não seja tão preponderante, porém, acredito sinceramente, as características do serviço e os riscos existentes no Brasil, remetem-nos a uma realidade diferente. Se na Grã-Bretanha ou Suécia um segurança pessoal pode trabalhar desarmado, aqui, na maioria dos cenários, seria suicídio. Como observou um amigo recentemente, “estamos mais para Colômbia, embora ainda sem os carros-bomba”!
Hoje em dia, a moderna tecnologia de alarmes e circuito fechado de TV – essencialmente, recursos complementares no âmbito do planejamento de uma segurança – é erradamente comercializada junto ao público “seqüestrável” (ou “assaltável”) como uma verdadeira solução para seus riscos e vulnerabilidades. Nada mais falso. O bandido escalou o muro sem ser percebido, um alarme foi acionado, mas isso não impediu que o criminoso alcançasse seu intento. À equipe de segurança que a empresa de monitoramento de alarme mandou ao local, apenas coube a constatação de que nada poderia fazer naquele caso. Quem sabe, talvez, se eles estivessem baseados lá?... Câmeras, sensores e alarmes, embora sejam bastante desejáveis, não substituem agentes de segurança rigorosamente selecionados, verdadeiramente bem treinados, convenientemente equipados, posicionados no local, de forma correta e em instalações apropriadas.
Saltou aos olhos do público (e que ninguém se engane, também dos criminosos que já devem estar planejando outras ações) como uma pessoa (ou uma família) de posses – a qual, logicamente necessita de maior segurança - permite que sua residência seja tão vulnerável. Os criminosos também aprendem com erros e os preconceitos do cidadão de bem, sendo incontestável que, em nosso país, falta-nos uma cultura prevencionista, principalmente nos aspectos mais simples da vida cotidiana. No próprio projeto arquitetônico de estabelecimentos bancários, casas comerciais e residências brasileiras as questões estéticas e paisagísticas costumam preponderar sobre elementos de caráter funcional, do ponto de vista da segurança. Para quem tiver dúvida, recomendo observar o extenso uso de materiais como gesso, vidros, eucatex e plástico, principalmente em balcões, paredes e divisórias. Como já deveríamos estar cansados de saber, as portas fechadas, grades, cercas de arame e os muros altos, apenas impedem a passagem de pessoas honestas. Mesmos os carros blindados, excepcionalmente úteis nos deslocamentos cotidianos, por si só não garantem a incolumidade dos segurados em face de uma ação de seqüestro, uma vez que criminosos inteligentes sempre procuram efetuar seus ataques contra alvos a pé.

No Brasil de hoje, com a nossa criminalidade cada vez mais ousada e bem armada, não se pode pensar na segurança residencial de alguém com grande poder aquisitivo, de executivo ou pessoa de notável projeção, sem levar em consideração a possibilidade de uma invasão por um grupo numeroso e bem armado. Basta ler o noticiário para ver como tais ocorrências se processam cotidianamente. Não se pode pensar no enfrentamento clássico com esses grupos, até pelo fato de que, aos civis, não faculta dispor dos mesmos meios do arsenal dos criminosos. Humanamente, não se deve esperar que um vigilante, de peito aberto, empreenda uma troca de tiros com bandidos de AR-15 ou AK-47, mas a implementação de um correto planejamento de segurança pode transformá-lo num “osso duro de roer”. A segurança existe para criar-lhes dificuldades (as quais, se sérias poderão fazê-los desistir), desestimulá-los e retardá-los até que a polícia possa chegar em socorro da vítima.

No que se refere à eficiência da segurança não existe “receitas de bolo”. A segurança terá de ser adaptada ao risco do local da residência, às peculiaridades do imóvel, bem como à condição topográfica do local. Não basta apenas espalhar guardas armados pelo perímetro da edificação, pois os mesmos, sem um treinamento ou planejamento adequado que lhes dê suporte, pouco mais serão do que “espantalhos” numa horta de corvos potencialmente muito espertos. Os responsáveis pela segurança deverão planejar sua atuação em caso de previsíveis emergências (tentativas de ataque/invasão, incêndio, evacuação, médica, perturbação da ordem pública, etc) de forma que todos – os protegidos, funcionários e integrantes da segurança – saibam respectivamente o que fazer em caso de ocorrências adversas.
É imprescindível estudar e implementar medidas de segurança tais como substituição de fechaduras, reforços de trancamento de janelas e portões, aumento da altura dos muros, colocação de arame farpado, reposicionamento ou colocação de iluminação de proteção, colocação de espelhos convexos, pintura ou caiação de paredes e muros, poda de árvores ou arbustos (quando, por exemplo, estes atrapalharem a visualização da área pela segurança), plantio de árvores ou cercas vivas (para o caso de imóveis devassados), aplicação de películas do tipo “insulfilm” nos vidros, instalação de circuito fechado de televisão, sensores de presença de infravermelho, sensores de quebra de vidro, alarmes e o emprego de cães. Em residências, onde o poder aquisitivo dos protegidos permita realizar obras de reforma, é importante “blindar” um dos cômodos (notadamente um “closet” ou banheiro de suíte) a fim de que possa ser empregado como refúgio seguro do protegido em caso de emergências como assaltos ou tentativas de captura por seqüestradores. Dotado de porta resistente a disparos de armas de fogo, paredes de concreto, ventilação independente e linha telefônica segura (independente), um compartimento de tais características permite que, no caso de um ataque que não possa ser rechaçado pela segurança, uma pessoa ou família possa proteger-se, acionar a polícia e aguardar o socorro.
Ao contrário de um cidadão comum, o bom profissional de segurança não pode confundir a boa sorte com as boas táticas. Em se tratando da proteção de personalidades, o fato de nenhuma adversidade ter ocorrido deverá estar associado ao bom planejamento da segurança, à sua execução disciplinada e escrupulosa, ao emprego de equipamentos e recursos adequados, à excelência do treinamento dos integrantes da segurança, à conscientização dos protegidos de que devem cooperar com sua segurança e não apenas ao fato de que seqüestros e tomadas de refém – graças ao bom Deus - não são coisas que costumem acontecer, numa mesma família, duas vezes no espaço de uma mesma semana!

VINICIUS DOMINGUES CAVALCANTE, o autor, integra a Diretoria de Segurança da CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO. Desde 1993 atuando como consultor especializado em segurança pessoal de executivos e autoridades, treinou efetivos de segurança de instituições como o GRUPO MULTIPLAN, PETROBRÁS (Segurança da Presidência), FOTOMANIA, BANCO ITAÚ, BANCO REAL, COMPANHIA SULAMÉRICA DE SEGUROS, MANOEL CRISPUM MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO, SCHERING PLOUGH, COCA-COLA, ESSO, BANCO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO e COMPANHIA VALE DO RIO DOCE.