ðHwww.oocities.org/br/dreamyaoi/lalafics/dreamlala_angustia.htmlwww.oocities.org/br/dreamyaoi/lalafics/dreamlala_angustia.htmldelayedx?bÕJÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÿÈ 1”v‚OKtext/html€X¾:}v‚ÿÿÿÿb‰.HTue, 16 Nov 2004 02:53:34 GMT¯Mozilla/4.5 (compatible; HTTrack 3.0x; Windows 98)en, *?bÕJv‚ Dream Yaoi Fanfics

Angústia

Fanfic por Lalachan

 

 

Eu já sei que há algo errado assim que meus pés pousam sobre o solo do Ningenkai. Algo me atinge com força; algo que não consigo distinguir a princípio. Não é um ki, ou aura de alguém; é mais como um pressentimento no ar... um mau pressentimento. Aconteceu algo, algo grave. Não tenho certeza de querer saber o que é, enquanto meus saltos através das árvores me levam diretamente em direção à casa de Kurama.

Como já fiz muitas vezes antes, eu chego junto à janela ampla de seu quarto, e como de hábito empurro a janela, para poder entrar. Minhas sobrancelhas se juntam em confusão.

Ela está fechada.

Não consigo me recordar de quando isto já aconteceu, antes. É tarde da noite, hora desta raposa já estar há muito no mundo dos sonhos. O quarto está completamente às escuras, não consigo ver nada no interior do recinto, a não ser sombras disformes. Eu hesito um pouco antes de bater levemente na vidraça. A sensação que me atingiu quando atravessei o portal entre o Makai e o Ningenkai e a janela fechada são duas coisas que estão por demais me incomodando, mas eu me recuso a entrar em pânico com tanta facilidade; por quê deveria? Há uma explicação para isto, tenho certeza.

Porém, não há resposta à minha batida, e eu insisto, desta vez um pouco mais fortemente. Nada, ainda. O quarto se encontra vazio. Finalmente admito para mim mesmo que estive tentando me enganar desde que cheguei aqui; não senti o you-ki de Kurama em nenhum lugar desta casa. Ele não se encontra aqui, definitivamente. Então porquê continuo a bater na vidraça, que nem um imbecil, se já sei disso? Eu sacudo a cabeça.

Apurando meu próprio ki, eu vasculho a casa inteira em busca da energia dos outros habitantes desta casa, a mãe, o padrasto e o irmão menor; também não há sinal de nenhum deles. Então é isto.
Kurama provavelmente se encontra em algum outro lugar, com seus familiares humanos; está aí a explicação. Tudo o que me resta a fazer é esperar eles voltarem.

Porém, embora eu já esteja recostado no galho de árvore, aguardando, aquela sensação insistente não abandona meu íntimo. Incertezas começam a pertubar minha mente; a esta hora da noite, onde eles poderiam estar... todos eles?

Não é época de férias da escola... se assim fosse, estaria perfeitamente explicado: A família inteira estaria aproveitando as férias dos dois estudantes para viajar a algum lugar, ou visitar algum parente... mas também é do meu conhecimento que, geralmente quando sua família combina alguma viagem ou passeio, Kurama sempre dá um jeito de não se juntar a eles, com alguma desculpa, e fica em casa. Ele faz isso para que nós dois possamos ter alguma privacidade na casa convenientemente vazia, sem a chateação dos seus familiares por perto. Ele aproveita qualquer oportunidade como esta; é quando podemos de fato estar tranqüilamente sozinhos, nestas ocasiões.

Se sua família estivesse viajando, Kurama não estaria com eles. Estaria aqui, no quarto, me esperando, um sorriso lascivo em seus lábios, uma chama ardente de antecipação em seus olhos cor de esmeralda...

Eu me remexo no galho, subitamente me sentindo desconfortável. A sensação não me abandona, por mais que eu tente pensar racionalmente, ela continua lá, martelando meu inconsciente.

Em toda a minha vida, eu nunca fiz a imprudência de ignorar meus instintos. Estaria a sete palmos de terra se fizesse isso; é algo que guia meus passos, algo que dita minha sobrevivência. E agora, meu instinto está me dizendo que há algo tremendamente errado em toda esta situação. E como sempre, não posso me dar ao luxo de ignorar isso por muito mais tempo.

Eu me ponho de pé no galho, minha decisão já tomada. Escolhendo uma direção, eu deixo a árvore onde estivera abrigado, com saltos rápidos e determinados.

Chego finalmente ao prédio onde mora Yusuke, me sentindo relutante em revelar a mais alguém assim tão abertamente minha preocupação. Mas não há outro jeito. Yusuke com certeza sabe do paradeiro de Kurama.

Nunca gostei de elevadores. Subo rapidamente as escadas e me posiciono em frente à porta do apartamento. Sem hesitar toco a campainha. Esta berra, acusadora, parecendo querer acordar a vizinhança inteira. Alguns minutos de silêncio. Eu insisto, mas nada. Não há ninguém em casa.

Meu cenho está novamente franzido. Começo a considerar a possibilidade de alguma missão de Koenma; mas neste caso, porque eu não seria avisado? E além disso, também há a questão da ausência dos familiares de Kurama... não há nada se encaixando aqui.

Eu deixo os arredores do prédio, incerto do que fazer. Solto um grunhido de desgosto, ao tomar a direção da casa de Kuwabara; tudo o que desejo agora é olhar para a cara imbecil daquele gorila desajeitado, mas a necessidade de saber o que está acontecendo me vence outra vez.

Porém a cena se repete; quando chego ao local, nem preciso bater na porta, pois já vasculhei o local e constatei que se encontra vazio. Nenhum humano aqui. E também nenhum gorila imbecil, tampouco.

Desta vez sigo andando pela rua deserta, mal levantando o olhar quando um veículo passa por mim, os faróis furando a escuridão da noite. Existe uma última alternativa, antes de finalmente procurar ajuda no Reikai... a casa da namorada de Yusuke, Keiko. Uma última cartada, antes de seguir para os portões do julgamento final, à procura do baixinho que governa aquele lugar.

Eu sei aonde é, por que já estive aqui, antes. Kurama uma vez conseguiu me arrastar para uma festa na casa dessa humana. Agora me lembro... foi na ocasião do noivado dela e do Yusuke.  Como sempre, era mais fácil ceder à insistência dessa raposa teimosa do que resistir... e eu acabei indo.

A casa tem dois andares; o de baixo é algum tipo de loja, um restaurante, pelo que me lembro. Ela e a família moram no andar de cima. Eu ergo o olhar, e me surpreendo sentindo alívio: há uma luz acesa em uma das janelas. Sem mais demora, eu toco a campainha. É preciso mais três toques antes que alguém venha atender; quando a porta se abre, um rosto sonolento de uma mulher de meia-idade olha para mim, indagadora. A mãe dela.

"A Keiko está?" eu pergunto, tentando manter um tom 'educado' na voz. Ela olha para mim sem responder, tentando talvez adivinhar o que alguém como eu poderia querer com a filha dela. Eu digo a mim mesmo para manter a paciência; não chegarei a lugar nenhum se perder a cabeça, agora.

"Preciso falar com a Keiko" eu insisto, em tom baixo."Ela está?"

"Não, Keiko não está." ela finalmente resolve responder, ainda desconfiada. "Quem é você?"

"Meu nome é Hiei. Sou ... amigo de Yusuke." eu explico, me sentindo algo estranho ao dizer esta palavra. Quando me imaginei dizendo semelhante frase? Mas os olhos da mulher parecem se acender em reconhecimento, afinal.

"Ah, sim, agora me lembro de você... você veio à festa do noivado, não é?"

"Sim." eu respondo, um pouco impaciente. "Aonde a Keiko está?" A expressão dela fica estranha, se entristece um pouco. Ela olha para baixo, com pesar.

"Keiko está em um velório. Um dos colegas da escola infelizmente faleceu, ontem. Ela está com os amigos, a alguns quarteirões daqui... estão velando o rapaz na casa da avó dele. Você quer o endereço?"

Eu não respondo, congelado no lugar com a descoberta... Um... velório? Alguém morreu... Algum humano estúpido foi pego pelas garras da morte, dando fim à sua existência inútil e curta. Finalmente, a explicação. Todos os colegas da escola devem estar no tal velório, isto explica a ausência de Kurama, Yusuke, e Kuwabara.

Mas não explica a ausência dos pais de Kurama, e seu irmão, minha mente grita, mas eu ignoro a voz perturbadora. Olho para a mulher, que ainda espera minha resposta. Faço um gesto de afirmação com a cabeça, e ela rapidamente pega um papel e caneta para anotar o endereço.

Eu finalmente deixo a residência dos Yukimura, sentindo o olhar da mãe da garota em minhas costas, enquanto me afasto, sei que não posso usar minha velocidade para me afastar mais rápido, enquanto ela não entrar, o que ela faz, alguns momentos depois. Eu então disparo pela noite, na direção indicada no papel.

Levo poucos segundos para chegar ao local, e, não sei porque, meu núcleo nervoso que os humanos costumam chamar de coração bate mais rápido; uma voz estranha está me dizendo para não entrar, para dar as costas e partir. Eu sacudo a cabeça ante tal pensamento fora de nexo. Chego à entrada da casa, cujas portas se encontram abertas. Há muitas pessoas por aqui, apesar de ser uma casa grande, quase não consigo passar por entre os humanos de expressão triste. Num relance, penso que o jovem que morreu realmente devia ser muito querido por todos...

Meu olhar encontra Yusuke, ao lado de Keiko, sentados em um canto da sala; ao lado deles, também sentados, estão Kuwabara, Yukina, e Shizuka. Yusuke é o primeiro a me notar, e seus olhos se arregalam de choque, por alguma razão, isto me incomoda, me deixa inquieto; O olhar dele se encontra nervosamente com o de Kuwabara, que olha para mim. Eu estranho quando não vejo em seu olhar nem um sinal de rivalidade, ou irritação, por me ver. Ao invés disso, ele abaixa o olhar, não querendo me encarar.

Não há sinal de Kurama em lugar nenhum.

Meu coração está martelando loucamente, agora, mas ainda assim, eu tomo o cuidado de manter minha expressão neutra ao me aproximar deles.

Yusuke ainda está olhando para mim, e olhando mais de perto, vejo que ele está chorando silenciosamente. Aliás, todos eles estão. Fora Yusuke, ninguém olha para mim, todos preferem centrar o olhar em alguma outra coisa. Um soluço escapa de Keiko, e Yusuke passa o braço por sobre seus ombros, confortando-a. Não me incomodo em cumprimentá-los; na verdade, ninguém espera que eu faça isso. Alguns momentos de desconforto visível para todos se passam.

"Onde está Kurama?" eu pergunto, finalmente, deixando a pergunta sair como se ela estivesse há muito enclausurada na minha garganta. Yukina de repente esconde o rosto nas mãos, e dezenas de pedras de lágrimas escapam por entre seus dedos delicados. Kuwabara faz o mesmo que Yusuke fizera com Keiko. Yukina esconde o rosto no peito dele, chorando desconsoladamente. Kuwabara encosta o rosto no cabelo dela, murmurando palavras confortadoras, mas ele próprio também chora, seu corpo também sacudido por fortes soluços.

Nenhum deles responde à minha pergunta; Apenas Yusuke ergue o olhar angustiado para mim, e aponta com a cabeça um outro canto da sala, onde outro grupo de pessoas está ajoelhada em frente ao invólucro de madeira que eles chamam de caixão. Sem palavras, ele está querendo me dizer para ir até lá... mas por quê deveria? Por que motivo deveria eu lamentar a morte de algum humano, debruçando-me sobre seu  revestimento material, seu corpo agora sem vida? Ele está querendo dizer, talvez, que Kurama se encontra ali perto? Mas não senti o ki dele em lugar nenhum aqui...

Sem saber porque estou fazendo isso, eu me afasto deles, e ainda posso ouvir os soluços contidos de Yukina e Keiko atrás de mim.

Ao me aproximar do caixão, minha garganta subitamente se contrai; meus olhos se arregalam de pavor... o desespero começa a invadir todo o meu íntimo. Ajoelhados em frente ao caixão do falecido, se encontram Shiori, seu marido, e Shuuichi, irmão humano de Kurama.

Os familiares mais próximos... do falecido.

Embora o fato já tenha se estabelecido em minha mente, ele ainda não estendeu suas raízes enegrecidas em toda sua extensão, e é só por esse motivo que eu consigo passar pela mulher desconsolada e seu marido, acompanhado pelo olhar espantado deles. Ainda não consigo apreender, absorver totalmente esta idéia, e também por isso, eu consigo chegar sem tremer diante do caixão cercado por rosas brancas... rosas quase tão belas quanto as que ele conseguia fazer florescer com seu poder de Youko.

Dentro do caixão, parecendo dormir, serenamente, se encontra Kurama, deitado com as mãos cuidadosamente repousadas no peito, uma sobre a outra. Seus cabelos ruivos compridos estão espalhados sobre o travesseiro de cetim. Ele está vestindo um terno preto, com uma camisa branca por dentro, e gravata.  Seu rosto perfeito está muito pálido, mas sua expressão nunca esteve tão relaxada... e tão bela. Eu olho para esse rosto, e tenho a sensação que seus olhos verdes irão se abrir a qualquer momento e se focalizar em mim; seus lábios se abrirão em um sorriso de prazer, como ele sempre faz, e seus braços longos se estenderão em minha direção, exigindo que eu me aninhe neles...

Eu não me mexo do lugar, me encontro paralisado por esta incrível visão surreal. Os minutos se passam e eu não consigo me livrar da sensação de que esses olhos se abrirão de repente; eu continuo a olhar para ele, antes que uma mão se deposite suavemente em meu ombro, quebrando o encanto. Eu ergo o olhar. Yusuke olha para mim com um pesar indescritível na face. Ele não diz nada, mas a mão em meu ombro se aperta, tentando confortar-me.

"Como aconteceu?" Eu pergunto, surpreendido com a calma em minha própria voz.

"E-ele foi... a-atropelado... um caminhão descontrolado o pegou na saída da escola..." Eu custo um pouco a compreender realmente o que ele está dizendo... atropelado?!... atropelado? Que diabo de coisa mais estúpida é essa?  "Ele m-morreu quase... quase  que instantaneamente." ele continua; sua voz está tremendo, seu auto-controle há muito se foi. Lágrimas voltam a escorrer por seu rosto. "H-hiei... não conseguimos lhe avisar...gomenasai..." Ele está tentando se controlar, sem sucesso, e continua murmurando palavras de desculpas e lamento, mas o som de sua voz aos poucos vai se distanciando de mim... eu estou sendo subitamente carregado para outro lugar, para outro tempo. Ainda estou ali, parado, olhando para o rosto imóvel de Kurama, mas num mundo completamente diferente.

Eu estou de volta ao passado, e inúmeras imagens passam diante de mim como em um filme de cinema, que um dia Kurama me arrastara para ver.

Kurama sorrindo para mim, os olhos brilhantes, as faces rosadas de prazer... as brincadeiras às minhas custas, seu divertimento quando ele conseguia finalmente arrancar de mim uma reação...sua tímida declaração de amor, e a mágoa em seu rosto quando eu fugi covardemente para o Makai... nosso primeiro beijo, nossa primeira noite de amor... o abandono, a paixão, a necessidade feroz que ambos sentimos naquele momento, e em todos os outros, a partir de então. Cada expressão, cada sorriso, cada olhar, de prazer ou de dor, de Kurama, vem à minha mente, todas elas se mesclando em uma só... rodando selvagemente, loucamente, até que minhas pernas fraquejam e eu me deixo cair de joelhos, a dura realidade do presente me atingindo severamente.

Não percebo que estivera chorando... Só me dou conta disso quando um brilho vindo de baixo chama minha atenção: são minhas jóias de lágrimas espalhadas no chão, junto aos pés da mesa onde o caixão se encontra depositado, esferas escuras e brilhantes. Eu passo a mão em meu próprio rosto, sentindo-o molhado, quente.

Yusuke se abaixa ao meu lado, disposto a me ajudar a levantar, parecendo consternado com minha reação. Mas eu faço um gesto brusco para me libertar de seu toque, e me levanto sem sua ajuda.

"Hiei..." A voz dele está impregnada de preocupação, e num relance eu vejo que os outros estão se aproximando de nós, seus rostos igualmente preocupados; eu sei que não poderei suportar isto; não posso suportar sua piedade, seus lamentos. Eles nada podem fazer por mim, ninguém pode.

Os olhos tristes de Yukina estão fixos em mim, suplicantes.

Não. Nem mesmo por ela.

Por isso me afasto, tão rápidamente que tenho certeza de que todos presentes na sala, com exceção talvez de Yusuke, têm a impressão de que eu simplesmente sumi em pleno ar. Não olho para o caixão antes de desaparecer; não é necessário. Aquele rosto pálido está para sempre dolorosamente gravado em minha memória. Eu não preciso olhar para ele uma última vez.

Aqueles olhos... aqueles olhos nunca mais se abrirão novamente, nunca mais olharão para mim com um brilho travesso dançando nas íris cor de jade... nunca mais o sorriso caloroso dirigido somente a mim, o carinho, o amor que nunca sequer pensei em encontrar nesta existência solitária...

O mundo todo vira um borrão indistinto enquanto corro pela escuridão, meu manto esvoaçando atrás de mim, minha katana balançando, batendo de encontro ao meu corpo. Minha garganta está trancada, eu quase não consigo respirar. Eu corro, cegamente, deixando um rastro de jóias escuras atrás de mim, minha visão toldada, meu coração parecendo querer explodir de dor em meu peito.

Um som horrível escapa finalmente de meus lábios; um grito desesperado e insano flutua pela noite, como um fantasma errante, sem querer morrer. Eu grito seu nome, inúmeras vezes, sem conseguir mais me controlar. Não tenho mais consciência de mim mesmo, tudo o que existe é apenas a dor, o desespero, o sentimento de perda angustiante, o vazio esmagador que nunca mais poderá ser preenchido... Eu me sinto cair de repente na escuridão, e intimamente rezo para que este seja o fim do sofrimento, o fim de tudo. Abaixo de mim não parece haver nada, e eu caio, me sentindo impotente contra essa avalanche de emoções esmagadoras que parecem exterminar o que ainda resta de sanidade em mim. Continuo repetindo o nome de Kurama, e o som de meus gritos ecoa pela escuridão fria ao meu redor... fechando os olhos, eu me abandono na queda...

Estou sendo sacudido, e alguém está chamando meu nome, com insistência. Eu abro os olhos, irritado, furioso com quem quer que seja que não está me deixando morrer em paz.

A primeira coisa que vejo são os olhos assustados de Kurama. Ele está me segurando pelos ombros, e um imenso alívio invade seu rosto quando eu finalmente acordo totalmente.

"Hiei!... Ainda bem que acordou... que pesadelo horrível era esse? Quase não consegui acordar você!"  Ele me olha preocupado, suas mãos sobem para acariciar meu rosto ainda úmido das lágrimas. Eu estou por demais confuso para falar coisa alguma, mas ainda sinto soluços remanescentes do sonho escapando de minha garganta. Ele nota isso, e sua expressão consternada se agrava; ele me puxa para entre seus braços, acariciando meu cabelo.

Eu ainda estou sob os efeitos do sonho... por isso, deixo que as lágrimas continuem fluindo, não faço nada para estancá-las. Kurama não diz nada, apenas me abraça ainda mais fortemente, e eu me agarro a ele, sentindo uma mistura de dor e alívio ao estar novamente entre seus braços, ainda não acreditando que tudo fora somente um sonho estúpido... mas, e se agora for um sonho enganador? De repente vou acordar e estar novamente no mar de desespero de antes, correndo pela noite, atravessando o vazio... Este pensamento arranca mais lágrimas de meu íntimo e o abraço de Kurama se renova; de alguma forma, o youko parece compreender que não preciso de palavras neste momento, apenas de sua presença, de seu aperto firme.

Aos poucos, eu vou me acalmando, e as lágrimas finalmente vão cessando. No entanto, continuo aninhado em seus braços, de olhos fechados. Uma fagulha de raiva se acende fraca em meu peito. Mas que diabos de sonho foi esse? Que droga de peça estúpida meu inconsciente me pregou?

Minha mente clareia mais, e de olhos ainda fechados, eu começo a me lembrar. Eu estou em sua cama, em seu quarto. Os pais dele e seu irmão se encontram fora, viajando. Kurama aproveitara essa ocasião para me preparar um delicioso jantar, e depois disso fizemos amor, e adormecemos, abraçados.

E então, esse sonho traiçoeiro. E parecendo tão real...

Eu abro os olhos, e me liberto um pouco de seu abraço para olhar para ele. Sua expressão ainda está preocupada, mas ele sorri um pouco, e seus lábios quentes e macios se aproximam dos meus suavemente, em um leve beijo. Eu fecho novamente os olhos, me rendendo totalmente às sensações que começam a tomar conta de meu corpo. Meu coração começa a acelerar-se, desta vez de excitação, não mais de pavor. Com suas carícias e toques ele consegue aos poucos afastar de mim os vestígios finais do pesadelo enquanto nossos corpos se tornam um só, nossos gemidos e suspiros se fundindo numa só respiração, num só anseio... até a explosão final, que nos deixa sem fôlego e exaustos, as pernas entrelaçadas, os braços ao redor um do outro, nossa pele úmida com o suor de ambos.

Minha cabeça repousa sobre o peito de Kurama e eu deixo escapar um suspiro de satisfação. Estico um braço por sobre sua cintura e me ajeito melhor, sentindo a mão dele descrevendo pequenos círculos em meu cabelo.

O pesadelo já virou uma sombra distante, agora, suas garras pegajosas e frias não podem mais me atingir. Porém, lá no fundo de minha alma, quase posso ouvir meus próprios gritos angustiados, preso como estava na armadilha de meu próprio inconsciente. Eu aperto meus olhos com força, tento afastar de vez estas últimas seqüelas da minha mente. Um dia, talvez, eu consiga.

O quarto está mergulhado no mais total silêncio. Tenho a impressão de que qualquer mais leve som o fará estilhaçar-se, como se fosse uma parede fina de vidro. Kurama deve estar tendo esta mesma impressão, pois também não fala nada; logo ele, esta raposa falante que nunca consegue ficar calado por mais de alguns minutos.

Estranhamente, não estou sentindo vergonha pelo momento de fraqueza que tão abertamente demonstrei. Em vista de tantas fraquezas que já desvendei diante dele, esta é apenas mais uma a se juntar à lista; Minha própria decisão de ficar a seu lado constituindo-se numa fraqueza maior. Eu deveria me sentir arrependido, mas não estou. Tudo o que quero neste momento é deixar-me ficar aqui, junto dele, sentindo seu cheiro, o contato de sua pele, o aroma herbal de seus cabelos... Sim, isto poderia ser considerado o paraíso... se este existisse.

Já estou quase adormecendo quando a voz suave dele chamando meu nome me traz de volta, e eu abro os olhos lentamente, viro minha cabeça para olhar para ele.

"Hiei... o que você estava sonhando?" Ele pergunta suavemente.

"Eu não me lembro." eu murmuro, desviando o olhar, querendo com isso encerrar esse assunto. É claro que ele não cai nesta, mas finge acreditar, e reforça o abraço em volta de meu corpo. Mais alguns minutos de silêncio, até ele falar novamente, num sussurro.

"Hiei..."

"Hn..." eu deixo escapar um tom de exasperação, fechando meus olhos. Não, eu penso, é claro que ele não vai desistir assim tão fácil.

"Você estava falando meu nome enquanto sonhava..." ele está escolhendo as palavras com cuidado, para não me aborrecer; mas é tarde, pois já começo a sentir a irritação em meu íntimo começar a crescer. Não vai demorar muito para algo estúpido escapar de meus lábios, e ele sabe disso, mas mesmo assim...

"Na verdade," ele prossegue, "você estava gritando meu nome... se 'kaasan e os outros estivessem em casa, teriam irrompido pela porta de meu quarto imediatamente..."

"Bem, me desculpe por ser um estorvo para você e sua família..." eu falo em um grunhido, tomando refúgio no sarcasmo, me sentando de repente na cama, me afastando de seu abraço acolhedor.

"Hiei... por favor, não seja assim. Não estou falando disso. É que...você me deixou preocupado."

Eu fico calado, sentado na beira da cama, de costas para ele. Eu sei que ele espera que eu diga a verdade, mas eu estou por demais relutante em me abrir mais para ele... como se isso fosse possível, depois de tudo o que já aconteceu entre nós. Mas hábitos de uma vida inteira demoram a morrer, mesmo quando há uma raposa teimosa em sua vida disposta a mudá-los.

Kurama se mexe na cama, e sinto-o aproximando-se de mim. Seus braços esguios me envolvem, ele esconde o rosto em minha nuca, arrancando de mim um calafrio involuntário quando sua respiração pousa em minha pele. Eu continuo imóvel.

"Você estava sonhando com minha morte, Hiei?" Ele pergunta baixinho junto ao meu ouvido. Eu praguejo internamente. Será que me tornei assim tão transparente? Será que ainda sou capaz de esconder alguma coisa dele? Sem palavras, eu apenas balanço a cabeça, admitindo finalmente para ele o que estivera tentando esconder com todas as forças. Ele faz com que eu me vire de frente para ele, e segura ternamente meu rosto em suas mãos, me obrigando a encará-lo.

"Hiei, quando o momento da morte de Shuuichi Minamino chegar, e este corpo vier a morrer,  meu espírito tomará novamente a forma de Youko-Kurama, no Makai." Um dedo seu percorre meus lábios, suavemente. "Poderemos ficar juntos lá, então."

Eu me deixo mergulhar nas profundezas de seus olhos verdes incrivelmente belos, nesse momento marejados de preocupação comigo.

"Eu sei disso." Eu afirmo simplesmente, como se a sensação angustiante e desesperadora que tomara conta de mim no sonho não fosse nada, como se não fosse nada estar mergulhado na dor, ao olhar para este rosto para sempre imóvel, para esses olhos para sempre fechados... sim, eu sei muito bem que a morte de Shuuichi Minamino não implica na real morte de Kurama... será apenas uma volta ao corpo original de Youko... mas no pesadelo, esse fato não serviu de nada para mim... este conhecimento de nada aplacou a dor de olhar para o corpo inerte dele no caixão... Quase estremeço ao me lembrar disso, e abaixo o olhar, mas ele ergue novamente meu rosto. Sua expressão é séria, mas seus olhos são gentis.

"Sendo assim, não há motivo para preocupar-se, não é?"

"Não estou preocupado." eu declaro, sem muita convicção. Ele sorri, e beija-me levemente na testa.

"Isso é bom. Nada mais de sonhos bobos, certo?"

Eu dou de ombros, sabendo muito bem que não estou enganando ninguém com meu ar de descaso, mas como sempre, ele concorda em entrar no meu jogo, e não insiste mais. Seus braços me envolvem novamente e eu me abandono neles, e ele me puxa novamente para deitar ao seu lado na cama, e puxa a coberta sobre nós dois, seus olhos quase se fechando de sono.

"Boa noite, koibito..." ele murmura, num suspiro, adormecendo quase que imediatamente depois. Eu permaneço acordado, embalado no sobe e desce de sua respiração, ouvindo o som do vento fustigando as árvores do lado de fora.

Não quero dormir agora. Na verdade, estou totalmente sem sono, e uma inquietação crescente se aloja em meu íntimo, me levando a me libertar cuidadosamente do abraço adormecido de Kurama e levantar da cama. Eu me visto rapidamente e chego até a janela, inspecionando a noite de lua cheia, que joga seus raios pálidos por todo o quarto, criando uma suave penumbra.

Preciso sair. E é o que faço, em seguida, num rápido salto através das copas das árvores.

Em minutos, eu chego até o topo de um edifício no centro da cidade, e olhando para baixo, perco alguns momentos contemplando a cidade adormecida. Há poucas luzes acesas... mas se há alguém acordado nas ruas, certamente não pode me ver, camuflado como estou pela escuridão da noite atrás de mim.

Eu me perco em um momento de reflexão sobre o sonho estranho e estúpido que conseguira acabar com meu árduo e treinado auto-controle. Um sonho bobo, como Kurama mesmo dissera, mas mesmo assim realmente revelador... Alguma vez já parei para pensar na dimensão do sentimento que tenho por aquela raposa teimosa? Eu dependo tanto dele... como jamais pensei em depender de alguém. Jamais admitiria isso, mas isso não apaga o fato de que estou tão ligado a ele, que meu próprio inconsciente se preocupa com sua morte, mesmo sendo só a morte do corpo passageiro, não a morte real... criando esse sonho perturbador que foi capaz de me arrancar de minha sempre tão superior atitude "não-estou-nem-aí-para-coisa-nenhuma".

Eu suspiro profundamente.

Volto enfim para casa... estranho, desde quando eu já tive uma casa?

Sua casa é nos braços dele... sempre foi e sempre será, minha mente me lembra, e eu concordo intimamente. É isso mesmo... como humano ou como youko, eu pertenço a ele; não existe mais volta atrás. Só o futuro... e de preferência, sem caminhões descontrolados no caminho. Isso eu hei de garantir, vigiando-o de perto. Só por vias das dúvidas...

Quando eu volto ao seu quarto, ele me espera acordado, mas não há censura em seu olhar; ele me recepciona com um sorriso afetuoso; seus olhos se acendem calorosamente, e como de hábito seus braços se abrem para me acolher... Eu me aninho neles sem restrições.

Finalmente adormeço, com o rosto repousado em seu peito, meus dedos entrelaçados em uma mecha de seus cabelos sedosos. E tenho outro sonho... mas este é diferente.

Eu me encontro sozinho, no meio do nevoeiro. Posso ouvir estranhos sons ao longe... sei que estou no Makai, pois a neblina se dissolve um pouco e consigo distinguir um dos muitos territórios por onde costumo vaguear, quando estou a serviço da Mukuro, recolhendo humanos idiotas que têm a infelicidade de tropeçar em algum portal escondido entre os dois mundos, e caem aqui. Eles têm sorte, quando os encontro antes que alguém mais o faça, e os guio de volta ao Ningenkai.

Alguém se aproxima de mim. Eu me viro, mas não estou de alerta, pois já identifiquei o ki da criatura que chega perto de mim em passos leves.

Poucas vezes vi Kurama em sua forma Youko... a figura alta chega diante de mim, seus olhos dourados alongados me fitam, de cima de sua altura ainda maior. Ele veste um traje branco, e seus cabelos cinzentos são ainda mais compridos do que os de Shuuichi Minamino, chegam até a sua cintura. Eu me encontro preso em seu olhar. Um olhar frio e penetrante. Youko-kurama me olha, e de repente, um sorriso caloroso se manifesta em seus lábios... Eu quase que como posso ver seu rosto humano por trás de seu rosto de youko. Seus olhos não estão mais frios, mas se encheram de um calor que eu acho incrivelmente familiar.

Sem dizer nada, ele estende a mão para mim.

Eu hesito por um momento, então pego sua mão quente na minha.

"Para sempre, koibito." ele murmura, e seus braços longos de youko me envolvem. Eu fecho os olhos.

Acordo com seu abraço firme ao longo de meu corpo, e sorrio sem sentir. Eu sei que é verdade. Posso não acreditar em muitas coisas... mas acredito nesta: para sempre, pertenceremos um ao outro.

Eu retribuo o abraço, e adormeço novamente, desta vez sem sonhos, apenas com a sensação confortante de seus braços ao meu redor, e o sopro suave de sua respiração em minha face.

 

Fim

 

 

 


Música de background: "Dante's Prayer" de Loreena McKennitt. (Ah, eu tinha que mencionar que essa música me deu inspiração, embora não tenha nada a ver com YYH...^_^)

Abril/1998

lalachan_yyh@yahoo.com.br


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