Espera

Fanfic por Lalachan

 

 

A brisa da manhã toca levemente minha pele, o ar quase frio do inverno que se aproxima entra sem convite no salão do Templo sagrado, quando eu abro as portas de vime para apreciar o nascer do sol. O ar frio não me incomoda... meu corpo e meu espírito estão acostumados com ele, estão habituados à neve, ao frio cortante dos invernos mais tenebrosos, tanto do mundo no qual nasci, quanto deste mundo que aprendi a amar.

E não foi só esse mundo que aprendi a amar...

Nunca pensei em encontrar o que encontrei aqui... amigos tão maravilhosos quanto os que tenho, a Mestra que me trata como uma verdadeira filha... um lar, um abrigo onde não importa nem um pouco a minha origem de youkai, ou o fato de eu ter sido banida por meu povo. Eu fui aceita aqui, e me considero... quase feliz.

Eu respiro fundo o ar da manhã, observando os primeiros fracos raios de sol que atravessam as copas dos imensos pinheiros que cercam esse lugar maravilhoso. Como sempre acontece quando olho para os frondosos pinheiros, meu pensamento se volta para você, e a velha melancolia mais uma vez se instala em meu coração de youkai.

A única coisa que poderia tornar minha felicidade completa, é  a única que não posso ter.

Eu olho para as copas dos pinheiros e quase espero ver sua figura negra entre eles, me observando, zelando por mim.

E mais uma vez, eu me pergunto... quando?

Quando chegará o dia em que você chegará até mim com o coração aberto e a alma livre da dor, e me dirá o que espero ouvir todos os dias da minha vida, desde que eu soube que você existia?

Eu quero tanto ficar próxima de você... De verdade. Eu desejo fortalecer os laços de sangue que já existem, pois você de certa forma é parte de mim. Outra metade de mim. Nós fomos cruelmente separados quando crianças, num sacrifício absurdo o qual até hoje me faz sentir culpada. Mas o que importa realmente é que eu te encontrei... ou seria melhor dizendo, você me encontrou, me salvando das mãos odiosas daqueles que me torturavam.

E agora... sou eu quem desejo salvar você da sua própria solidão... se apenas você deixasse.

Com minha energia curadora, eu queria poder estar próxima o suficiente de você para tentar de alguma forma aliviar sua dor, sua amargura... tentar amenizar a sombra que reside nos teus olhos vermelhos, da mesma cor dos meus...

Mas você não permite a ninguém tal aproximação. Você se isolou em sua dor, no ressentimento que habita dentro de você. Posso não ser uma youkai muito poderosa... mas tenho poder para sentir o sofrimento que aflora em sua alma, mesmo que você se esforce ao máximo em nunca demonstrar isso para ninguém. Mas eu sinto isso junto com você, como se habitássemos o mesmo corpo... como se ainda estivéssemos juntos no útero de nossa mãe.

Mas porque você continua se escondendo de mim? Por que continua se negando, e negando a mim, a imensa alegria que seria poder olhar nos seus olhos e te chamar de oniisan? O que falta a você, amado irmão? Coragem? Não acredito nisso... você é um dos mais temidos youkais do Makai... você cresceu em força e poder sozinho, e muitos demônios tremem só de ouvir seu nome... Não, não é falta de coragem que te impede de chegar até mim.

Então o que seria? Medo? Pelo mesmo motivo, não posso acreditar que você tenha medo... Mas talvez medo de se expor a mim, e ser rejeitado? Pela memória de nossa mãe... Eu preferiria morrer a fazer tal coisa. O que mais desejo é poder te abraçar fortemente, te assegurar que eu sempre serei sua irmã e que o amo profundamente. Não me importo nem um pouco com seu passado. Eu sou igual a você... posso ser uma youkai do gelo, enquando você é um youkai de fogo, mas somos iguais.

Embora este pensamento me provoque um grande sofrimento, eu penso que talvez... você ache que não sou digna de ser sua irmã. Por isso você se manteria afastado... privando a si mesmo e a mim da alegria de podermos estar realmente juntos.

Quantas vezes já estive a ponto de dar um passo além dos limites impostos por você e te falar que eu sei... eu sempre soube. Algo dentro de mim te reconheceria não importando o quanto você tentasse se manter longe. Eu sempre soube que você estava vivo...e que o encontraria. Não foi difícil reunir todas as pistas que denunciam claramente que você é aquele por quem tenho procurado tanto. E muito mais do que pistas, o que faz essa certeza afirmar-se mais ainda dentro de mim é tudo o que escapa em pequenas coisas, em gestos, olhares, a sua constante presença à minha volta, a forma como você me protege, sem nunca pedir nada em troca, sem ao menos me dirigir direito a palavra...

Já estive muito perto de te falar, me arriscando a receber um olhar de desprezo seu tão característico, talvez, antes que você sumisse definitivamente de minha vista... Mas por mais que meu coração me comande para quebrar essa barreira... Eu não posso desrespeitar sua vontade. Se é seu desejo que nos tratemos como dois estranhos, que assim seja.

Mas mesmo assim... Eu continuo esperando.

Eu dou as costas ao lindo amanhecer e volto para o interior do Templo. Eu não preciso olhar mais uma vez para os pinheiros para saber que eles estão lá. Eu sei que estão... eles sempre estarão.

Assim como você sempre estará.

Então eu espero, e confio...

Confio em você, confio que você há de chegar até mim um dia para que essa barreira que nos separa possa afinal ser quebrada.

Mas por favor... não me deixe esperando para sempre, oniisan.

Pois eu quero te chamar de irmão, olhando diretamente para esses olhos da mesma cor dos meus. E quero ouvir tua voz ao menos uma vez dizendo para mim a palavra que tanto já ouvi em meus sonhos...

Imouto.

 

Fim

 

 


Julho/1999

lalachan_yyh@yahoo.com.br


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