Sentinela
Fanfic por Lalachan
"I tried so hard
"Eu tentei tanto
E cheguei tão longe
Mas no fim
Isso nem mesmo importa
Tive que cair
E perder tudo
Mas no fim
Isso nem mesmo importa"
Linkin' Park, "In the End"
A luz... ela se foi.
Mas deixou algo em seu lugar. A contrapartida. Escuridão. Onde uma estiver, não poderá estar a outra.
A linha que separa as duas, por incrível que pareça, é tênue. E pode facilmente ser cortada. Mas é sempre horrível quando se aprende isto bruscamente.
Em um momento, a luz estava lá. No seguinte, tudo desaparecera. Ou melhor, tudo não... algo permaneceu para me fazer companhia.
A esmagadora solidão. Acentuada pela ausência da luz e pelo peso do vazio, do negrume que me engolia mais e mais a cada segundo.
Eu apenas me deixei ficar lá... naquele lugar escolhido por alguma esfera divina como o lugar que eu iria morrer. O sangue ainda escapava de meus olhos e inundava o chão junto ao meu queixo. Podia sentir o granito contra minha pele. A areia que subia do chão levada pela brisa que resolvera soprar ali, justamente ali...
Minha cova.
Em minha boca o sabor acre de meu próprio sangue, escorrendo das feridas em meus olhos, agora mortos. Não sabia quem me atacara, não sabia porque. Jamais saberia. Tudo acontecera tão rápido. Em minha mente podia relembrar o momento exato das lâminas afiadas atravessando meus olhos, roubando-me para sempre a visão, e a voz do atacante... "A vida é mais valiosa que a recompensa".
Tudo muito rápido... mas a morte demorava a chegar. Tudo o que eu podia fazer era esperar... pelo fim.
Mas na verdade, eu sabia que esperava por você.
**********
A eternidade se passou enquanto eu continuava esperando. Já perdera a consciência várias vezes, sempre rezando para que fosse a última vez e não tornasse a acordar. Porque, entenda... você ainda me atormentava nos sonhos, que na verdade eram delírios. Eu podia sentir perfeitamente o seu cheiro envolvente, o sabor de seus lábios, suas mãos percorrendo minha pele. Os fios prateados, suaves como seda, por entre meus dedos, um pedaço do luar que no mundo desperto eu nunca mais iria vislumbrar, escapando efêmeros por entre eles...Os olhos que me hipnotizam, que me mantém escravo entre seus braços, indefeso.
Isso, mais uma vez, prenda-me entre eles, eu não vou lutar desta vez. Porque não admitir logo de uma vez que pertenço totalmente a você?
Kurama... Este nome escapa de meus lábios febris, ressecados. Enquanto você não chega, eu luto para permanecer vivo.
Você virá? Em ilusões, ou na realidade... Já não importa, pois não sei mais distinguir uma da outra.
Mas eis que sim... você finalmente veio. Sinto um toque gentil e cuidadoso me movendo do chão arenoso onde permaneci abandonado por séculos ou assim pareceu...
"Yomi!! Minha nossa, você... não acredito..."
Antes de resvalar novamente para o mundo ilusório dos sonhos... sei que é uma voz conhecida, mas não é a sua.
Pois você não veio.
Então eu vou ao seu encontro mais uma vez.
*************
Agora sei que na verdade, Shinno me achou naquele lugar esquecido do resto do Makai, quase às portas da morte. Realmente foi por um fio... Não fosse por isso, talvez ainda estivesse lá até agora... ou só meu corpo desprovido de vida.
Algumas semanas se passaram e me sinto bem melhor. Os machucados ainda incomodam, principalmente os dos olhos. Estes ainda doem muito. Mas o que dói mesmo é o fato inegável que para você, não deve fazer nenhuma diferença eu estar vivo ou morto.
E pensar que todo o tempo, tudo o que podia pensar era em você me resgatando de lá. Da morte. Como quando Kuronue me pregou aquela armadilha. Tanta coisa mudou desde aquele tempo... e agora vejo o quanto fui tolo de esperar que você surgisse de repente para me tirar da escuridão...
Agora não posso enxergar mas vejo que sempre fui um cego muito pior do que aquele que nada vê... eu nunca quis enxergar que eu jamais teria uma chance com você. Nunca estive nem perto disso.
Você sempre foi e continuará sendo inatingível para mim.
Embora seja difícil expulsar você de meus pensamentos por um segundo sequer, sei que jamais poderia ir procurá-lo. Nesse estado muito menos. Ou em qualquer outro.
Por outro lado não tenho a menor idéia de como recomeçar minha vida.
Neste quarto permaneço quieto, inerte, como uma sentinela do silêncio. Ou da dor. Ou de ambos...
Em certo momento de loucura...imagino sentir sua presença. Minha mente está me enganando. Eu chamo por Shinno, por que seria insanidade demais chamar o seu nome.
Depois que Shinno sai do quarto para preparar o jantar, a sensação continua. Muito forte... É como se você estivesse aqui neste quarto, bem próximo. Tento me manter calmo mas deixo um dos travesseiros que apoiam minha cabeça cair no chão, e tenho alguma dificuldade de pegá-lo de volta, mas nem sei como, consigo.
Digo a meu próprio coração que diminua as batidas, porque não há motivo para isto. Não há mesmo ninguém neste quarto comigo. Estou sendo iludido por meus próprios sentidos...
Este é o último lugar onde você estaria.
Este é o único lugar onde eu gostaria que você estivesse.
Encosto a cabeça no travesseiro, e permaneço parado, o coração volta ao normal, sei disso porque suas batidas parecem reberverar em minha cabeça. O mundo inteiro ao meu redor reduziu-se a puro e triste silêncio. Nada o interrompe... a não ser um leve som de respiração.
Não é a minha respiração.
As faixas estão ficando úmidas por dentro, e sei que são minhas lágrimas. Meus olhos estão mortos e sem luz, mas ainda há muita dor a sair de dentro deles. Sinto seu cheiro inconfundível, leve almíscar, suave, evocação de noites de paixão e suor, beijos e carícias selvagens, fios negros e prateados se confundindo nos lençóis... E o aconchego dos corpos exauridos, quentes e ofegantes, inseparáveis.
Eu quero tanto que você esteja aqui agora, que sou capaz de...
Momentos longos se passam e a sensação não se esvai. Tento me controlar, mas não consigo evitar que meus lábios murmurem seu nome de vez em quando como se fosse uma prece: Kurama...
Essa prece não formulada, como todas as preces não atendidas, é levada embora pela noite, afasta-se... desaparece para sempre.
Será que um dia, você também vai desaparecer das minhas lembranças?
Não faz diferença. Não importa o que eu faça, não importa como vai ser minha vida daqui em diante... Essa é a única coisa que posso fazer agora... que é tentar te dizer adeus.
Apenas tentar...
Mas nem no fim de tudo... eu jamais conseguiria dizer adeus.
"Yomi? O jantar está pronto!" Shinno entra de repente no quarto interrompendo meus pensamentos, e eu secretamente chego quase a agradecer a ele por isso.
"Obrigado, Shinno... ei, esse cheiro não parece tão ruim quanto da última vez..."
"Não abuse, ou da próxima vez terá vento para comer apenas... " Ouço a voz dele se afastando de mim, "Nossa, está frio aqui dentro... vou fechar essa janela um pouco, certo? Já anoiteceu..."
"Não, Shinno. Deixe a janela aberta."
"Mas... por que?" Sua voz parece incrédula, mas ele atende meu pedido. Eu não digo nada. Ele não poderia compreender, se nem ao menos eu mesmo compreendo.
Após me alimentar, ele sai do quarto novamente, me deixando sozinho. Eu sinto a brisa fresca da noite entrando pela janela aberta, e por muito tempo ainda, antes de adormecer, eu mantenho meu rosto virado para sua direção, mesmo que não seja capaz de enxergar coisa alguma...
Eu ainda não conseguiria dizer adeus... Kurama.
Fim
Esta
fic é um presente de Natal a minha amiga Ana-chan (Yomi no Miko). ^_^ Sabe,
Aninha... eu também não consegui dizer adeus, espero que compreenda. ^_^()
Dezembro/2001